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CAPÍTULO DOIS

Resumo do Conteúdo do Gita-

Texto

sañjaya uvāca
taṁ tathā kṛpayāviṣṭam
aśru-pūrṇākulekṣaṇam
viṣīdantam idaṁ vākyam
uvāca madhusūdanaḥ

Sinônimos

sañjayaḥ uvāca — Sañjaya disse; tam — a Arjuna; tathā — assim; kṛpayā — por compaixão; āviṣṭam — abatido; aśru-pūrṇa-ākula — cheio de lágrimas; īkṣaṇam — olhos; viṣīdantam — lamentando; idam — estas; vākyam — palavras; uvāca — disse; madhu-sūdanaḥ — o matador de Madhu.

Tradução

Sañjaya disse: Vendo Arjuna cheio de compaixão, sua mente deprimida, seus olhos rasos dágua, Madhusūdana, Kṛṣṇa, disse as seguintes palavras.

Comentário

Compaixão, lamentação e lágrimas materiais são sinais de que se ignora o que é o verdadeiro eu. Compaixão pela alma eterna é auto-realização. A palavra “Madhusūdana” é significativa neste verso. O Senhor Kṛṣṇa matou o demônio Madhu, e agora Arjuna queria que Kṛṣṇa destruísse o demônio do desentendimento que o derrubara no cumprimento de seu dever. Ninguém sabe onde se deve aplicar a compaixão. Compaixão pela roupa de um homem que está se afogando é absurda. Um homem caído no oceano da ignorância não pode ser salvo pelo simples fato de alguém recuperar sua roupa externa — o corpo material grosseiro. Aquele que não sabe disso e lamenta-se pela roupa externa é chamado de śūdra, ou aquele que lamenta desnecessariamente. Arjuna era kṣatriya, e não se esperava dele tal conduta. O Senhor Kṛṣṇa entretanto, pode dissipar a lamentação do homem ignorante, e foi com este propósito que Ele cantou o Bhagavad-gītā. Este capítulo nos instrui sobre a auto-realização através de um estudo analítico do corpo material e da alma espiritual, conforme explicado pela autoridade suprema, o Senhor Śrī Kṛṣṇa. Esta realização é possível para aquele que age sem apego aos resultados fruitivos e está situado na concepção fixa do verdadeiro eu.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
kutas tvā kaśmalam idaṁ
viṣame samupasthitam
anārya-juṣṭam asvargyam
akīrti-karam arjuna

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; kutaḥ — de onde; tvā — para Você; kaśmalam — sujeira; idam — esta lamentação; viṣame — nesta hora de crise; samupasthitam — chegou; anārya — pessoas que não conhecem o valor da vida; juṣṭam — praticada por; asvargyam — que não conduz aos planetas superiores; akīrti — infâmia; karam — a causa de; arjuna — ó Arjuna.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, como foi que tais impurezas desenvolveram-se em você? Elas não condizem com um homem que conhece o valor da vida. Elas não conduzem aos planetas superiores, mas à infâmia.

Comentário

Kṛṣṇa e a Suprema Personalidade de Deus são idênticos. Por isso, em todo o Gītā Kṛṣṇa é chamado de Bhagavān. Bhagavān é a última palavra no que se refere à Verdade Absoluta. A Verdade Absoluta é percebida em três fases de entendimento, a saber, Brahman, ou o espírito onipenetrante impessoal; Paramātmā, ou o aspecto do Supremo localizado dentro do coração de todas as entidades vivas; e Bhagavān, ou a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11), esta concepção acerca da Verdade Absoluta recebe a seguinte explicação:

vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate

A Verdade Absoluta é percebida em três fases de entendimento pelo conhecedor da Verdade Absoluta, e todas elas são idênticas. Estas fases da Verdade Absoluta são expressas como Brahman, Paramātmā e Bhagavān.”

Estes três aspectos divinos podem ser explicados pelo exemplo do Sol, que também tem três aspectos diferentes, a saber, o brilho do sol, a superfície do sol e o próprio planeta Sol. Quem estuda apenas o brilho do sol é um principiante. Quem entende a superfície do sol está mais adiantado. E aquele que pode entrar no planeta Sol é o mais elevado. Os estudantes comuns que se satisfazem com a simples compreensão do brilho do sol — sua penetração universal e a refulgência deslumbrante de sua natureza impessoal — podem ser comparados àqueles que podem entender apenas o aspecto Brahman da Verdade Absoluta. O estudante que obteve maior avanço pode conhecer o disco solar, e isto, comparativamente, equivale ao conhecimento do aspecto Paramātmā da Verdade Absoluta. E o estudante que pode entrar no coração do planeta Sol é comparado àqueles que entendem as características pessoais da Suprema Verdade Absoluta. Portanto, os bhaktas, ou os transcendentalistas que compreenderam o aspecto Bhagavān da Verdade Absoluta, são os transcendentalistas mais elevados, embora todos os estudantes que se dedicam ao estudo da Verdade Absoluta estejam ocupados na mesma matéria. O brilho do sol, o disco do sol e os assuntos internos do planeta Sol não podem ser separados um do outro, e no entanto os estudantes das três diferentes fases não estão na mesma categoria.

A palavra sânscrita bhagavān é explicada pela grande autoridade Parāśara Muni, o pai de Vyāsadeva. A Personalidade Suprema que possui toda a riqueza, toda a força, toda a fama, toda a beleza, todo o conhecimento e toda a renúncia chama-Se Bhagavān. Há muitas pessoas que são muito ricas, muito poderosas, muito belas, muito famosas, muito eruditas e muito desapegadas, mas ninguém pode alegar que possui toda a riqueza, toda a força, etc., inteiramente. Só Kṛṣṇa pode afirmar isso porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Nenhuma entidade viva, incluindo Brahmā, o Senhor Śiva ou Nārāyaṇa, pode possuir opulências tão completamente como Kṛṣṇa. Portanto, o próprio Senhor Brahmā conclui no Brahma-saṁhitā que o Senhor Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Ninguém é igual ou superior a Ele. Ele é o Senhor primordial, ou Bhagavān, conhecido como Govinda, e Ele é a causa suprema de todas as causas:

īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ
sac-cid-ānanda-vigrahaḥ
anādir ādir govindaḥ
sarva-kāraṇa-kāraṇam

“Há muitas personalidades que possuem as qualidades de Bhagavān, mas Kṛṣṇa é supremo porque ninguém pode superá-lO. Ele é a Pessoa Suprema, e Seu corpo é eterno, cheio de conhecimento e bem-aventurança. Ele é o Senhor Govinda primordial e a causa de todas as causas.” (Brahma-saṁhitā 5.1)

O Bhāgavatam também cita muitas encarnações da Suprema Personalidade de Deus, mas Kṛṣṇa é descrito como a Personalidade de Deus original, de quem se expandem muitas e muitas encarnações e Personalidades de Deus:

ete cāṁśa-kalāḥ puṁsaḥ
kṛṣṇas tu bhagavān svayam
indrāri-vyākulaṁ lokaṁ
mṛḍayanti yuge yuge

“Todas as listas de encarnações da Divindade aqui apresentadas são expansões plenárias ou partes das expansões plenárias da Divindade Suprema, mas Kṛṣṇa é a própria Suprema Personalidade de Deus.” (Bhāg. 1.3.28)

Portanto, Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus original, a Verdade Absoluta, a fonte da Superalma e do Brahman impessoal.

Na presença da Suprema Personalidade de Deus, o fato de Arjuna lamentar seus parentes decerto é insensato, e por isso Kṛṣṇa exprimiu Sua surpresa com a palavra kutaḥ, “de onde”. Jamais se esperariam tais impurezas numa pessoa pertencente à classe dos homens civilizados, conhecidos como arianos. A palavra ariano, ārya, aplica-se a pessoas que conhecem o valor da vida e têm uma civilização baseada na percepção espiritual. As pessoas que se deixam levar pela concepção de vida material não sabem que o objetivo da vida é entender a Verdade Absoluta, Viṣṇu, ou Bhagavān, e estão cativadas pelos aspectos externos do mundo material, e por isso não conhecem o que é liberação. Quem não sabe como libertar-se do cativeiro material é chamado não-ariano. Embora fosse um kṣatriya, Arjuna estava fugindo de seus deveres prescritos ao recusar-se a lutar. Este ato de covardia é descrito como apropriado para os não-arianos. Essa recusa ao dever não ajuda no progresso da vida espiritual, tampouco dá a alguém a oportunidade de ficar famoso neste mundo. O Senhor Kṛṣṇa não aprovou a aparente compaixão que Arjuna sentia por seus parentes.

Texto

klaibyaṁ mā sma gamaḥ pārtha
naitat tvayy upapadyate
kṣudraṁ hṛdaya-daurbalyaṁ
tyaktvottiṣṭha paran-tapa

Sinônimos

klaibyam — impotência; sma — não; gamaḥ — se entregue; pārtha — ó filho de Pṛthā; na — nunca; etat — esta; tvayi — para você; upapadyate — fica bem; kṣudram — mesquinha; hṛdaya — do coração; daurbalyam — fraqueza; tyaktvā — abandonando; uttiṣṭha — levante-se; param-tapa — ó castigador dos inimigos.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, não ceda a esta impotência degradante. Isto não lhe fica bem. Abandone esta fraqueza mesquinha de coração e levante-se, ó castigador do inimigo.

Comentário

Arjuna foi chamado de filho de Pṛthā, que era irmã do pai de Kṛṣṇa, Vasudeva. Logo, Arjuna tinha um parentesco sanguíneo com Kṛṣṇa. Se o filho de um kṣatriya recusa-se a lutar, é kṣatriya apenas de nome, e se o filho de um brāhmaṇa age impiamente, é brāhmaṇa apenas de nome. Tais kṣatriyas e brāhmaṇas são filhos imerecedores dos pais que têm; portanto, Kṛṣṇa não queria que Arjuna se tornasse um filho que não fazia jus ao pai kṣatriya. Arjuna era o amigo mais íntimo de Kṛṣṇa, e na quadriga Kṛṣṇa o estava guiando diretamente; porém, apesar de todos esses méritos, se abandonasse a batalha, Arjuna estaria cometendo um ato infame. Por isso, Kṛṣṇa disse que tal atitude de Arjuna não se coadunava com sua personalidade. Arjuna podia argumentar que desistiria da batalha baseado em sua magnânima atitude para com o respeitabilíssimo Bhīṣma e seus parentes, mas Kṛṣṇa considerava esta espécie de magnanimidade como mera fraqueza de coração. Esta magnanimidade falsa não é aprovada por autoridade nenhuma. Portanto, ao receberem a orientação direta de Kṛṣṇa, pessoas como Arjuna devem abandonar essa magnanimidade ou pretensa não-violência.

Texto

arjuna uvāca
kathaṁ bhīṣmam ahaṁ saṅkhye
droṇaṁ ca madhusūdana
iṣubhiḥ pratiyotsyāmi
pūjārhāv ari-sūdana

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; katham — como; bhīṣmam — Bhīṣma; aham — eu; saṅkhye — na luta; droṇam — Droṇa; ca — também; madhu-sūdana — ó matador de Madhu; iṣubhiḥ — com flechas; pratiyotsyāmi — contra-atacarei; pūjā-arhau — aqueles que são dignos de adoração; ari-sūdana — ó matador dos inimigos.

Tradução

Arjuna disse: Ó matador dos inimigos, ó matador de Madhu, como é que na batalha posso contra-atacar com flechas homens como Bhīṣma e Droṇa, que são dignos da minha adoração?

Comentário

Superiores respeitáveis, tais como Bhīṣma, o avô, e Droṇācārya, o mestre, são sempre dignos de adoração. Mesmo que ataquem, não devem ser contra-atacados. É etiqueta geral que com os superiores não se deve lutar nem com palavras. Mesmo que às vezes tenham comportamento rude, não devem ser tratados com aspereza. Então, como é que Arjuna conseguiria reagir a eles? Será que Kṛṣṇa algum dia atacaria Seu próprio avô, Ugrasena, ou Seu mestre, Sāndīpani Muni? Estes foram alguns dos argumentos que Arjuna apresentou a Kṛṣṇa.

Texto

gurūn ahatvā hi mahānubhāvān
śreyo bhoktuṁ bhaikṣyam apīha loke
hatvārtha-kāmāṁs tu gurūn ihaiva
bhuñjīya bhogān rudhira-pradigdhān

Sinônimos

gurūn — os superiores; ahatvā — não matando; hi — decerto; mahā-anubhāvān — grandes almas; śreyaḥ — é melhor; bhoktum — gozar a vida; bhaikṣyam — mendigando; api — mesmo; iha — nesta vida; loke — neste mundo; hatvā — matando; artha — ganho; kāmān — desejando; tu — mas; gurūn — superiores; iha — neste mundo; eva — decerto; bhuñjīya — a pessoa tem de desfrutar; bhogān — as coisas desfrutáveis; rudhira — sangue; pradigdhān — manchadas de.

Tradução

É preferível viver mendigando neste mundo a viver à custa das vidas de grandes almas que são meus mestres. Embora desejem conquistas terrenas, eles são superiores. Se forem mortos, tudo o que desfrutarmos estará manchado de sangue.

Comentário

Segundo os códigos das escrituras, um preceptor que pratica uma ação abominável e perdeu seu sentido de discriminação merece ser abandonado. Bhīṣma e Droṇa foram obrigados a tomar o partido de Duryodhana devido à ajuda financeira que este oferecia, embora simples razões financeiras não devessem tê-los impelido a aceitar tal posição. Em tais circunstâncias, eles perderam a respeitabilidade de mestres. Mas Arjuna acha que, mesmo assim, eles continuam sendo superiores seus, e portanto, desfrutar de lucros materiais após matá-los significaria desfrutar de despojos manchados de sangue.

Texto

na caitad vidmaḥ kataran no garīyo
yad vā jayema yadi vā no jayeyuḥ
yān eva hatvā na jijīviṣāmas
te ’vasthitāḥ pramukhe dhārtarāṣṭrāḥ

Sinônimos

na — nem; ca — também; etat — isto; vidmaḥ — sabemos; katarat — qual; naḥ — para nós; garīyaḥ — melhor; yat — se; jayema — podemos vencer; yadi — se; — ou; naḥ — a nós; jayeyuḥ — vencem; yān — aqueles que; eva — decerto; hatvā — matando; na — nunca; jijīviṣāmaḥ — desejaríamos viver; te — todos eles; avasthitāḥ — estão situados; pramukhe — na frente; dhārtarāṣṭrāḥ — os filhos de Dhṛtarāṣṭra.

Tradução

Tampouco sabemos o que é melhor — vencê-los ou sermos vencidos por eles. Se matássemos os filhos de Dhṛtarāṣṭra, não nos importaríamos em viver. Contudo, eles agora estão diante de nós no campo de batalha.

Comentário

Arjuna não sabia se devia lutar e correr o risco de praticar violência desnecessária, embora lutar seja o dever dos kṣatriyas, ou se devia desistir da luta e viver mendigando. Se ele não vencesse o inimigo, mendigar seria seu único meio de subsistência. Tampouco havia certeza de vitória, pois qualquer lado poderia sair vitorioso. Mesmo que a vitória os aguardasse (e a causa pela qual se empenhavam fosse justificada), ainda assim, se os filhos de Dhṛtarāṣṭra morressem na batalha, seria muito difícil viver em sua ausência. Nessas circunstâncias, isto seria outra espécie de derrota para eles. Todas essas ponderações de Arjuna provavam definitivamente que ele era não apenas um grande devoto do Senhor, mas também que ele era um ser iluminado e tinha controle total sobre sua mente e sentidos. Seu desejo de viver de esmolas, apesar de ter nascido na família real, é um outro sinal de desapego. Ele de fato era virtuoso, como o indicavam estas qualidades, combinadas com sua fé nas instruções de Śrī Kṛṣṇa (seu mestre espiritual). Conclui-se que Arjuna estava realmente apto para a liberação. Quem não controla os sentidos não tem a oportunidade de elevar-se à plataforma do conhecimento, e sem conhecimento e devoção não há chance de liberação. Arjuna era dotado de todos esses atributos, que superavam os enormes atributos adquiridos em suas relações materiais.

Texto

kārpaṇya-doṣopahata-svabhāvaḥ
pṛcchāmi tvāṁ dharma-sammūḍha-cetāḥ
yac chreyaḥ syān niścitaṁ brūhi tan me
śiṣyas te ’haṁ śādhi māṁ tvāṁ prapannam

Sinônimos

kārpaṇya — da avareza; doṣa — pela fraqueza; upahata — sendo afligido; sva-bhāvaḥ — características; pṛcchāmi — estou perguntando; tvām — a Você; dharma — religião; sammūḍha — confuso; cetāḥ — no coração; yat — que; śreyaḥ — melhor; syāt — pode ser; niścitam — com certeza; brūhi — diga; tat — isso; me — para mim; śiṣyaḥ — discípulo; te — Seu; aham — sou; śādhi — apenas instrua; mām — a mim; tvām — a Você; prapannam — rendido.

Tradução

Agora estou confuso quanto ao meu dever e perdi toda a compostura devido à reles fraqueza. Nesta condição estou Lhe pedindo que me diga com certeza o que é melhor para mim. Aqui estou, Seu discípulo e uma alma rendida a Você. Por favor, instrua-me.

Comentário

Pelo processo da própria natureza, o sistema completo das atividades materiais é uma fonte de perplexidade para todos. A cada passo há perplexidade, e portanto convém que a pessoa se aproxime de um mestre espiritual genuíno que possa dar-lhe orientação apropriada para alcançar o propósito da vida. Todos os textos védicos nos aconselham a nos aproximarmos de um mestre espiritual autêntico para nos libertarmos das perplexidades existentes na vida, que surgem contra nossa vontade. São como um incêndio na floresta que de alguma maneira começa a queimar sem ter sido ateado por ninguém. De modo semelhante, a situação do mundo é tal que as perplexidades da vida aparecem automaticamente, sem que queiramos tal confusão. Ninguém quer o incêndio, mas ele ocorre, e ficamos perplexos. A sabedoria védica, portanto, aconselha que, para solucionar as perplexidades da vida e para entender a ciência da solução, a pessoa deve aproximar-se de um mestre espiritual que esteja na sucessão discipular. Aquele que tem um mestre espiritual autêntico está em condições de saber tudo. Ninguém deve, portanto, permanecer nas perplexidades materiais, mas a todos convém aproximar-se de um mestre espiritual. Este é o significado deste verso.

Quem é o homem imerso em perplexidades materiais? É aquele que não entende os problemas da vida. No Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad (3.8.10), o homem perplexo recebe a seguinte descrição: yo vā etad akṣaraṁ gārgy aviditvāsmāl̐ lokāt praiti sa kṛpaṇaḥ. “Avaro é aquele que, estando na plataforma humana, não resolve os problemas da vida e então deixa este mundo como os cães e gatos, sem compreender a ciência da auto-realização.” Esta forma de vida humana é uma dádiva muito valiosa para a entidade viva que pode utilizá-la para resolver os problemas da vida; portanto, quem não faz o devido uso desta oportunidade é avarento. Por outro lado, há o brāhmaṇa, ou aquele que é assaz inteligente em utilizar este corpo para resolver todos os problemas da vida. Ya etad akṣaraṁ gārgi viditvāsmāl̐ lokāt praiti sa brāhmaṇaḥ.

Os kṛpaṇas, ou avaros, vivendo sua concepção material, perdem seu tempo com excessiva afeição pela família, sociedade, país, etc. Devido à “doença da pele” é freqüente apegar-se à vida familiar, ou seja, à esposa, filhos e outros membros. O kṛpaṇa pensa que é capaz de proteger da morte os membros da sua família; ou ele pensa que sua família ou a sociedade em que vive podem salvá-lo das garras da morte. Tal apego familiar pode ser encontrado mesmo em animais inferiores, que também cuidam dos filhos. Sendo inteligente, Arjuna podia compreender que sua afeição pelos membros da família e seu desejo de protegê-los da morte eram as causas de sua perplexidade. Embora pudesse compreender que seu dever de lutar o aguardava, ainda assim, devido à reles fraqueza, ele não conseguia cumprir seus deveres. Por isso, ele está pedindo que o Senhor Kṛṣṇa, o mestre espiritual supremo, dê uma solução definitiva. Ele se apresenta a Kṛṣṇa como discípulo e quer parar com conversas amigáveis. Os diálogos entre mestre e discípulo são sérios, e agora Arjuna quer falar mui seriamente diante do mestre espiritual conceituado. Kṛṣṇa é portanto o mestre espiritual original que transmitiu a ciência do Bhagavad-gītā, e Arjuna é o primeiro discípulo dedicado a compreender o Gītā . Como Arjuna compreende o Bhagavad-gītā está declarado no próprio Gītā. E todavia, tolos eruditos mundanos explicam que ninguém precisa submeter-se a Kṛṣṇa como pessoa, mas ao “não-nascido que existe dentro de Kṛṣṇa”. Não há diferença entre o interior e o exterior de Kṛṣṇa. E aquele que não captou esta compreensão só faz tolices ao tentar entender o Bhagavad-gītā.

Texto

na hi prapaśyāmi mamāpanudyād
yac chokam ucchoṣaṇam indriyāṇām
avāpya bhūmāv asapatnam ṛddhaṁ
rājyaṁ surāṇām api cādhipatyam

Sinônimos

na — não; hi — decerto; prapaśyāmi — vejo; mama — meus; apanudyāt — pode afastar; yat — aquilo que; śokam — lamentação; ucchoṣaṇam — secando; indriyāṇām — dos sentidos; avāpya — conseguindo; bhūmau — sobre a Terra; asapatnam — sem rival; ṛddham — próspero; rājyam — reino; surāṇām — dos semideuses; api — mesmo; ca — também; ādhipatyam — supremacia.

Tradução

Não consigo descobrir um meio de afastar este pesar que está secando meus sentidos. Não serei capaz de suprimi-lo nem mesmo que ganhe na Terra um reino próspero e inigualável com soberania como a dos semideuses nos céus.

Comentário

Embora Arjuna estivesse apresentando tantos argumentos baseados no conhecimento dos princípios da religião e dos códigos morais, parece que, sem a ajuda do mestre espiritual, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, ele era incapaz de resolver seu verdadeiro problema. Ele podia compreender que seu pretenso conhecimento era inútil para afastar seus problemas, que estavam debilitando toda a sua existência; e sem a ajuda de um mestre espiritual como o Senhor Kṛṣṇa, era-lhe impossível resolver essas perplexidades. Conhecimento acadêmico, erudição, posição elevada, etc., são todos inúteis para resolver os problemas da vida; a ajuda só pode ser dada por um mestre espiritual como Kṛṣṇa. Portanto, conclui-se que um mestre espiritual que seja cem por cento consciente de Kṛṣṇa é o mestre espiritual autêntico, pois ele pode resolver os problemas da vida. O Senhor Caitanya disse que aquele que domina a ciência da consciência de Kṛṣṇa, independentemente de sua posição social, é o verdadeiro mestre espiritual.

kibā vipra, kibā nyāsī, śūdra kene naya
yei kṛṣṇa-tattva-vettā, sei ‘guru’ haya

“Não importa se alguém é um vipra [estudioso erudito na sabedoria védica] ou nasceu em família inferior, ou está na ordem de vida renunciada— se ele é mestre na ciência de Kṛṣṇa, é o mestre espiritual perfeito e genuíno.” (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 8.128) Logo, não sendo mestre na ciência da consciência de Kṛṣṇa, não se pode ser um mestre espiritual autêntico. Também se diz na literatura védica:

ṣaṭ -karma-nipuṇo vipro
mantra-tantra-viśāradaḥ
avaiṣṇavo gurur na syād
vaiṣṇavaḥ śva-paco guruḥ

“Um brāhmaṇa erudito, versado em todos os assuntos do conhecimento védico, não está apto a tornar-se um mestre espiritual se não for um vaiṣṇava, ou hábil na ciência da consciência de Kṛṣṇa. Mas a pessoa nascida em família de casta inferior pode tornar-se mestre espiritual se for vaiṣṇava, ou consciente de Kṛṣṇa.” (Padma Purāṇa)

Os problemas da existência material — nascimento, velhice, doença e morte — não podem ser extintos pelo acúmulo de riquezas e pelo desenvolvimento econômico. Em muitas partes do mundo há Estados que estão repletos de todas as condições materiais favoráveis, que estão cheios de riqueza e são economicamente desenvolvidos, mas os problemas da existência material continuam presentes. Eles estão procurando a paz de modos diferentes, mas só poderão alcançar a felicidade verdadeira se consultarem Kṛṣṇa ou o Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam — que constituem a ciência de Kṛṣṇa — através do representante genuíno, o homem em consciência de Kṛṣṇa.

Se desenvolvimento econômico e confortos materiais pudessem afastar as lamentações devidas ao inebriamento familiar, social, nacional ou internacional, então Arjuna não teria dito que até um reino terrestre inigualável ou uma supremacia como a dos semideuses nos planetas celestiais seriam incapazes de afastar suas lamentações. Ele buscou, portanto, refúgio na consciência de Kṛṣṇa, e este é o caminho certo, propício à paz e harmonia. A qualquer momento, o desenvolvimento econômico ou a supremacia sobre o mundo podem ser acabados pelos cataclismos da natureza material. Mesmo a elevação a uma situação planetária superior, como atualmente procuram os homens que querem ir ao planeta Lua, também pode acabar com um só golpe. O Bhagavad-gītā confirma isto: kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti. “Quando os resultados das atividades piedosas extinguem-se, aquele que está no auge da felicidade volta a cair à mais baixa condição de vida.” Muitos políticos do mundo sofreram essa queda. Tais quedas acabam sendo mais causas de lamentação.

Portanto, se quisermos subjugar a lamentação para sempre, teremos que nos refugiar em Kṛṣṇa, como Arjuna está tentando fazer. Assim, Arjuna pediu que Kṛṣṇa resolvesse definitivamente seu problema, e este é o método da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

sañjaya uvāca
evam uktvā hṛṣīkeśaṁ
guḍākeśaḥ paran-tapaḥ
na yotsya iti govindam
uktvā tūṣṇīṁ babhūva ha

Sinônimos

sañjayaḥ uvāca — Sañjaya disse; evam — assim; uktvā — falando; hṛṣīkeśam — para Kṛṣṇa, o senhor dos sentidos; guḍākeśaḥ — Arjuna, o mestre em refrear a ignorância; parantapaḥ — o castigador dos inimigos; na yotsye — não lutarei; iti — assim; govindam — a Kṛṣṇa, o que dá prazer aos sentidos; uktvā — dizendo; tūṣṇīm — calado; babhūva — ficou; ha — decerto.

Tradução

Sañjaya disse: Ao falar estas palavras, Arjuna, o castigador dos inimigos, disse a Kṛṣṇa: “Govinda, eu não vou lutar”, e calou-se.

Comentário

Dhṛtarāṣṭra deve ter ficado muito contente ao compreender que Arjuna não iria lutar e estava deixando o campo de batalha em troca da profissão de mendigo. Mas Sañjaya voltou a desapontá-lo, relatando que Arjuna era competente para matar seus inimigos (parantapaḥ). Embora por enquanto estivesse dominado pelo falso pesar devido à afeição familiar, Arjuna aceitou ser um discípulo e rendeu-se a Kṛṣṇa, o mestre espiritual supremo. Isto indica que ele logo ficaria livre da falsa lamentação resultante da afeição familiar e se iluminaria com o conhecimento perfeito da auto-realização, ou consciência de Kṛṣṇa, e então com certeza lutaria. Com isto, a alegria de Dhṛtarāṣṭra seria tolhida, pois Arjuna seria iluminado por Kṛṣṇa e lutaria até o fim.

Texto

tam uvāca hṛṣīkeśaḥ
prahasann iva bhārata
senayor ubhayor madhye
viṣīdantam idaṁ vacaḥ

Sinônimos

tam — a ele; uvāca — disse; hṛṣīkeśaḥ — o senhor dos sentidos, Kṛṣṇa; prahasan — sorrindo; iva — assim; bhārata — ó Dhṛtarāṣṭra, descendente de Bharata; senayoḥ — dos exércitos; ubhayoḥ — de ambos os grupos; madhye — entre; viṣīdantam — ao que se lamentava; idam — as seguintes; vacaḥ — palavras.

Tradução

Ó descendente de Bharata, naquele momento, Kṛṣṇa, no meio dos dois exércitos, sorriu e disse as seguintes palavras ao desconsolado Arjuna.

Comentário

O diálogo transcorria entre amigos íntimos, a saber, o Hṛṣīkeśa e o Guḍākeśa. Como amigos, ambos estavam no mesmo nível, mas um deles voluntariamente tornou-se aluno do outro. Kṛṣṇa sorria porque um amigo escolhera tornar-se discípulo. Como Senhor de tudo, Ele está sempre na posição superior como o mestre de todos, e no entanto o Senhor concorda em ser amigo, filho ou amante do devoto que quer vê-lO desempenhar esse papel. Mas quando foi aceito como mestre, Ele imediatamente assumiu o papel e falou com o discípulo como o mestre — com gravidade, como era preciso. Parece que o diálogo entre o mestre e o discípulo foi travado abertamente diante de ambos os exércitos de modo que todos fossem beneficiados. Logo, as conversas contidas no Bhagavad-gītā não são para qualquer pessoa, sociedade ou comunidade em particular, mas são para todos, e amigos ou inimigos têm o mesmo direito de ouvi-las.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
aśocyān anvaśocas tvaṁ
prajñā-vādāṁś ca bhāṣase
gatāsūn agatāsūṁś ca
nānuśocanti paṇḍitāḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; aśocyān — o que não é digno de lamentação; anvaśocaḥ — está lamentando; tvam — você; prajñā-vādān — conversas eruditas; ca — também; bhāṣase — falando; gata — perdida; asūn — vida; agata — não passada; asūn — vida; ca — também; na — nunca; anuśocanti — lamentam; paṇḍitāḥ — os sábios.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Ao falar palavras cultas, você está lamentando pelo que não é digno de pesar. Sábios são aqueles que não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos.

Comentário

O Senhor logo assumiu a posição de professor e castigou o aluno, chamando-o indiretamente de tolo. O Senhor disse: “Você fala como um homem culto, mas não sabe que quem é instruído — que sabe o que é corpo e o que é alma — não lamenta por nenhum estágio do corpo, quer ele esteja vivo quer morto”. Como será explicado nos capítulos posteriores, ficará bem claro que conhecimento significa saber o que é matéria e espírito e o controlador de ambos. Arjuna argumentou que se deve dar mais importância aos princípios religiosos do que à política ou sociologia, mas ele não sabia que o conhecimento sobre a matéria, a alma e o Supremo é ainda mais importante do que praxes religiosas. E porque lhe faltava esse conhecimento, ele não devia tentar fazer-se passar por um homem muito instruído. Como de fato não era um homem muito erudito, conseqüentemente ele estava lamentando algo que era indigno de lamentação. O corpo nasce e está destinado a perecer hoje ou amanhã; logo, o corpo não é tão importante como a alma. Aquele que sabe disso é realmente culto, e para ele não há motivo para lamentação, qualquer que seja a condição do corpo material.

Texto

na tv evāhaṁ jātu nāsaṁ
na tvaṁ neme janādhipāḥ
na caiva na bhaviṣyāmaḥ
sarve vayam ataḥ param

Sinônimos

na — nunca; tu — mas; eva — decerto; aham — Eu; jātu — em tempo algum; na — não; āsam — existi; na — não; tvam — você; na — não; ime — todos esses; jana-adhipāḥ — reis; na — nunca; ca — também; eva — decerto; na — não; bhaviṣyāmaḥ — existiremos; sarve vayam — todos nós; ataḥ param — no futuro.

Tradução

Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis; e no futuro nenhum de nós deixará de existir.

Comentário

Nos Vedas — no Kaṭha Upaniṣad bem como no Śvetāśvatara Upaniṣad — afirma-se que a Suprema Personalidade de Deus é o mantenedor de inumeráveis entidades vivas, em relação às suas diferentes situações devido ao trabalho individual e à reação ao trabalho. Através de Suas porções plenárias, esta Suprema Personalidade de Deus vive no coração de cada entidade viva. Somente pessoas santas que podem ver tanto interna como externamente o mesmo Senhor Supremo, conseguem de fato alcançar a paz eterna e perfeita.

nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām
eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān
tam ātma-sthaṁ ye ’nupaśyanti dhīrās
teṣāṁ śāntiḥ śāśvatī netareṣām

(Kaṭha Upaniṣad 2.2.13)

A mesma verdade védica transmitida a Arjuna é dada a todas as pessoas no mundo que se fazem passar por muito eruditas, mas que de fato têm apenas um pobre fundo de conhecimento. O Senhor diz claramente que Ele próprio, Arjuna e todos os reis que estão reunidos no campo de batalha são eternamente seres individuais e que o Senhor é eternamente o mantenedor das entidades vivas individuais, tanto na situação condicionada quanto na liberada. A Suprema Personalidade de Deus é a pessoa individual suprema, e Arjuna, o eterno associado do Senhor, e todos os reis ali reunidos são pessoas individuais eternas. Ninguém deve ficar pensando que eles não existiam como indivíduos no passado e que não continuarão sendo pessoas eternas. A individualidade deles existia no passado e ela perdurará ininterrupta no futuro. Portanto, ninguém tem motivo para lamentação.

Nesta passagem, o Senhor Kṛṣṇa, a autoridade suprema, não apóia a teoria māyāvādī segundo a qual após a liberação a alma individual, separada pela cobertura de māyā, ou ilusão, imergirá no Brahman impessoal e perderá sua existência individual. Tampouco é aqui apoiada a teoria de que só pensamos em individualidade no estado condicionado. Aqui, Kṛṣṇa diz claramente que também no futuro a individualidade do Senhor e dos outros, como se confirma nos Upaniṣads, continuará eternamente. Esta afirmação feita por Kṛṣṇa é autorizada porque Kṛṣṇa não é sujeito à ilusão. Se a individualidade não fosse um fato, então Kṛṣṇa não a teria enfatizado tanto — até em relação ao futuro.O māyāvādī talvez argumente que a individualidade de que Kṛṣṇa fala não é espiritual, mas material. Mesmo aceitando o argumento de que a individualidade é material, então, como pode alguém distinguir a individualidade de Kṛṣṇa? Kṛṣṇa menciona Sua individualidade no passado e confirma Sua individualidade no futuro também. Ele confirmou Sua individualidade de muitas maneiras, e ficou provado que o Brahman impessoal é subordinado a Ele. Kṛṣṇa manteve a individualidade espiritual o tempo todo; se Ele é aceito como alma condicionada comum que tem sua própria consciência individual, então Seu Bhagavad-gītā não tem valor algum como escritura autorizada. Um homem comum, que possui todos os quatro defeitos próprios da fragilidade humana, é incapaz de ensinar algo que valha a pena ouvir. O Gītā está acima desse tipo de literatura. Nenhum livro mundano compara-se ao Bhagavad-gītā. Quando se aceita Kṛṣṇa como um homem comum, o Gītā perde toda a importância. O māyāvādī argumenta que a pluralidade mencionada neste verso é convencional e que ela refere-se ao corpo. Mas antes deste verso, já se condena esta concepção corpórea. Após condenar a concepção corpórea das entidades vivas, como seria possível que Kṛṣṇa voltasse a assumir uma postura convencional em relação ao corpo? Portanto, a individualidade é mantida em base espiritual e é assim confirmada por grandes ācāryas como Śrī Rāmānuja e outros. Menciona-se claramente em muitas passagens do Gītā que esta individualidade espiritual é compreendida por aqueles que são devotos do Senhor. Aqueles que têm inveja de Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus não têm um acesso legítimo a esta grande literatura. O processo pelo qual o não-devoto entra em contato com os ensinamentos do Gītā é parecido com a atividade de uma abelha que lambe uma garrafa de mel. Quem não abre a garrafa não pode sentir o sabor do mel. Da mesma forma, o misticismo do Bhagavad-gītā pode ser entendido somente pelos devotos, e nenhuma outra pessoa pode saboreá-lo, como se afirma no Quarto Capítulo deste livro. Tampouco pode o Gītā ser desvendado por pessoas que invejam a própria existência do Senhor. Portanto, a maneira como o māyāvādī explica o Gītā é uma apresentação extremamente desorientadora de toda a verdade. O Senhor Caitanya nos proibiu de ler comentários feitos pelos māyāvādīs e adverte que quem adota este entendimento da filosofia māyāvādī perde toda a capacidade de compreender o verdadeiro mistério do Gītā. Se a individualidade refere-se ao universo empírico, então não há necessidade de o Senhor transmitir Seus ensinamentos. A pluralidade da alma individual e do Senhor é um fato eterno, e é confirmada pelos Vedas como acima mencionado.

Texto

dehino ’smin yathā dehe
kaumāraṁ yauvanaṁ jarā
tathā dehāntara-prāptir
dhīras tatra na muhyati

Sinônimos

dehinaḥ — do corporificado; asmin — neste; yathā — como; dehe — no corpo; kaumāram — infância; yauvanam — juventude; jarā — velhice; tathā — do mesmo modo; deha-antara — de transferência do corpo; prāptiḥ — obtenção; dhīraḥ — o sóbrio; tatra — nisto; na — nunca; muhyati — fica iludido.

Tradução

Assim como a alma encarnada passa seguidamente, neste corpo, da infância à juventude e à velhice, da mesma maneira, a alma passa para um outro corpo após a morte. Uma pessoa sóbria não se confunde com tal mudança.

Comentário

Como toda entidade viva é uma alma individual, cada uma está mudando seu corpo a cada momento, às vezes manifestando-se como criança, às vezes como jovem e às vezes como velho. No entanto, a mesma alma espiritual está lá e não sofre mudança alguma. Finalmente na hora da morte, esta alma individual muda de corpo e transmigra para outro corpo; e como existe a certeza de que no próximo nascimento ela vai ter outro corpo — material ou espiritual — não havia motivo para Arjuna lamentar-se devido à morte, nem de Bhīṣma nem de Droṇa, com os quais ele estava tão preocupado. Ao contrário, devia alegrar-se com o fato de estarem trocando seus corpos velhos por novos, e por conseguinte rejuvenescendo sua energia. Tais mudanças de corpo refletem a variedade de prazer e de sofrimento, conforme as atividades executadas durante vida. Logo, Bhīṣma e Droṇa, sendo almas nobres, com certeza teriam corpos espirituais na próxima vida, ou pelo menos viveriam em corpos celestiais que lhes propiciariam um prazer material superior. Assim, em nenhum dos casos havia motivo de lamentação.

Qualquer homem que tenha perfeito conhecimento da constituição da alma individual, da Superalma e da natureza — material e espiritual — é chamado dhīra, ou um homem muito sóbrio. Tal pessoa jamais se deixa iludir pela mudança de corpos.

A teoria māyāvādī da unidade da alma espiritual não pode ser aceita, baseando-se em que, sendo porção fragmentária, a alma espiritual não pode ser cortada em pedaços. Nesta divisão em diferentes almas individuais, o Supremo Se tornaria partível ou mutável, e isto iria contra o princípio de que a Alma Suprema é imutável. Como se confirma no Gītā, as porções fragmentárias do Supremo existem eternamente (sanātana) e são chamadas kṣara; isto é, elas têm a tendência de cair nesta natureza material. Estas porções são eternamente fragmentárias, e mesmo após a liberação, a alma individual permanece a mesma — fragmentária. Mas ao libertar-se, ela vive com a Personalidade de Deus uma vida eterna em bem-aventurança e conhecimento. A teoria do reflexo pode ser aplicada à Superalma, que está presente em todo e cada corpo individual e é conhecida como Paramātmā. Esta Superalma é diferente da entidade viva individual. Quando o céu está refletido na água, os reflexos representam o Sol, a Lua e as estrelas também. As estrelas podem ser comparadas às entidades vivas, e o Sol ou a Lua, ao Senhor Supremo. A alma espiritual individual fragmentária é representada por Arjuna, e a Alma Suprema é a Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa. Eles não estão no mesmo nível, como ficará evidente no começo do Quarto Capítulo. Se Arjuna está no mesmo nível de Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa não é superior a Arjuna, então esta relação em que um é instrutor e outro é instruído não faz sentido. Se ambos estão iludidos pela energia ilusória (māyā), então não há necessidade de um ser o instrutor e o outro, o instruído. Tal instrução seria inútil porque, nas garras de māyā, ninguém pode ser um instrutor autorizado. Nestas circunstâncias, admite-se que o Senhor Kṛṣṇa é o Senhor Supremo, superior em posição à entidade viva, Arjuna, que é uma alma em esquecimento, iludida por māyā.

Texto

mātrā-sparśās tu kaunteya
śītoṣṇa-sukha-duḥkha-dāḥ
āgamāpāyino ’nityās
tāṁs titikṣasva bhārata

Sinônimos

mātrā-sparśāḥ — percepção sensorial; tu — apenas; kaunteya — ó filho de Kuntī; śīta — inverno; uṣṇa — verão; sukha — felicidade; duḥkha — e dor; dāḥ — dando; āgama — aparecendo; apāyinaḥ — desaparecendo; anityāḥ — não permanentes; tān — todos eles; titikṣasva — apenas tente tolerar; bhārata — ó descendente da dinastia Bharata.

Tradução

Ó filho de Kuntī, o aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar.

Comentário

Na adequada execução do dever, a pessoa tem de aprender a tolerar aparecimentos e desaparecimentos transitórios de felicidade e aflição. Conforme o preceito védico, deve-se tomar banho de madrugada, mesmo durante o mês de māgha (janeiro fevereiro). Faz muito frio nessa época, porém, apesar disso, um homem que acata os princípios religiosos não hesita em tomar seu banho. Da mesma forma, uma mulher não hesita em trabalhar na cozinha nos meses de maio e junho, a parte mais quente da estação do verão. Todos devem executar seu dever apesar das inconveniências climáticas. De modo semelhante, lutar é o princípio religioso dos kṣatriyas, e, embora tenha de lutar com algum amigo ou parente, ele não deve afastar-se de seu dever prescrito. Convém seguir as regras e regulações prescritas nos princípios religiosos para que se possa elevar à plataforma de conhecimento, porque somente pelo conhecimento e pela devoção é que alguém poderá libertar-se das garras de māyā (ilusão).

Os dois nomes diferentes dados a Arjuna são também significativos. Tratá-lo de Kaunteya significa aludir a seus fortes laços consanguíneos por parte de sua mãe; e chamá-lo de Bhārata significa referir-se à sua grandeza por parte do pai. Ele tem uma descendência fantástica de ambos os lados. Uma descendência destas implica responsabilidade na execução dos deveres; portanto, ele não pode evitar a luta.

Texto

yaṁ hi na vyathayanty ete
puruṣaṁ puruṣarṣabha
sama-duḥkha-sukhaṁ dhīraṁ
so ’mṛtatvāya kalpate

Sinônimos

yam — a pessoa para quem; hi — decerto; na — nunca; vyathayanti — são penosas; ete — todas estas coisas; puruṣam — para uma pessoa; puruṣa-ṛṣabha — ó melhor entre os homens; sama — inalterada; duḥkha — em aflição; sukham — e felicidade; dhīram — paciente; saḥ — ela; amṛtatvāya — para a liberação; kalpate — é considerada qualificada.

Tradução

Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificada para a liberação.

Comentário

Qualquer um que fique firme em sua determinação de chegar à fase da compreensão espiritual avançada e consiga ter a mesma tolerância nas investidas da aflição e da felicidade, na certa é qualificado para a liberação. Na instituição varṇāśrama, a quarta fase da vida que é a ordem renunciada (sannyāsa), é uma situação delicada. Mas alguém que leve a sério tornar sua vida perfeita com certeza adotará a ordem de vida sannyāsa apesar de todas as dificuldades. De um modo geral, as dificuldades são decorrentes do fato de se ter de romper as relações familiares, de abandonar a ligação com esposa e filhos. Mas se alguém for capaz de tolerar estas dificuldades, seguramente seu caminho para a realização espiritual estará completo. Da mesma forma, no desempenho de seus deveres como kṣatriya, Arjuna é aconselhado a perseverar, mesmo que lhe seja difícil lutar com membros de sua família ou com pessoas igualmente amadas. O Senhor Caitanya aceitou sannyāsa com vinte e quatro anos de idade, e Seus dependentes, uma esposa jovem e uma mãe idosa, não dispunham de ninguém mais que cuidasse delas. No entanto, em prol de uma causa superior, Ele tomou sannyāsa e foi firme no desempenho dos deveres mais elevados. Este é o modo de libertar-se do cativeiro material.

Texto

nāsato vidyate bhāvo
nābhāvo vidyate sataḥ
ubhayor api dṛṣṭo ’ntas
tv anayos tattva-darśibhiḥ

Sinônimos

na — nunca; asataḥ — do inexistente; vidyate — há; bhāvaḥ — duração; na — nunca; abhāvaḥ — qualidade de mudar; vidyate — há; sataḥ — do eterno; ubhayoḥ — dos dois; api — verdadeiramente; dṛṣṭaḥ — observada; antaḥ — conclusão; tu — realmente; anayoḥ — deles; tattva — da verdade; darśibhiḥ — pelos videntes.

Tradução

Aqueles que são videntes da verdade concluíram que não há continuidade para o inexistente [o corpo material] e que não há interrupção para o existente [a alma]. Eles concluíram isto estudando a natureza de ambos.

Comentário

O corpo mutável não perdura. A ciência médica moderna admite que o corpo está mudando a cada momento através das ações e reações das diferentes células; e assim ocorrem o crescimento e a velhice no corpo. Mas a alma espiritual tem existência perene, e não sofre transformações apesar de todas as mudanças por que passam o corpo e a mente. Esta é a diferença entre a matéria e o espírito. Por natureza, o corpo está sempre mudando, e a alma é eterna. Esta conclusão é estabelecida por todas as classes de videntes da verdade, tanto impersonalistas quanto personalistas. No Viṣṇu-Purāṇa (2.12.38), declara-se que Viṣṇu e Suas moradas, todos têm uma existência espiritual auto-iluminada (jyotīṁṣi viṣṇur bhuvanāni viṣṇuḥ). As palavras existente e não-existente referem-se somente a espírito e matéria. Esta é a versão de todos os videntes da verdade.

Este é o início da instrução do Senhor às entidades vivas que estão perplexas devido à influência da ignorância. A remoção da ignorância envolve o restabelecimento da relação eterna entre o adorador e o adorável e a conseqüente compreensão da diferença entre as entidades vivas que são partes integrantes e a Suprema Personalidade de Deus. A pessoa pode compreender a natureza do Supremo pelo estudo completo de si próprio, e a diferença entre ela e o Supremo é compreendida em termos da relação entre a parte e o todo. Nos Vedānta-sūtras, bem como no Śrīmad-Bhāgavatam, o Supremo é aceito como a origem de todas as emanações. Tais emanações são experimentadas por seqüências naturais superiores e inferiores. As entidades vivas pertencem à natureza superior, como será revelado no Sétimo Capítulo. Embora não haja diferença entre a energia e o energético, o energético é aceito como o Supremo, e a energia, ou a natureza, é aceita como subordinada. Os seres vivos, portanto, são sempre subordinados ao Senhor Supremo, como acontece no caso do amo e do servo, ou do mestre e do discípulo. Tal conhecimento claro é impossível de compreender sob o encanto da ignorância e para exterminar tal ignorância o Senhor ensina o Bhagavad-gītā para a iluminação de todas as entidades vivas em qualquer época.

Texto

avināśi tu tad viddhi
yena sarvam idaṁ tatam
vināśam avyayasyāsya
na kaścit kartum arhati

Sinônimos

avināśi — imperecível; tu — mas; tat — aquele; viddhi — sabe; yena — pelo qual; sarvam — todo o corpo; idam — este; tatam — penetrado; vināśam — destruição; avyayasya — do imperecível; asya — dele; na kaścit — ninguém; kartum — de fazer; arhati — é capaz.

Tradução

Saiba que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível.

Comentário

Este verso dá uma explicação mais clara da verdadeira natureza da alma, que se espalha por todo o corpo. Qualquer pessoa pode compreender que o que se espalha por todo o corpo é a consciência. Todos têm consciência parcial ou completa das dores e prazeres do corpo. Esta difusão de consciência limita-se ao próprio corpo. As dores e prazeres que um corpo sente são desconhecidos de outro. Portanto, cada corpo é a encarnação de uma alma individual, e o sintoma da presença da alma é percebido como consciência individual. Esta alma é descrita como do tamanho de uma décima milésima parte da porção superior da ponta de um fio de cabelo. O Śvetāśvatara Upaniṣad (5.9) confirma isto:

bālāgra-śata-bhāgasya
śatadhā kalpitasya ca
bhāgo jīvaḥ sa vijñeyaḥ
sa cānantyāya kalpate

“Quando a ponta superior de um fio de cabelo é dividida em cem partes e cada uma destas partes volta a ser dividida em cem partes, cada uma destas partes é a medida da dimensão da alma espiritual.” Similarmente, a mesma versão é descrita no Śrīmad-Bhāgavatam (10.87.26):

keśāgra-śata-bhāgasya
śatāṁśaḥ sādṛśātmakaḥ
jīvaḥ sūkṣma-svarūpo ’yaṁ
saṅkhyātīto hi cit-kaṇaḥ

“Existem inúmeras partículas de átomos espirituais, cada um dos quais mede um décimo de milésimo da porção superior de um fio de cabelo.”

Portanto, a partícula individual da alma espiritual é um átomo espiritual menor que os átomos materiais, e tais átomos são inumeráveis. Esta pequeníssima centelha espiritual é o princípio básico do corpo material, e a influência desta centelha espiritual se faz sentir por todo o corpo assim como a influência do princípio ativo de algum remédio espalha-se por todo o corpo. A energia corrente da alma espiritual é sentida em todo o corpo como consciência, e esta é a prova da presença da alma. Qualquer leigo pode entender que, sem consciência, o corpo material é um corpo morto, e esta consciência não pode ser revivida no corpo por nenhum método material. Logo, a consciência existe não devido a qualquer quantidade de combinação material, mas sim devido à alma espiritual. O Muṇḍaka Upaniṣad (3.1.9) explica ainda mais a medida da alma espiritual atômica:

eṣo ’ṇur ātmā cetasā veditavyo
yasmin prāṇaḥ pañcadhā saṁviveśa
prāṇaiś cittaṁ sarvam otaṁ prajānāṁ
yasmin viśuddhe vibhavaty eṣa ātmā

“A alma é atômica em tamanho e pode ser percebida pela inteligência perfeita. Essa alma atômica flutua nas cinco espécies de ar (prāṇa, apāna, vyāna, samāna e udāna), está situada dentro do coração, e exerce sua influência pelo corpo todo das entidades vivas encarnadas. Quando a alma se purifica da contaminação dos cinco tipos de ar material, sua influência espiritual manifesta-se.”

Através de diferentes posturas sentadas, o sistema de haṭha-yoga destina-se a controlar os cinco tipos de ar que circundam a alma pura — não em troca de algum lucro material, mas para que a alma diminuta liberte-se do enredamento da atmosfera material.

Logo, a constituição da alma atômica é admitida em todos os textos védicos, e é também de fato sentida na experiência prática de qualquer homem são. Só um homem insano pode pensar que essa alma atômica é o viṣṇu-tattva onipenetrante.

A influência da alma atômica pode espalhar-se por todo um corpo específico. Segundo o Muṇḍaka Upaniṣad, esta alma atômica está situada no coração de cada ser vivo, e porque a medida da alma atômica está além do poder comprobatório de que os cientistas materiais são dotados, alguns deles declaram tolamente que a alma não existe. A alma atômica individual está precisamente lá no coração junto com a Superalma, e por isso todas as energias de movimento corpóreo emanam dessa parte do corpo. Os corpúsculos que transportam o oxigênio dos pulmões obtêm energia da alma. Quando a alma abandona esta posição, a atividade do sangue, gerar fusão, cessa. A ciência médica aceita a importância dos glóbulos vermelhos, mas não consegue comprovar que a fonte da energia é a alma. A ciência médica, entretanto, admite que o coração é a sede de todas as energias do corpo.

Tais partículas atômicas do espírito total são comparadas às moléculas do brilho do sol. No brilho do sol, há inúmeras moléculas radiantes. De modo semelhante, as partes fragmentárias do Senhor Supremo são centelhas atômicas dos raios do Senhor Supremo, chamadas prabhā, ou energia superior. Logo, quer alguém siga o conhecimento védico, quer siga a ciência moderna, ele não pode negar que a alma espiritual existe no corpo, e a própria Personalidade de Deus descreve explicitamente a ciência da alma no Bhagavad-gītā.

Texto

antavanta ime dehā
nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ
anāśino ’prameyasya
tasmād yudhyasva bhārata

Sinônimos

anta-vantaḥ — perecíveis; ime — todos estes; dehāḥ — corpos materiais; nityasya — eterna em existência; uktāḥ — são ditos; śarīriṇaḥ — da alma corporificada; anāśinaḥ — que nunca será destruída; aprameyasya — imensurável; tasmāt — portanto; yudhyasva — lute; bhārata — ó descendente de Bharata.

Tradução

O corpo material da entidade viva indestrutível, imensurável e eterna decerto chegará ao fim; portanto, lute, ó descendente de Bharata.

Comentário

Por natureza, o corpo material é perecível. Pode perecer imediatamente, ou isso pode acontecer após uma centena de anos. É apenas uma questão de tempo. Não há possibilidade de mantê-lo indefinidamente. Mas a alma espiritual é tão diminuta que não pode nem mesmo ser vista pelo inimigo, e muito menos pode ela ser morta. Como foi mencionado no verso anterior, ela é tão pequena que ninguém tem uma idéia de como medir sua dimensão. Assim, de ambos os pontos de vista não há motivo para lamentação, porque a entidade viva como ela é não pode ser morta, nem pode o corpo material perdurar após certo tempo ou ser permanentemente protegido. A partícula diminuta do espírito total adquire este corpo material conforme suas atividades, e portanto deve-se observar a prática dos princípios religiosos. Nos Vedānta-sūtras, a entidade viva é qualificada como luz porque é parte integrante da luz suprema. Assim como a luz do sol mantém o Universo inteiro, a luz da alma mantém este corpo material. Logo que a alma espiritual sai deste corpo material, o corpo começa a decompor-se; portanto, é a alma espiritual que mantém este corpo. Em si, o corpo não tem importância. Arjuna foi aconselhado a lutar e a não sacrificar a causa da religião em favor de considerações corpóreas materiais.

Texto

ya enaṁ vetti hantāraṁ
yaś cainaṁ manyate hatam
ubhau tau na vijānīto
nāyaṁ hanti na hanyate

Sinônimos

yaḥ — qualquer um que; enam — este; vetti — sabe; hantāram — o matador; yaḥ — qualquer um que; ca — também; enam — este; manyate — pensa; hatam — morto; ubhau — ambos; tau — eles; na — nunca; vijānītaḥ — estão em conhecimento; na — nunca; ayam — este; hanti — mata; na — nem; hanyate — é morto.

Tradução

Aquele que pensa que a entidade viva é o matador e aquele que pensa que ela é morta não estão em conhecimento, pois o eu não mata nem é morto.

Comentário

Quando um ser encarnado é golpeado por armas fatais, convém saber que este ser dentro do corpo não é morto. A alma espiritual é tão pequena que é impossível matá-la com alguma arma material, como ficará evidente nos versos posteriores. E devido à sua constituição espiritual, a entidade viva não pode ser morta. O que é morto, ou supõe-se que seja morto, é apenas o corpo. Entretanto, isto não significa que se deve matar o corpo. O preceito védico é mā hiṁsyāt sarvā bhūtāni: jamais cometas violência contra alguém. Tampouco o fato de alguém compreender que a entidade viva não é morta significa que ele possa sair por aí a matar animais. Matar o corpo de alguém sem autorização é abominável e é punível pela lei do Estado e pela lei do Senhor. Todavia, Arjuna vai ocupar-se em matar pelo princípio da religião, e não por capricho.

Texto

na jāyate mriyate vā kadācin
nāyaṁ bhūtvā bhavitā vā na bhūyaḥ
ajo nityaḥ śāśvato ’yaṁ purāṇo
na hanyate hanyamāne śarīre

Sinônimos

na — nunca; jāyate — nasce; mriyate — morre; — ou; kadācit — em tempo algum (passado, presente ou futuro); na — nunca; ayam — este; bhūtvā — tendo vindo a existir; bhavitā — virá a ser; — ou; na — não; bhūyaḥ — ou está de novo vindo a ser; ajaḥ — não nascido; nityaḥ — eterno; śāśvataḥ — permanente; ayam — este; purāṇaḥ — o mais velho; na — nunca; hanyate — é morto; hanyamāne — sendo morto; śarīre — o corpo.

Tradução

Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre-existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre.

Comentário

Qualitativamente, a pequena parte atômica fragmentária do Espírito Supremo é una com o Supremo. Ao contrário do que se passa com o corpo, ela não sofre mudanças. Às vezes, a alma é chamada estável, ou kūṭa-stha. O corpo está sujeito a seis tipos de transformações. Ele nasce do ventre do corpo da mãe, permanece por algum tempo, cresce, produz alguns efeitos, definha gradualmente, e acaba caindo no esquecimento. A alma, entretanto, não passa por essas mudanças. A alma não nasce, porém, como aceita um corpo material, o corpo nasce. A alma não nasce nesta ocasião, e a alma não morre. Tudo o que nasce também morre. E porque não tem nascimento, a alma, portanto, não tem passado, presente ou futuro. Ela é eterna, sempre-existente e primordial — isto é, não há na história indício de quando foi que ela veio a existir. Com base no corpo, buscamos a história do nascimento, etc., da alma. Ao contrário do corpo, a alma jamais fica velha. É por isso que os assim chamados anciãos sentem que existem com o mesmo alento de sua infância ou juventude. As mudanças do corpo não afetam a alma. A alma não se deteriora como uma árvore, ou alguma entidade material. Tampouco tem a alma algum subproduto. Os subprodutos do corpo, a saber, os filhos, são também almas individuais diferentes, que, devido ao corpo, aparecem como filhos de um homem em particular. O corpo se desenvolve devido à presença da alma, mas a alma não tem ramificações nem sofre mudanças. Portanto, a alma está livre das seis mudanças corpóreas.

No Kaṭha Upaniṣad (1.2.18), também encontramos uma passagem semelhante, que diz:

na jāyate mriyate vā vipaścin
nāyaṁ kutaścin na babhūva kaścit
ajo nityaḥ śāśvato ’yaṁ purāṇo
na hanyate hanyamāne śarīre

O teor e significado deste verso e desta passagem do Bhagavad-gītā são os mesmos, mas aqui neste verso há uma palavra especial, vipaścit, que significa erudito ou conhecedor.

A alma é cheia de conhecimento, ou sempre cheia de consciência. Logo, consciência é sintoma da alma. Mesmo que alguém não encontre a alma dentro do coração, onde ela está situada, ainda assim, ele pode se dar conta da presença da alma pela simples presença da consciência. Às vezes, devido às nuvens ou por alguma outra razão, não vemos o Sol no céu, mas sempre há alguma claridade, e portanto temos a convicção de que é dia. Logo que há uma réstia de luz no céu de manhã cedo, podemos compreender que o Sol está no céu. Similarmente, encontramos consciência em todos os corpos — seja homem, ou animal — e assim podemos entender a presença da alma. Esta consciência da alma é, porém, diferente da consciência do Supremo porque a consciência suprema conhece tudo— passado, presente e futuro. A alma individual tende a esquecer-se da sua situação espiritual. Ao esquecer-se de sua verdadeira natureza, ela obtém instrução e iluminação nas lições superiores de Kṛṣṇa. Mas Kṛṣṇa não é como a alma que vive no esquecimento. Se Ele fosse assim, os ensinamentos que Kṛṣṇa transmitiu no Bhagavad-gītā seriam inúteis.

Há duas espécies de almas — a saber, a alma sob a forma de partícula diminuta (aṇu-ātmā) e a Superalma (vibhu-ātmā). O Kaṭha Upaniṣad (1.2.20) também confirma isto da seguinte maneira:

aṇor aṇīyān mahato mahīyān
ātmāsya jantor nihito guhāyām
tam akratuḥ paśyati vīta-śoko
dhātuḥ prasādān mahimānam ātmanaḥ

“Tanto a Superalma [Paramātmā] quanto a alma atômica [jīvātmā], situadas na mesma árvore do corpo, estão dentro do mesmo coração da entidade viva, e somente alguém que esteja livre de todos os desejos e lamentações materiais pode, pela graça do Supremo, compreender as glórias da alma.” Kṛṣṇa também é a fonte da Superalma, como se verá nos capítulos seguintes, e Arjuna é a alma atômica, que se esqueceu de sua verdadeira natureza; portanto, ele precisa ser iluminado por Kṛṣṇa, ou por Seu representante autêntico (o mestre espiritual).

Texto

vedāvināśinaṁ nityaṁ
ya enam ajam avyayam
kathaṁ sa puruṣaḥ pārtha
kaṁ ghātayati hanti kam

Sinônimos

veda — ele sabe; avināśinam — indestrutível; nityam — sempre existente; yaḥ — aquele que; enam — esta (alma); ajam — não nascida; avyayam — imutável; katham — como; saḥ — aquela; puruṣaḥ — pessoa; pārtha — ó Pārtha (Arjuna); kam — a quem; ghātayati — faz matar; hanti — mata; kam — a quem.

Tradução

Ó Pārtha, como pode uma pessoa que sabe que a alma é indestrutível, eterna, não nascida e imutável matar alguém ou fazer com que alguém mate?

Comentário

Tudo tem sua devida utilidade, e um homem que está situado em conhecimento completo sabe como e onde utilizar algo devidamente. Do mesmo modo, a violência também tem sua utilidade, e a maneira correta de usá-la cabe à pessoa em conhecimento. Embora o juiz dê a pena capital a uma pessoa condenada por homicídio, ele não pode ser censurado, porque é de acordo com os códigos de justiça que ele decreta violência contra esta pessoa. No Manu-saṁhitā, o livro de leis da humanidade, sustenta-se que um assassino deve ser condenado à morte para que em sua próxima vida não precise pagar com sofrimento o grande pecado que cometeu. Portanto, o fato de o rei condenar um assassino à forca é na verdade benéfico. De modo semelhante, quando Kṛṣṇa dá a ordem para lutar, deve-se concluir que a violência é em prol da justiça suprema, e por isso Arjuna deve seguir a instrução, sabendo muito bem que tal violência, cometida enquanto se luta por Kṛṣṇa, não é absolutamente violência porque, de qualquer maneira, o homem, ou melhor, a alma, não pode ser morta; assim, para a administração da justiça, permite-se a assim chamada violência. Uma operação cirúrgica não se destina a matar o paciente, mas a curá-lo. Portanto, Arjuna irá empreender sob a instrução de Kṛṣṇa uma luta em pleno conhecimento, e por isso não há possibilidade de reação pecaminosa.

Texto

vāsāṁsi jīrṇāni yathā vihāya
navāni gṛhṇāti naro ’parāṇi
tathā śarīrāṇi vihāya jīrṇāny
anyāni saṁyāti navāni dehī

Sinônimos

vāsāṁsi — roupas; jīrṇāni — antigas e gastas; yathā — assim como; vihāya — abandonando; navāni — roupas novas; gṛhṇāti — aceita; naraḥ — um homem; aparāṇi — outras; tathā — da mesma forma; śarīrāṇi — corpos; vihāya — abandonando; jīrṇāni — velhos e inúteis; anyāni — diferentes; saṁyāti — aceita verdadeiramente; navāni — novos conjuntos; dehī — o corporificado.

Tradução

Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos
e inúteis.

Comentário

A troca de corpo pela alma individual atômica é um fato aceito. Mesmo os cientistas modernos que não acreditam na existência da alma, mas que também não podem explicar de onde vem a energia que brota do coração, devem aceitar as contínuas mudanças a que o corpo se submete, passando da infância à adolescência e da adolescência à fase adulta e então da fase adulta à velhice. Da velhice, a mudança se transfere a outro corpo. Isto já foi explicado num verso anterior (2.13).

A transferência da alma individual atômica para outro corpo torna-se possível pela graça da Superalma. A Superalma satisfaz o desejo da alma atômica como um amigo satisfaz o desejo de outro. Os Vedas, como o Muṇḍaka Upaniṣad e o Śvetāśvatara Upaniṣad, comparam a alma e a Superalma a dois pássaros amigos pousados na mesma árvore. Um dos pássaros (a alma individual atômica) está comendo o fruto da árvore, e o outro pássaro (Kṛṣṇa) está apenas observando Seu amigo. Entre estes dois pássaros — mesmo sendo eles iguais em qualidade — um está cativado pelos frutos da árvore material, enquanto o outro está apenas presenciando as atividades de Seu amigo. Kṛṣṇa é o pássaro testemunha, e Arjuna é o pássaro que come. Embora sejam amigos, um é o senhor e o outro, o servo. O fato de a alma atômica esquecer-se desta relação é a causa da sua mudança de posição de uma árvore para outra, ou de um corpo para outro. A alma jīva está lutando mui arduamente na árvore do corpo material, mas logo que concorda em aceitar o outro pássaro como o mestre espiritual supremo — tomando assim, a mesma atitude de Arjuna que se rendeu voluntariamente a Kṛṣṇa para receber Suas instruções — o pássaro subordinado imediatamente livra-se de todas as lamentações. Tanto o Muṇḍaka Upaniṣad (3.1.2) quanto o Śvetāśvatara Upaniṣad (4.7) confirmam isto:

samāne vṛkṣe puruṣo nimagno
’nīśayā śocati muhyamānaḥ
juṣṭaṁ yadā paśyaty anyam īśam
asya mahimānam iti vīta-śokaḥ

“Embora os dois pássaros estejam na mesma árvore, o pássaro que come, sendo o desfrutador dos frutos da árvore, está mergulhado em completa ansiedade e melancolia. Mas se acontecer de ele fixar-se no rosto de seu amigo, o Senhor, e conhecer Suas glórias — imediatamente o pássaro aflito ficará livre de todas as ansiedades.” Arjuna agora virou a face na direção de seu amigo eterno, Kṛṣṇa, e assim passou a compreender o Bhagavad-gītā. E ao ouvir de Kṛṣṇa, ele pôde compreender as supremas glórias do Senhor e livrar-se da lamentação.

Nesta passagem, o Senhor aconselha Arjuna a não lamentar a mudança corpórea de seu avô idoso e de seu mestre. Pelo contrário, ele devia sentir-se feliz de matar seus corpos na luta justa de modo que eles pudessem ficar imediatamente expurgados de todas as reações de várias atividades corpóreas. Aquele que dá sua vida no altar do sacrifício, ou no próprio campo de batalha, fica imediatamente isento de reações corpóreas e é promovido a uma situação de vida superior. Logo, para Arjuna não havia motivo para lamentação.

Texto

nainaṁ chindanti śastrāṇi
nainaṁ dahati pāvakaḥ
na cainaṁ kledayanty āpo
na śoṣayati mārutaḥ

Sinônimos

na — nunca; enam — esta alma; chindanti — podem cortar em pedaços; śastrāṇi — armas; na — nunca; enam — esta alma; dahati — queima; pāvakaḥ — o fogo; na — nunca; ca — também; enam — esta alma; kledayanti — umedece; āpaḥ — a água; na — nunca; śoṣayati — seca; mārutaḥ — o vento.

Tradução

A alma nunca pode ser cortada em pedaços por arma alguma, nem pode ser queimada pelo fogo, ou umedecida pela água ou definhada pelo vento.

Comentário

Todos os tipos de armas — espadas, armas incandecentes, armas pluviais, armas na forma de tornados, etc. — são incapazes de matar a alma espiritual. Além das armas modernas de fogo, parece que havia muitos tipos de armas feitas de terra, água, ar, éter, etc. Mesmo as armas nucleares da idade moderna são classificadas como armas de fogo, mas antigamente havia outras armas feitas dos diferentes tipos de elementos materiais. As armas de fogo eram neutralizadas por armas de água, que atualmente são desconhecidas da ciência moderna. Tampouco os cientistas modernos conhecem as armas do tipo tornado. Entretanto, quaisquer que sejam os dispositivos científicos, a alma nunca pode ser cortada em pedaços, nem aniquilada por armas, mesmo que utilizadas em grande quantidade.

Os māyāvādīs não podem explicar como a alma individual veio a existir simplesmente por ignorância e em conseqüência foi coberta pela energia ilusória. Nem jamais foi possível separar as almas individuais da Alma Suprema original; ao contrário, as almas individuais são eternamente partes separadas da Alma Suprema. Por serem eternamente (sanātana) almas individuais atômicas, elas são propensas a ficarem cobertas pela energia ilusória, afastando-se da companhia do Senhor Supremo, assim como as centelhas do fogo, que apesar de terem a mesma qualidade do fogo, tendem a apagar-se quando fora do fogo. No Varāha Purāṇa, as entidades vivas são descritas como partes integrantes do Supremo, de quem estão separadas. E segundo o Bhagavad-gītā, elas se mantêm nessa posição eternamente. Logo, mesmo após livrar-se da ilusão, o ser vivo permanece uma entidade separada, como fica evidente nos ensinamentos que o Senhor transmite a Arjuna. Por intermédio do conhecimento que recebeu de Kṛṣṇa, Arjuna libertou-se, mas ele nunca se tornou uno com Kṛṣṇa.

Texto

acchedyo ’yam adāhyo ’yam
akledyo ’śoṣya eva ca
nityaḥ sarva-gataḥ sthāṇur
acalo ’yaṁ sanātanaḥ

Sinônimos

acchedyaḥ — inquebrável; ayam — esta alma; adāhyaḥ — incombustível; ayam — esta alma; akledyaḥ — insolúvel; aśoṣyah — que não se pode secar; eva — decerto; ca — e; nityaḥ — perpétua; sarva-gataḥ — onipenetrante; sthāṇuḥ — imutável; acalaḥ — imóvel; ayam — esta alma; sanātanaḥ — eternamente a mesma.

Tradução

Esta alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não pode ser queimada nem seca. Ela é permanente, está presente em toda a parte, é imutável, imóvel e eternamente a mesma.

Comentário

Todas essas qualificações da alma atômica são prova categórica de que a alma individual é eternamente uma partícula atômica do espírito total, e permanece eternamente o mesmo átomo imutável. É muito difícil conciliar a teoria do monismo com este conceito, porque nunca se espera que a alma individual se torne una homogeneamente. Após libertar-se da contaminação material, a alma atômica talvez prefira continuar como centelha espiritual nos raios refulgentes da Suprema Personalidade de Deus, mas as almas inteligentes ingressam nos planetas espirituais para associar-se com a Personalidade de Deus.

A palavra sarva-gata (“onipenetrante”) é significativa, pois não há dúvida de que as entidades vivas estão em toda a criação de Deus. Elas vivem na terra, na água, no ar, dentro da terra e até dentro do fogo. A crença de que o fogo as destrói não é aceitável, pois aqui se afirma claramente que a alma não pode ser queimada pelo fogo. Portanto, não há dúvida de que no planeta Sol também existam entidades vivas com corpos adequados para viver lá. Se o globo solar é desabitado, então a palavra sarva-gata — “que vive em toda a parte”— torna-se sem sentido.

Texto

avyakto ’yam acintyo ’yam
avikāryo ’yam ucyate
tasmād evaṁ viditvainaṁ
nānuśocitum arhasi

Sinônimos

avyaktaḥ — invisível; ayam — esta alma; acintyaḥ — inconcebível; ayam — esta alma; avikāryaḥ — imutável; ayam — esta alma; ucyate — está dito; tasmāt — portanto; evam — assim; viditvā — sabendo-o bem; enam — esta alma; na — não; anuśocitum — lamentar; arhasi — você merece.

Tradução

Diz-se que a alma é invisível, inconcebível e imutável. Sabendo disto, você não deve se afligir por causa do corpo.

Comentário

Como se descreveu anteriormente, a dimensão da alma é tão pequena para nosso cálculo material que ela não pode ser vista nem mesmo pelo mais poderoso microscópio; portanto, ela é invisível. Quanto à existência da alma, ninguém pode provar sua existência experimentalmente, além da prova do śruti, ou a sabedoria védica. Temos de aceitar esta verdade, porque não há outra fonte que nos leve a entender a existência da alma, embora este fato seja de fácil percepção. Há muitas coisas que temos de aceitar baseados unicamente na autoridade superior. Baseada na autoridade de sua mãe, a pessoa não pode negar a existência de seu pai. Não há outro processo para alguém compreender a identidade do seu pai, exceto aceitando a autoridade da mãe. De modo semelhante, não há fonte para compreender a alma exceto pelo estudo dos Vedas. Em outras palavras, a alma é inconcebível para o conhecimento experimental humano. A alma é consciência e consciente — esta afirmação também é dos Vedas, e temos que aceitar isto. Ao contrário do que acontece ao corpo, a alma não muda. Em sua condição eternamente imutável, a alma permanece atômica em comparação com a Alma Suprema infinita. A Alma Suprema é infinita, e a alma atômica é infinitesimal. Portanto, a alma infinitesimal, sendo imutável, nunca pode se tornar igual à alma infinita, ou a Suprema Personalidade de Deus. Este conceito é repetido nos Vedas de diferentes maneiras apenas para confirmar a estabilidade da concepção da alma. A repetição de algo é necessária para que compreendamos o assunto por completo e sem erros.

Texto

atha cainaṁ nitya-jātaṁ
nityaṁ vā manyase mṛtam
tathāpi tvaṁ mahā-bāho
nainaṁ śocitum arhasi

Sinônimos

atha — se, porém; ca — também; enam — esta alma; nitya-jātam — sempre nascida; nityam — para sempre; — ou; manyase — pensa assim; mṛtam — morta; tathā api — mesmo assim; tvam — você; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; na — nunca; enam — a alma; śocitum — lamentar; arhasi — merece.

Tradução

Se, no entanto, você pensa que a alma [ou os sintomas de vida] sempre nasce e morre para sempre, ainda assim, voce não tem razão para lamentar, ó pessoa de braços poderosos.

Comentário

Existe sempre uma classe de filósofos, muito parecida com os budistas, que não acredita que a alma possa existir separada do corpo. Quando o Senhor Kṛṣṇa falou o Bhagavad-gītā, parece que esses filósofos existiam, e eles eram conhecidos como lokāyatikas e vaibhāṣikas. Esses filósofos sustentam que os sintomas de vida ocorrem quando a combinação material atinge certa maturidade. O cientista materialista moderno e os filósofos materialistas também têm esse mesmo pensamento. Segundo eles, o corpo é uma combinação de elementos físicos, e a certa altura os sintomas de vida desenvolvem-se através da interação dos elementos físicos e químicos. A ciência antropológica baseia-se nessa filosofia. Atualmente, muitas pseudo-religiões — que agora viraram moda nos Estados Unidos — também estão aderindo a essa filosofia, bem como às seitas budistas niilistas não-devocionais.

Mesmo que Arjuna não acreditasse na existência da alma — como na filosofia vaibhāṣika —, não havia motivo para lamentação. Ninguém lamenta a perda de determinada quantidade de substâncias químicas e pára de cumprir seu dever prescrito. Por outro lado, na ciência moderna e na atividade bélica científica, gastam-se tantas toneladas de produtos químicos para conseguir a vitória sobre o inimigo. Segundo a filosofia vaibhāṣika, a presumível alma ou ātmā desaparece quando se dá a deterioração do corpo. Logo, em qualquer caso, quer aceitasse a conclusão védica segundo a qual existe uma alma atômica, quer não acreditasse na existência da alma, Arjuna não tinha razão para lamentar-se. Segundo essa teoria, já que existem tantas entidades vivas sendo geradas da matéria a cada momento, e tantas delas estão perecendo a cada momento, não é preciso ficar atormentado com esses incidentes. Se não houvesse o renascimento da alma, Arjuna não teria razão para temer as reações pecaminosas decorrentes do fato de ele matar seu avô e seu mestre. Mas ao mesmo tempo, Kṛṣṇa sarcasticamente chama Arjuna de mahā-bāhu, pessoa de braços poderosos, porque, de Sua parte, Ele não aceitava a teoria dos vaibhāṣikas, que rejeita a sabedoria védica. Como kṣatriya, Arjuna pertencia à cultura védica, e a ele convinha continuar seguindo-lhe os princípios.

Texto

jātasya hi dhruvo mṛtyur
dhruvaṁ janma mṛtasya ca
tasmād aparihārye ’rthe
na tvaṁ śocitum arhasi

Sinônimos

jātasya — daquele que nasceu; hi — decerto; dhruvaḥ — um fato; mṛtyuḥ — morte; dhruvam — também é um fato; janma — nascimento; mṛtasya — do morto; ca — também; tasmāt — portanto; aparihārye — daquilo que é inevitável; arthe — na questão; na — não; tvam — você; śocitum — lamentar; arhasi — merece.

Tradução

Para aquele que nasce a morte é certa, e após a morte ele voltará a nascer. Portanto, no inevitável cumprimento de seu dever, você não deve se lamentar.

Comentário

As atividades executadas em vida determinarão o próximo nascimento. Assim, após terminar um período de atividades, a pessoa morre, e em seguida nasce para recomeçar suas atividades. Ela assim vai passando por ciclos consecutivos de nascimentos e mortes, sem alcançar a liberação. Este ciclo de nascimentos e mortes não apóia a prática do homicídio, massacre e guerra desnecessários. Mas ao mesmo tempo, a violência e a guerra são fatores inevitáveis para manter a lei e a ordem na sociedade humana.

A Batalha de Kurukṣetra, sendo a vontade do Supremo, era um evento inevitável, e é dever do kṣatriya lutar pela causa justa. Por que deveria ele amedrontar-se ou afligir-se com a morte de seus parentes, já que estava cumprindo seu verdadeiro dever? Não lhe convinha infringir a lei, pois com isso iria se sujeitar às reações dos atos pecaminosos, dos quais tinha tanto medo. Evitando o cumprimento de seu verdadeiro dever, ele não seria capaz de deter a morte de seus parentes, e se degradaria por escolher a maneira errada de agir.

Texto

avyaktādīni bhūtāni
vyakta-madhyāni bhārata
avyakta-nidhanāny eva
tatra kā paridevanā

Sinônimos

avyakta-ādīni — imanifestos no começo; bhūtāni — todos os que são criados; vyakta — manifestos; madhyāni — no meio; bhārata — ó descendente de Bharata; avyakta — imanifestos; nidhanāni — quando destruídos; eva — é tudo assim; tatra — portanto; — que; paridevanā — lamentação.

Tradução

Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no seu estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então, qual a necessidade de lamentação?

Comentário

Aceitando que existam duas classes de filósofos, uma que acredita na existência da alma e outra que não acredita na existência da alma, em nenhum caso justifica-se o fato de alguém ficar lamentando-se. Os que não acreditam na existência da alma são chamados de ateus pelos seguidores da filosofia védica. Mas mesmo que, à guisa de argumento, aceitemos esta teoria ateística, continuaria não havendo motivo para lamentação. Mesmo que não levemos em conta a existência separada da alma, os elementos materiais permanecem imanifestos antes da criação. Deste estado sutil, da não-manifestação, surge a manifestação, assim como do éter gera-se o ar; do ar, gera-se o fogo; do fogo, a água; e da água, a terra. Da terra, ocorrem muitas variedades de manifestações. Tomemos, por exemplo, um grande arranha-céu manifestado da terra. Quando ele é demolido, a manifestação volta a ser imanifesta e na etapa final permanece como átomos. Prevalece a lei da conservação de energia, mas no decorrer do tempo as coisas são manifestas ou imanifestas — esta é a diferença. Então, que motivo há para lamentação quer na fase de manifestação, quer na de não-manifestação? O ponto é que, mesmo na fase imanifesta, as coisas não se perdem. Tanto no começo quanto no fim, todos os elementos permanecem imanifestos, e só no período intermediário é que eles são manifestos, e isto a rigor não faz nenhuma diferença materialmente.

E se aceitamos a conclusão védica que consta no Bhagavad-gītā segundo a qual estes corpos materiais acabam perecendo no transcorrer do tempo (antavanta ime dehāḥ), sendo que a alma é eterna (nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ), então devemos sempre lembrar-nos de que o corpo é como uma roupa; portanto, por que lamentar a mudança de uma roupa? O corpo material não tem uma existência verdadeiramente relacionada com a alma eterna. É algo parecido com um sonho. Num sonho, podemos pensar que voamos no céu, ou sentamo-nos numa quadriga como um rei, mas quando acordamos, podemos ver que não estamos nem no céu nem sentados na quadriga. A sabedoria védica encoraja a auto-realização, tomando-se como base a não-existência do corpo material. Logo, em qualquer dos casos, quer se acredite na existência da alma, ou não se acredite na existência da alma, não há motivo de lamentação pela perda do corpo.

Texto

āścarya-vat paśyati kaścid enam
āścarya-vad vadati tathaiva cānyaḥ
āścarya-vac cainam anyaḥ śṛṇoti
śrutvāpy enaṁ veda na caiva kaścit

Sinônimos

āścarya-vat — como espantosa; paśyati — vê; kaścit — alguém; enam — esta alma; āścarya-vat — como espantosa; vadati — fala sobre; tathā — assim; eva — decerto; ca — também; anyaḥ — outro; āścarya-vat — igualmente espantosa; ca — também; enam — esta alma; anyaḥ — outro; śṛṇoti — ouve sobre; śrutvā — tendo ouvido; api — mesmo; enam — esta alma; veda — conhece; na — nunca; ca — e; eva — decerto; kaścit — alguém.

Tradução

Alguns consideram a alma como supreendente, outros descrevem-na como surpreendente, e alguns ouvem dizer que ela é surpreendente, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre ela, não podem absolutamente compreendê-la.

Comentário

Como o Gītopaniṣad é em grande parte baseado nos princípios dos Upaniṣads, não é surpreendente que a seguinte passagem também conste no Kaṭha Upaniṣad (1.2.7):

śravaṇayāpi
bahubhir yo na labhyaḥ
śṛṇvanto ’pi
bahavo yaṁ
na vidyuḥ
āścaryo vaktā kuśalo ’sya labdhā
āścaryo ’sya jñātā kuśalānuśiṣṭaḥ

O fato de a alma atômica estar dentro do corpo de um animal gigantesco, no corpo de uma gigantesca figueira-de-bengala, e também nos micróbios, milhões e bilhões dos quais ocupam apenas o espaço de um centímetro, decerto é muito surpreendente. Homens que possuem um pobre fundo de conhecimento e homens que não são austeros não podem entender as maravilhas da centelha espiritual atômica individual, muito embora seja explicada pela maior autoridade neste conhecimento, que deu lições até a Brahmā, o primeiro ser vivo do Universo. Devido a uma grosseira concepção material das coisas, a maioria dos homens desta era não conseguem entender como é que essa diminuta partícula pode tornar-se tão grande e tão pequena. Assim, os homens vêem que em si mesma, quer por sua própria constituição, quer por meio de descrição, a alma é algo maravilhoso. Iludidas pela energia material, as pessoas vivem tão absortas nos assuntos referentes ao prazer dos sentidos que lhes sobra muito pouco tempo para entender a questão da autocompreensão, embora seja um fato que sem esta autocompreensão, todas as atividades acabam sendo uma derrota na luta pela existência. Talvez não lhes ocorra a idéia de que se deve pensar na alma, e assim dar uma solução às misérias materiais.

Algumas pessoas que estão inclinadas a ouvir sobre a alma talvez assistam a conferências e procurem boas companhias, mas às vezes, devido à ignorância, elas se deixam desorientar, e aceitam a Superalma e a alma atômica como unas, sem distinção de magnitude. É muito difícil encontrar alguém que compreenda perfeitamente a posição da Superalma, a alma atômica, as respectivas funções e relações delas e todos os seus outros aspectos maiores e menores. E é ainda mais difícil encontrar alguém que tenha realmente tirado pleno benefício do conhecimento acerca da alma, e que seja capaz de descrever a posição da alma em diferentes aspectos. Mas, se de algum modo, a pessoa for capaz de entender os assuntos da alma, então sua vida é bem-sucedida.

No entanto, o processo mais fácil para entender o assunto referente ao eu é aceitar as afirmações do Bhagavad-gītā faladas pela maior autoridade, o Senhor Kṛṣṇa, sem se deixar levar por outras teorias. Mas também é preciso muita penitência e sacrifício, nesta vida ou nas anteriores, para que alguém consiga aceitar Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, só se pode adquirir esse conhecimento acerca de Kṛṣṇa através da misericórdia imotivada do devoto puro.

Texto

dehī nityam avadhyo ’yaṁ
dehe sarvasya bhārata
tasmāt sarvāṇi bhūtāni
na tvaṁ śocitum arhasi

Sinônimos

dehī — o proprietário do corpo material; nityam — eternamente; avadhyaḥ — não pode ser morto; ayam — esta alma; dehe — no corpo; sarvasya — de todos; bhārata — ó descendente de Bharata; tasmāt — portanto; sarvāṇi — todas; bhūtāni — entidades vivas que nascem; na — nunca; tvam — você; śocitum — se lamentar; arhasi — merece.

Tradução

Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo nunca pode ser morto. Portanto, você não precisa afligir-se por nenhum ser vivo.

Comentário

O Senhor acaba de concluir o capítulo de instrução sobre a alma espiritual imutável. Ao fazer várias descrições acerca da alma imortal, o Senhor Kṛṣṇa estabelece que a alma é imortal e o corpo, temporário. Portanto, como kṣatriya, Arjuna não deve abandonar seu dever por medo de que seu avô e mestre — Bhīṣma e Droṇa — morram na batalha. Tomando como base a autoridade de Śrī Kṛṣṇa, deve-se acreditar que existe uma alma diferente do corpo material, evitando, assim, deixar-se envolver no conceito de que não existe alma ou de que os sintomas de vida desenvolvem-se numa certa etapa da maturidade material resultante da interação de substâncias químicas. Embora a alma seja imortal, a violência não é encorajada, porém, na hora da guerra quando ela for de fato necessária, não deve ser desencorajada. Esta necessidade deve ser justificada em termos da sanção do Senhor, e não caprichosamente.

Texto

sva-dharmam api cāvekṣya
na vikampitum arhasi
dharmyād dhi yuddhāc chreyo ’nyat
kṣatriyasya na vidyate

Sinônimos

sva-dharmam — os princípios religiosos próprios de uma pessoa; api — também; ca — de fato; avekṣya — considerando; na — nunca; vikampitum — hesitar; arhasi — você merece; dharmyāt — por princípios religiosos; hi — mesmo; yuddhāt — do que lutar; śreyaḥ — melhor ocupação; anyat — nenhuma outra; kṣatriyasya — do kṣatriya; na — não; vidyate — existe.

Tradução

Considerando seu dever específico de kṣatriya, você deve saber que não há melhor ocupação para você do que lutar conforme determinam os princípios religiosos; e assim não há necessidade de hesitação.

Comentário

Das quatro ordens de divisão social, a segunda ordem, designada para que haja boa administração, é chamada de kṣatriya. Kṣat significa lesado. Quem protege contra danos é chamado de kṣatriya (trāyate — dar proteção). Os kṣatriyas treinam matando na floresta. Um kṣatriya costumava entrar na floresta para desafiar um tigre e, munido de sua espada, lutava face a face com ele. Quando o tigre era morto, este recebia a ordem real da cremação. Tal sistema tem sido seguido até os dias de hoje pelos reis kṣatriyas do Estado de Jaipur. Os kṣatriyas são especialmente treinados para desafiar e matar porque a violência religiosa às vezes é um fator necessário. Portanto, os kṣatriyas jamais são designados para aceitar diretamente a ordem de sannyāsa, ou renúncia. Em política, a não-violência pode ser um recurso diplomático, mas nunca é um fator ou princípio. Nos livros judiciais religiosos declara-se:

āhaveṣu mitho ’nyonyaṁ
jighāṁsanto mahī-kṣitaḥ
yuddhamānāḥ paraṁ śaktyā
svargaṁ yānty aparāṅ-mukhāḥ
yajñeṣu paśavo brahman
hanyante satataṁ dvijaiḥ
saṁskṛtāḥ kila mantraiś ca
te ’pi svargam avāpnuvan

“No campo de batalha, um rei ou kṣatriya que combate outro rei que lhe tem inveja está qualificado a alcançar os planetas celestiais após a morte, assim como os brāhmaṇas também alcançam os planetas celestiais sacrificando animais no fogo do sacrifício.” Portanto, matar no campo de batalha em obediência a princípios religiosos e matar animais no fogo do sacrifício não são em absoluto considerados atos de violência, porque todos se beneficiam com os princípios religiosos envolvidos. O animal sacrificado consegue uma vida humana imediatamente, sem precisar submeter-se ao processo de evolução gradual através do qual teria de passar de uma forma para outra, e os kṣatriyas mortos no campo de batalha também alcançam os planetas celestiais, que é o mesmo destino reservado aos brāhmaṇas que oferecem o sacrifício.

Há duas espécies de sva-dharmas, deveres específicos. Enquanto não se está liberado, devem-se seguir os princípios religiosos, executando os deveres naturais a fim de obter a liberação. Quando alguém é liberado, seu sva-dharma — dever específico — torna-se espiritual e não está no conceito corpóreo material. Na concepção de vida corpórea, há deveres específicos próprios para os brāhmaṇas e kṣatriyas, e tais deveres são inevitáveis. O sva-dharma é determinado pelo Senhor, e isto será esclarecido no Quarto Capítulo. No plano corpóreo, o sva-dharma é chamado de varṇāśrama-dharma, ou o ponto a partir do qual o homem pode obter a compreensão espiritual. A civilização humana começa na etapa de varṇāśrama-dharma, ou deveres específicos em termos dos modos específicos da natureza obtidos com o corpo. Desempenhar o dever específico no campo de ação de acordo com as ordens das autoridades superiores, serve para elevar a pessoa a uma posição superior na vida.

Texto

yadṛcchayā copapannaṁ
svarga-dvāram apāvṛtam
sukhinaḥ kṣatriyāḥ pārtha
labhante yuddham īdṛśam

Sinônimos

yadṛcchayā — que vem por si mesma; ca — também; upapannam — chegada a; svarga — dos planetas celestiais; dvāram — porta; apāvṛtam — escancarada; sukhinaḥ — muito felizes; kṣatriyāḥ — os membros da ordem real; pārtha — ó filho de Pṛthā; labhante — conseguem; yuddham — guerra; īdṛśam — como esta.

Tradução

Ó Pārtha, felizes são os kṣatriyas a quem aparece esta oportunidade de lutar, abrindo-lhes as portas dos planetas celestiais.

Comentário

Como supremo mestre do mundo, o Senhor Kṛṣṇa condena a atitude de Arjuna, que disse: “Não vejo benefício algum nesta luta. Ela proporcionará a habitação perpétua no inferno”. Essas afirmações de Arjuna deviam-se apenas à ignorância. Ele queria tornar-se não-violento no cumprimento de seu dever específico. Para um kṣatriya, estar no campo de batalha e praticar não-violência é filosofia de tolos. No Parāśara-smṛti, ou códigos religiosos elaborados por Parāśara, o grande sábio que é o pai de Vyāsadeva, afirma-se:

kṣatriyo hi prajā rakṣan
śastra-pāṇiḥ pradaṇḍayan
nirjitya para-sainyādi
kṣitiṁ dharmeṇa pālayet

“É dever do kṣatriya proteger os cidadãos de todas as espécies de dificuldades, e por esta razão há casos apropriados em que ele tem de aplicar a violência para manter a lei e a ordem. Portanto, a ele compete vencer os soldados dos reis inimigos, e assim, com princípios religiosos, ele deve governar o mundo.”

Considerando todos os aspectos, Arjuna não tinha razão de evitar a luta. Se vencesse os inimigos, desfrutaria do reino; e se morresse na batalha, iria elevar-se aos planetas celestiais, cujas portas estavam escancaradas para ele. A luta seria vantajosa para ele em ambos os casos.

Texto

atha cet tvam imaṁ dharmyaṁ
saṅgrāmaṁ na kariṣyasi
tataḥ sva-dharmaṁ kīrtiṁ ca
hitvā pāpam avāpsyasi

Sinônimos

atha — portanto; cet — se; tvam — você; imam — este; dharmyam — como dever religioso; saṅgrāmam — lutando; na — não; kariṣyasi — executa; tataḥ — então; sva-dharmam — seu dever religioso; kīrtim — reputação; ca — também; hitvā — perdendo; pāpam — reação pecaminosa; avāpsyasi — ganhará.

Tradução

Se, contudo, você não executar seu dever religioso e não lutar, então na certa incorrerá em pecados por negligenciar seus deveres e assim perderá sua reputação de lutador.

Comentário

Arjuna era um guerreiro famoso, e obteve fama combatendo muitos semideuses grandiosos, incluindo o Senhor Śiva. Após enfrentar e derrotar o Senhor Śiva que estava vestido de caçador, Arjuna agradou o senhor e recebeu como recompensa uma arma chamada pāśupata-astra. Todos sabiam que ele era um grande guerreiro. Até Droṇācārya lhe deu bênçãos e presenteou-o com uma arma especial com a qual poderia matar até mesmo seu mestre. Assim, ele recebeu muitos certificados militares de muitas autoridades, incluindo seu pai genitor Indra, o rei dos céus. Mas se ele fugisse da batalha, não apenas negligenciaria seu dever específico de kṣatriya, mas perderia toda a sua fama e bom nome e então prepararia sua estrada real para o inferno. Em outras palavras, ele iria para o inferno, não por combater, mas por retirar-se da batalha.

Texto

akīrtiṁ cāpi bhūtāni
kathayiṣyanti te ’vyayām
sambhāvitasya cākīrtir
maraṇād atiricyate

Sinônimos

akīrtim — infâmia; ca — também; api — sobretudo; bhūtāni — todas as pessoas; kathayiṣyanti — falarão; te — de você; avyayām — para sempre; sambhāvitasya — para um homem respeitável; ca — também; akīrtiḥ — má fama; maraṇāt — do que a morte; atiricyate — torna-se mais.

Tradução

As pessoas sempre falarão de sua infâmia, e para alguém respeitável, a desonra é pior do que a morte.

Comentário

Seja como amigo ou filósofo, o Senhor Kṛṣṇa agora dá para Arjuna Seu julgamento final quanto ao fato de Arjuna recusar-se a lutar. O Senhor diz: “Arjuna, se você deixar o campo de batalha antes mesmo do combate começar, as pessoas irão chamá-lo de covarde. E se você acha que, apesar das pessoas xingarem-no, você salvará sua vida fugindo do campo de batalha, então Meu conselho é que seria melhor você morrer em combate. Para um homem respeitável como você, a má fama é pior do que a morte. Então, você não deve fugir, temendo por sua vida; é melhor que morra em combate. Isto o livrará da má fama de que você abusou da Minha amizade e você não perderá seu prestígio social”.

Em Sua opinião final, o Senhor disse que era preferível que Arjuna morresse na batalha a retirar-se da luta.

Texto

bhayād raṇād uparataṁ
maṁsyante tvāṁ mahā-rathāḥ
yeṣāṁ ca tvaṁ bahu-mato
bhūtvā yāsyasi lāghavam

Sinônimos

bhayāt — por medo; raṇāt — do campo de batalha; uparatam — você deixou; maṁsyante — considerarão; tvām — você; mahā-rathāḥ — os grandes generais; yeṣām — para os quais; ca — também; tvam — você; bahu-mataḥ — em grande estima; bhūtvā — tendo estado; yāsyasi — irá; lāghavam — diminuído em valor.

Tradução

Os grandes generais que têm na mais alta estima o seu nome e fama pensarão que você deixou o campo de batalha simplesmente porque estava com medo, e portanto irão considerá-lo insignificante.

Comentário

O Senhor Kṛṣṇa continuou a dar Seu veredicto a Arjuna: “Não fique pensando que os grandes generais como Duryodhana, Karṇa e outros contemporâneos acharão que você deixou o campo de batalha porque sentia compaixão por seus irmãos e avô. Pensarão que você desistiu porque temia perder sua vida. E assim a alta estima que dedicavam à sua personalidade se esvanecerá”.

Texto

avācya-vādāṁś ca bahūn
vadiṣyanti tavāhitāḥ
nindantas tava sāmarthyaṁ
tato duḥkha-taraṁ nu kim

Sinônimos

avācya — indelicadas; vādān — palavras fabricadas; ca — também; bahūn — muitas; vadiṣyanti — dirão; tava — seus; ahitāḥ — inimigos; nindantaḥ — ao difamar; tava — sua; sāmarthyam — habilidade; tataḥ — do que isso; duḥkha-taram — mais doloroso; nu — naturalmente; kim — que há.

Tradução

Seus inimigos irão descrevê-lo com muitas palavras indelicadas e desdenharão sua habilidade. Que poderia ser mais doloroso
para você?

Comentário

No início, o Senhor Kṛṣṇa ficou surpreso de que Arjuna inadvertidamente implorasse compaixão, e Ele descreveu esta compaixão como compatível a não-arianos. Agora, com todas essas palavras, Ele provou que eram categóricas Suas afirmações contra a pretensa compaixão demonstrada por Arjuna.

Texto

hato vā prāpsyasi svargaṁ
jitvā vā bhokṣyase mahīm
tasmād uttiṣṭha kaunteya
yuddhāya kṛta-niścayaḥ

Sinônimos

hataḥ — ser morto; — ou; prāpsyasi — ganha; svargam — o reino celestial; jitvā — conquistando; — ou; bhokṣyase — desfruta; mahīm — o mundo; tasmāt — portanto; uttiṣṭha — levante-se; kaunteya — ó filho de Kuntī; yuddhāya — para lutar; kṛta — fixa; niścayaḥ — com determinação.

Tradução

Ó filho de Kuntī, ou você será morto no campo de batalha e alcançará os planetas celestiais, ou conquistará e gozará o reino terrestre. Portanto, levante-se com determinação e lute.

Comentário

Embora não houvesse certeza se o grupo de Arjuna sairia vitorioso, mesmo assim, ele tinha de lutar. Mesmo que morresse nesta batalha, Arjuna poderia ser elevado aos planetas celestiais.

Texto

sukha-duḥkhe same kṛtvā
lābhālābhau jayājayau
tato yuddhāya yujyasva
naivaṁ pāpam avāpsyasi

Sinônimos

sukha — felicidade; duḥkhe — e aflição; same — com equanimidade; kṛtvā — fazendo assim; lābha-alābhau — tanto no lucro quanto na perda; jaya-ajayau — tanto na vitória quanto na derrota; tataḥ — depois disso; yuddhāya — por lutar; yujyasva — lute; na — nunca; evam — desse modo; pāpam — reação pecaminosa; avāpsyasi — ganhará.

Tradução

Lute pelo simples fato de lutar, sem levar em consideração felicidade ou aflição, perda ou ganho, vitória ou derrota — e, adotando este procedimento, você nunca incorrerá em pecado.

Comentário

O Senhor Kṛṣṇa agora diz francamente que Arjuna deve simplesmente lutar por lutar, porque Ele deseja a batalha. Nas atividades em consciência de Kṛṣṇa, não se leva em consideração felicidade ou aflição, lucro ou perda, vitória ou derrota. O fato de que tudo deve ser executado por amor a Kṛṣṇa é consciência transcendental, e assim, não há reação às atividades materiais. Aquele que age para o prazer dos próprios sentidos, seja na bondade, seja na paixão, está sujeito à reação, boa ou má. Mas aquele que se rendeu completamente às atividades em consciência de Kṛṣṇa, não precisa justificar-se perante ninguém, nem está em dívida com ninguém ao executar suas atividades normais.

Está dito:

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṝṇāṁ
na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
gato mukundaṁ parihṛtya kartam

“Todo aquele que tenha se rendido completamente a Kṛṣṇa, Mukunda, abandonando todos os outros deveres, deixa de ser um devedor, e nem precisa pagar favores a ninguém — nem aos semideuses, nem aos sábios, nem às pessoas em geral, nem aos parentes, nem à humanidade, nem aos antepassados.” (Bhāg. 11.5.41) Esta é a insinuação que Kṛṣṇa faz a Arjuna neste verso, e o assunto será explicado mais claramente nos versos seguintes.

Texto

eṣā te ’bhihitā sāṅkhye
buddhir yoge tv imāṁ śṛṇu
buddhyā yukto yayā pārtha
karma-bandhaṁ prahāsyasi

Sinônimos

eṣā — toda esta; te — para você; abhihitā — descrita; sāṅkhye — em estudo analítico; buddhiḥ — inteligência; yoge — em trabalho sem resultado fruitivo; tu — mas; imām — este; śṛṇu — ouça apenas; buddhyā — com inteligência; yuktaḥ — ajustada; yayā — pela qual; pārtha — ó filho de Pṛthā; karma-bandham — cativeiro da reação; prahāsyasi — pode libertar-se de.

Tradução

Até agora, descrevi este conhecimento a você através do estudo analítico. Ouça agora enquanto eu o explico em termos de trabalho sem resultados fruitivos. Ó filho de Pṛthā, quando você agir segundo este conhecimento, poderá livrar-se do cativeiro decorrente das ações.

Comentário

Segundo o Nirukti, ou dicionário védico, saṅkhyā significa aquilo que, ao referir-se a um assunto, descreve-o em minúcias, e sāṅkhya diz respeito àquela filosofia que descreve a verdadeira natureza da alma. E yoga envolve o controle dos sentidos. A proposta feita por Arjuna segundo a qual não se deve lutar baseava-se no prazer dos sentidos. Esquecendo-se de seu dever principal, ele queria suspender a luta, pois pensava que, não matando seus parentes e familiares, ele seria mais feliz do que gozando o reino após vencer seus primos e irmãos, os filhos de Dhṛtarāṣṭra. Em ambos os casos, os princípios básicos visavam ao prazer dos sentidos. Tanto a felicidade proveniente da vitória contra eles quanto a felicidade decorrente de ele ver os parentes vivos, baseiam-se no gozo pessoal dos sentidos, mesmo que se relegue a sabedoria e o dever. Kṛṣṇa, portanto, queria explicar a Arjuna que, matando o corpo de seu avô, ele não estaria realmente matando a alma. Por isso, Ele explicou que todas as pessoas individuais, inclusive o próprio Senhor, são indivíduos eternos; eles foram indivíduos no passado, são indivíduos no presente, e continuarão a ser indivíduos no futuro, porque todos nós somos eternamente almas individuais. Simplesmente sujeitamo-nos a várias mudanças de roupa corpórea, mas na verdade conservamos nossa individualidade, mesmo após libertar-nos do cativeiro da roupa material. Um estudo analítico da alma e do corpo foi explicado mui ilustrativamente pelo Senhor Kṛṣṇa. E este conhecimento que faz a análise de diferentes pontos de vista da alma e do corpo, foi descrito aqui como sāṅkhya, nos termos do dicionário Nirukti. Esta sāṅkhya nada tem a ver com a filosofia sāṅkhya do Kapila ateísta. Muito antes da sāṅkhya do impostor Kapila, a filosofia sāṅkhya foi apresentada no Śrīmad-Bhāgavatam pelo verdadeiro Senhor Kapila, uma encarnação do Senhor Kṛṣṇa, que a explicou à Sua mãe, Devahūti. Ele explicou claramente que o puruṣa, ou o Senhor Supremo, é ativo e que Ele cria, lançando Seu olhar sobre a prakṛti. Isto é aceito nos Vedas e no Gītā. A descrição dos Vedas indica que o Senhor lançou o olhar sobre a prakṛti, ou natureza, e fecundou-a com almas atômicas individuais. Todos esses indivíduos estão trabalhando no mundo material em busca do prazer dos sentidos, e sob o encanto da energia material, pensam ser os desfrutadores. Esta mentalidade atinge o ponto máximo quando, desejando a liberação, a entidade viva procura tornar-se una com o Senhor. Esta é a última armadilha de māyā, ou ilusão da gratificação dos sentidos, e é somente após muitos e muitos nascimentos envoltos em atividades para o prazer dos sentidos que uma grande alma se rende a Vāsudeva, o Senhor Kṛṣṇa, completando então sua busca da verdade última.

Arjuna já aceitou Kṛṣṇa como seu mestre espiritual, rendendo-se a Ele: śiṣyas te ’haṁ śādhi māṁ tvāṁ prapannam. Conseqüentemente, Kṛṣṇa vai passar a falar-lhe do processo de trabalho em buddhi-yoga, ou karma-yoga, ou em outras palavras, a prática de serviço devocional apenas para a satisfação dos sentidos do Senhor. Esta buddhi-yoga é claramente explicada no Décimo Capítulo, décimo verso, como sendo comunhão direta com o Senhor, que, como Paramātmā, está situado no coração de todos. Mas essa comunhão não se efetua sem o serviço devocional. Alguém que está portanto situado em serviço devocional ou em serviço transcendental amoroso ao Senhor, ou em outras palavras, em consciência de Kṛṣṇa, alcança esta fase de buddhi-yoga pela graça especial do Senhor. Por conseguinte, o Senhor diz que apenas àqueles que, por amor transcendental, vivem ocupados em serviço devocional Ele outorga o conhecimento puro acerca da devoção com amor. Desse modo, o devoto pode facilmente alcançá-lO no sempre bem-aventurado reino de Deus.

Portanto, a buddhi-yoga mencionada neste verso é o serviço devocional ao Senhor, e a palavra sāṅkhya mencionada nesta passagem nada tem a ver com a sāṅkhya-yoga ateísta enunciada pelo impostor Kapila. Ninguém deve, pois, interpretar que a sāṅkhya-yoga aqui mencionada tenha alguma relação com a sāṅkhya ateísta. Tampouco tal filosofia exerceu influência alguma naquela época; e o Senhor Kṛṣṇa não iria preocupar-Se em mencionar tais especulações filosóficas ímpias. A verdadeira filosofia sāṅkhya é descrita pelo Senhor Kapila no
Śrīmad-Bhāgavatam, mas mesmo esta sāṅkhya nada tem a ver com os presentes assuntos. Aqui, sāṅkhya significa descrição analítica do corpo e da alma. O Senhor Kṛṣṇa fez uma descrição analítica da alma só para trazer Arjuna ao nível da buddhi-yoga, ou bhakti-yoga. Logo, a sāṅkhya do Senhor Kṛṣṇa e a sāṅkhya do Senhor Kapila, como é descrita no Bhāgavatam, são a mesma coisa. Todas elas são bhakti-yoga. O Senhor Kṛṣṇa disse, portanto, que só a classe de homens menos inteligentes faz distinção entre sāṅkhya-yoga e bhakti-yoga (sāṅkhya-yogau pṛthag bālāḥ pravadanti na paṇḍitāḥ).

Naturalmente, a sāṅkhya-yoga ateísta nada tem a ver com bhakti-yoga; não obstante, os não inteligentes alegam que o Bhagavad-gītā faz alusão à sāṅkhya-yoga ateísta.

Deve-se, portanto, compreender que buddhi-yoga significa agir em consciência de Kṛṣṇa, com bem-aventurança plena e conhecimento acerca do serviço devocional. Aquele que trabalha só para a satisfação do Senhor, sem se importar com o grau de dificuldade encontrado na execução de seu trabalho, age sob os princípios de buddhi-yoga e encontra-se sempre em bem-aventurança transcendental. Por meio desta ocupação transcendental, a pessoa, pela graça do Senhor, alcança automaticamente toda a compreensão transcendental, e assim sua liberação é de fato completa, sem que precise empreender outros esforços para adquirir conhecimento. Há uma grande diferença entre trabalho em consciência de Kṛṣṇa e trabalho para obter resultados fruitivos, especialmente quando se trata da satisfação dos sentidos obtida por alguém que busca conquistar felicidade familiar ou material. Buddhi-yoga é, portanto, a qualidade transcendental do trabalho que executamos.

Texto

nehābhikrama-nāśo ’sti
pratyavāyo na vidyate
sv-alpam apy asya dharmasya
trāyate mahato bhayāt

Sinônimos

na — não; iha — nesta yoga; abhikrama — em esforçar-se; nāśaḥ — perda; asti — há; pratyavāyaḥ — diminuição; na — nunca; vidyate — há; su-alpam — um pouco; api — embora; asya — desta; dharmasya — ocupação; trāyate — livra; mahataḥ — de muito grande; bhayāt — perigo.

Tradução

Neste esforço, não há perda nem diminuição, e um pequeno progresso neste caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo.

Comentário

A atividade em consciência de Kṛṣṇa, ou agir para o benefício de Kṛṣṇa sem exigir em troca a satisfação dos sentidos, é a mais elevada qualidade transcendental do trabalho. Não há impedimento para tal atividade, mesmo que tenha sido apenas um pequeno começo, tampouco pode-se perder este serviço em etapa alguma. Qualquer trabalho iniciado no plano material deve ser completado, caso contrário, toda a tentativa se torna um fracasso. Mas qualquer trabalho iniciado em consciência de Kṛṣṇa tem efeito permanente, mesmo inacabado. Portanto, quem executa esse trabalho não sai perdendo, mesmo que seu trabalho em consciência de Kṛṣṇa esteja incompleto. Um por cento feito em consciência de Kṛṣṇa produz resultados permanentes, de modo que se começa em seguida a partir do ponto de dois por cento, enquanto a atividade material sem um sucesso de cem por cento não dá lucro. Ajāmila cumpriu seu dever com alguma porcentagem de consciência de Kṛṣṇa, mas pela graça do Senhor, o resultado que ele obteve no final foi de cem por cento. A este respeito, há um belo verso no Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.17):

tyaktvā sva-dharmaṁ caraṇāmbujaṁ harer
bhajann apakvo ’tha patet tato yadi
yatra kva vābhadram abhūd amuṣya kiṁ
ko vārtha āpto ’bhajatāṁ sva-dharmataḥ

“Se alguém abandona seus deveres ocupacionais e age em consciência de Kṛṣṇa e então cai, sem completar seu trabalho, que tem ele a perder? E que ganhará alguém se executar perfeitamente suas atividades materiais?” Ou, como dizem os cristãos: “Que adianta um homem ganhar o mundo todo mas perder sua alma eterna?”

As atividades materiais e seus resultados cessam quando o corpo acaba. Mas o trabalho em consciência de Kṛṣṇa nos trás de volta à consciência de Kṛṣṇa, mesmo após a perda do corpo. Temos pelo menos a certeza de que, na próxima vida, vamos nascer de novo como ser humano, ou na família de um grande brāhmaṇa culto, ou numa família rica e aristocrática, condições essas que nos darão mais uma oportunidade de elevar-nos. Esta é a qualidade única do trabalho feito em consciência de Kṛṣṇa.

Texto

vyavasāyātmikā buddhir
ekeha kuru-nandana
bahu-śākhā hy anantāś ca
buddhayo ’vyavasāyinām

Sinônimos

vyavasāya-ātmikā — resoluta na consciência de Kṛṣṇa; buddhiḥ — inteligência; ekā — uma só; iha — neste mundo; kuru-nandana — ó amado filho dos Kurus; bahu-śākhāḥ — que tem vários ramos; hi — de fato; anantāḥ — ilimitados; ca — também; buddhayaḥ — inteligência; avyavasāyinām — daqueles que não estão em consciência de Kṛṣṇa.

Tradução

Aqueles que estão neste caminho são resolutos, e têm um só objetivo. Ó amado filho dos Kurus, a inteligência daqueles que são irresolutos tem muitas ramificações.

Comentário

Ter forte fé em que, pela consciência de Kṛṣṇa, a pessoa eleva-se à mais alta perfeição da vida chama-se inteligência vyavasāyātmikā. O Caitanya-caritāmṛta (Madhya 22.62) afirma:

‘śraddhā’-śabde—viśvāsa kahe sudṛḍha niścaya
kṛṣṇe bhakti kaile sarva-karma kṛta haya

Fé significa confiança inabalável em algo sublime. Quando alguém está ocupado nos deveres da consciência de Kṛṣṇa, não precisa agir em função do mundo material, como se tivesse obrigações para com as tradições familiares, a humanidade ou a nacionalidade. Ocupa-se em atividades fruitivas quem está sujeito às reações de atos passados, bons ou maus. Quando está envolvida na consciência de Kṛṣṇa, a pessoa não precisa continuar esforçando-se por alcançar os bons resultados de suas atividades. Quando se está situado em consciência de Kṛṣṇa, todas as atividades estão no plano absoluto, pois deixaram de se sujeitar às dualidades boas e más. A maior perfeição da consciência de Kṛṣṇa é a renúncia à concepção de vida material. Este estado é obtido automaticamente à medida que se progride em consciência de Kṛṣṇa.

O propósito resoluto de alguém consciente de Kṛṣṇa baseia-se no conhecimento. Vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā su-durlabhaḥ: a pessoa em consciência de Kṛṣṇa é uma alma piedosa raramente encontrada, e que sabe perfeitamente que Vāsudeva, ou Kṛṣṇa, é a raiz de todas as causas manifestas. Assim como quem rega a raiz da árvore automaticamente distribui água às folhas e galhos, da mesma forma, quem age em consciência de Kṛṣṇa pode prestar o maior serviço a todos — a saber, a si mesmo, à sociedade, ao país, à humanidade, etc. Se Kṛṣṇa ficar satisfeito com as ações de alguém, então todos ficarão satisfeitos.

No entanto, o serviço na consciência de Kṛṣṇa é mais bem praticado sob a guia competente de um mestre espiritual que seja um representante genuíno de Kṛṣṇa, que conheça a natureza do estudante e que possa guiá-lo a agir em consciência de Kṛṣṇa. E assim, para ser versada em consciência de Kṛṣṇa, a pessoa tem de agir firmemente e obedecer ao representante de Kṛṣṇa, e deve aceitar a instrução do mestre espiritual genuíno como a missão de sua vida. Em suas famosas orações ao mestre espiritual, Śrīla Viśvanātha Cakravartī µhākura nos dá a seguinte instrução:

yasya prasādād bhagavat-prasādo
yasyāprasādān na gatiḥ kuto ’pi
dhyāyan stuvaṁs tasya yaśas tri-sandhyaṁ
vande guroḥ śrī-caraṇāravindam

“Com a satisfação do mestre espiritual, a Suprema Personalidade de Deus fica satisfeito. E quem não satisfaz o mestre espiritual não tem possibilidade de ser promovido ao plano da consciência de Kṛṣṇa. Devo, portanto, meditar em sua misericórdia e implorá-la três vezes por dia, e oferecer minhas respeitosas reverências a ele, meu mestre espiritual.”

Entretanto, este processo todo depende do conhecimento perfeito da alma além da concepção do corpo — não em teoria, mas na prática, quando não há possibilidade alguma de gozo dos sentidos manifestado nas atividades fruitivas. Aquele cuja mente não está firmemente fixa é desviado pelos vários tipos de ações fruitivas.

Texto

yām imāṁ puṣpitāṁ vācaṁ
pravadanty avipaścitaḥ
veda-vāda-ratāḥ pārtha
nānyad astīti vādinaḥ
kāmātmānaḥ svarga-parā
janma-karma-phala-pradām
kriyā-viśeṣa-bahulāṁ
bhogaiśvarya-gatiṁ prati

Sinônimos

yām imām — todas estas; puṣpitām — floridas; vācam — palavras; pravadanti — dizem; avipaścitaḥ — homens com um pobre fundo de conhecimento; veda-vāda-ratāḥ — supostos seguidores dos Vedas; pārtha — ó filho de Pṛthā; na — nunca; anyat — nenhuma outra coisa; asti — há; iti — assim; vādinaḥ — os partidários; kāma-ātmānaḥ — desejosos de gozo dos sentidos; svarga-parāḥ — visando alcançar os planetas celestiais; janma-karma-phala-pradām — resultando em bom nascimento e outras reações fruitivas; kriyā-viśeṣa — cerimônias pomposas; bahulām — várias; bhoga — em gozo dos sentidos; aiśvarya — e opulência; gatim — progresso; prati — em direção a.

Tradução

Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo apegados às palavras floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas àqueles que desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o conseqüente bom nascimento, poder e assim por diante. Por estarem ávidos em satisfazer os sentidos e ter uma vida opulenta, eles dizem que isto é tudo o que importa.

Comentário

As pessoas em geral não são muito inteligentes e, devido à ignorância, elas ficam muito apegadas às atividades fruitivas recomendadas nas porções do karma-kāṇḍa nos Vedas. Só lhes interessam propostas para a gratificação dos sentidos e para o desfrute da vida no céu, onde há disponibilidade de vinho e mulheres e a opulência material é muito comum. Nos Vedas, recomendam-se muitos sacrifícios para elevação aos planetas celestiais, especialmente os sacrifícios Jyotiṣṭoma. De fato, declara-se que qualquer um que deseje elevar-se aos planetas celestiais deve executar tais sacrifícios, e homens com um pobre fundo de conhecimento pensam que todo o propósito da sabedoria védica resume-se nisto. É muito difícil que essas pessoas inexperientes situem-se com determinação na consciência de Kṛṣṇa. Assim como os tolos apegam-se às flores das árvores venenosas sem saber os resultados de tal atração, homens não-iluminados são igualmente atraídos por essa opulência celestial, com seu conseqüente desfrute dos sentidos.

Na seção karma-kāṇḍa dos Vedas, afirma-se: apāma somam amṛtā abhūma e akṣayyaṁ ha vai cāturmāsya-yājinaḥ sukṛtaṁ bhavati. Em outras palavras, aqueles que fazem as penitências de quatro meses qualificam-se para tomar as bebidas soma-rasa a fim de tornarem-se imortais e felizes para sempre. Mesmo nesta Terra, existem aqueles que estão muito ansiosos para tomar soma-rasa a fim de ficarem fortes e em boa forma, podendo então, obter o prazer dos sentidos. Essas pessoas não acreditam que alguém possa libertar-se do cativeiro material, e se apegam em demasia às cerimônias pomposas dos sacrifícios védicos. De um modo geral, são sensuais, e só desejam os prazeres da vida celestial. Sabe-se que existem jardins chamados Nandana-kānana nos quais há boa oportunidade de associação com belas mulheres angelicais e um abundante suprimento do vinho soma-rasa. Essa felicidade corpórea decerto é sensual; portanto, existem aqueles que, como senhores do mundo material, estão puramente apegados a essa felicidade material temporária.

Texto

bhogaiśvarya-prasaktānāṁ
tayāpahṛta-cetasām
vyavasāyātmikā buddhiḥ
samādhau na vidhīyate

Sinônimos

bhoga — ao gozo material; aiśvarya — e opulência; prasaktānām — para os que são apegados; tayā — por tais coisas; apahṛta-cetasām — confundidos na mente; vyavasāya-ātmikā — fixo na determinação; buddhiḥ — serviço devocional ao Senhor; samādhau — na mente controlada; na — nunca; vidhīyate — acontece.

Tradução

Nas mentes daqueles que estão muito apegados à gratificação dos sentidos e à opulência material, e que se deixam confundir por estas coisas, não ocorre a determinação resoluta de prestar serviço devocional ao Senhor Supremo.

Comentário

Samādhi quer dizer “mente fixa”. O dicionário védico, o Nirukti, diz que samyag ādhīyate ’sminn ātma-tattva-yāthātmyam: “Quando fixa para entender o eu, diz-se que a mente está em samādhi”. Samādhi nunca é possível para pessoas interessadas em satisfazer os sentidos materiais, nem para aqueles que se deixam confundir por essas coisas temporárias. O processo da energia material acaba condenando-os.

Texto

trai-guṇya-viṣayā vedā
nistrai-guṇyo bhavārjuna
nirdvandvo nitya-sattva-stho
niryoga-kṣema ātmavān

Sinônimos

trai-guṇya — referente aos três modos da natureza material; viṣayāḥ — sobre o tema; vedāḥ — os textos védicos; nistrai-guṇyaḥ — transcendental aos três modos da natureza material; bhava — seja; arjuna — ó Arjuna; nirdvandvaḥ — sem dualidade; nitya-sattva-sthaḥ — num estado puro de existência espiritual; niryoga-kṣemaḥ — livre de idéias de ganho e proteção; ātma-vān — estabelecido no eu.

Tradução

Os Vedas tratam principalmente do tema dos três modos da natureza material. Ó Arjuna, torne-se transcendental a estes três modos. Liberte-se de todas as dualidades e de todos os anseios advindos da busca de lucro e segurança e estabeleça-se no eu.

Comentário

Todas as atividades materiais envolvem ações e reações nos três modos da natureza material. Elas se destinam aos resultados fruitivos, que causam o cativeiro no mundo material. Os Vedas dão especial atenção às atividades fruitivas para que o público em geral aos poucos eleve-se do campo da satisfação dos sentidos a uma posição no plano transcendental. Arjuna, como aluno e amigo do Senhor Kṛṣṇa, é aconselhado a elevar-se à posição transcendental, ingressando na filosofia Vedānta, onde, no começo, há o brahma-jijñāsā, ou questões sobre a transcendência suprema. Todas as entidades vivas que estão no mundo material empreendem árdua luta pela existência. Para o benefício delas, o Senhor, depois da criação do mundo material, deu a sabedoria védica, que as ensina como viver livres do enredamento material. Quando terminam as atividades de gozo dos sentidos, a saber, as descritas no capítulo karma-kāṇḍa, então aparece a oportunidade para a compreensão espiritual, oferecida sob a forma dos Upaniṣads, que fazem parte dos diferentes Vedas, assim como o Bhagavad-gītā faz parte do quinto Veda, a saber, o Mahābhārata. Os Upaniṣads marcam o começo da vida transcendental.

Enquanto se está no corpo material, há ações e reações nos modos materiais. Deve-se aprender tolerância no sofrer das investidas das dualidades tais como felicidade e tristeza, frio e calor, e, aprendendo a tolerar estas dualidades, ficaremos livres das ansiedades produzidas pelo ganho e perda. Essa posição transcendental é alcançada em plena consciência de Kṛṣṇa quando a pessoa se coloca em completa dependência da vontade de Kṛṣṇa.

Texto

yāvān artha uda-pāne
sarvataḥ samplutodake
tāvān sarveṣu vedeṣu
brāhmaṇasya vijānataḥ

Sinônimos

yāvān — tudo o que; arthaḥ — se pretende; uda-pāne — num poço dágua; sarvataḥ — em todos os aspectos; sampluta-udake — num grande reservatório de água; tāvān — de modo semelhante; sarveṣu — em todos; vedeṣu — os textos védicos; brāhmaṇasya — do homem que conhece o Brahman Supremo; vijānataḥ — que tem conhecimento completo.

Tradução

Todos os propósitos satisfeitos por um poço pequeno podem imediatamente ser satisfeitos por um grande reservatório de água. De modo semelhante, todos os propósitos dos Vedas podem ser cumpridos por aquele que conhece o seu propósito subjacente.

Comentário

Os rituais e sacrifícios mencionados na divisão karma-kāṇḍa da literatura védica destinam-se a encorajar o desenvolvimento gradual da auto-realização. E o propósito da auto-realização é afirmado claramente no Décimo Quinto Capítulo do Bhagavad-gītā (15.15): o propósito de estudar os Vedas é conhecer o Senhor Kṛṣṇa, a causa primordial de tudo. Logo, auto-realização significa compreender Kṛṣṇa e nossa eterna relação com Ele. A relação que existe entre as entidades vivas e Kṛṣṇa também é mencionada no Décimo Quinto Capítulo do Bhagavad-gītā (15.7). As entidades vivas são partes integrantes de Kṛṣṇa; portanto, a etapa em que a entidade viva individual revive a consciência de Kṛṣṇa é a mais elevada perfeição do conhecimento védico. O Śrīmad-Bhāgavatam (3.33.7) confirma isto com as seguintes palavras:

aho bata śva-paco ’to garīyān
yaj-jihvāgre vartate nāma tubhyam
tepus tapas te juhuvuḥ sasnur āryā
brahmānūcur nāma gṛṇanti ye te

“Ó meu Senhor, uma pessoa que esteja cantando Seu santo nome, embora nascida em família inferior como a de um caṇḍāla [comedor de cães], está situada na mais elevada plataforma da auto-realização. Esta pessoa deve ter executado todas as espécies de penitências e sacrifícios segundo os rituais védicos e, tendo tomado seu banho em todos os lugares santos de peregrinação, na certa estudou os textos védicos muitíssimas vezes. Tal pessoa é considerada a melhor da família ariana.”

Portanto, deve-se ser bastante inteligente para compreender o propósito dos Vedas, sem se deixar apegar apenas aos rituais, e não se deve desejar a elevação aos reinos celestiais visando uma qualidade melhor de satisfação dos sentidos. Nesta era, não é possível para o homem comum seguir todas as regras e regulações dos rituais védicos, nem lhe é possível estudar exaustivamente todo o Vedānta e os Upaniṣads. É preciso muito tempo, energia, conhecimento e recursos para pôr em execução os propósitos dos Vedas. Dificilmente isto é possível nesta era. Todavia, o melhor propósito da cultura védica é alcançado, cantando o santo nome do Senhor, como foi recomendado pelo Senhor Caitanya, o libertador de todas as almas caídas. Quando um grande erudito védico, Prakāśānanda Sarasvatī, perguntou-Lhe por que estava cantando o santo nome do Senhor como um sentimentalista em vez de ficar estudando a filosofia vedānta, o Senhor Caitanya respondeu que Seu mestre espiritual considerava-O um grande tolo e por isso pediu-Lhe que cantasse o santo nome do Senhor Kṛṣṇa. Seguindo esta ordem, Ele ficou em êxtase parecendo um louco. Nesta era de Kali, a maioria da população é tola e não recebe o necessário treinamento para compreender a filosofia vedānta; cumpre o melhor propósito da filosofia vedānta quem canta o santo nome do Senhor e não comete ofensas. Vedānta é a última palavra em sabedoria védica, e o autor e conhecedor da filosofia vedānta é o Senhor Kṛṣṇa; e o maior vedantista é a grande alma que sente prazer em cantar o santo nome do Senhor. Este é o objetivo último de todo o misticismo védico.

Texto

karmaṇy evādhikāras te
mā phaleṣu kadācana
mā karma-phala-hetur bhūr
mā te saṅgo ’stv akarmaṇi

Sinônimos

karmaṇi — nos deveres prescritos; eva — decerto; adhikāraḥ — direito; te — seu; — nunca; phaleṣu — nos frutos; kadācana — em tempo algum; — nunca; karma-phala — no resultado do trabalho; hetuḥ — causa; bhūḥ — se torne; — nunca; te — seu; saṅgaḥ — apego; astu — deve haver; akarmaṇi — em não cumprir os deveres prescritos.

Tradução

Você tem o direito de executar seu dever prescrito, mas não tem o direito aos frutos da ação. Jamais se considere a causa dos resultados de suas atividades, e jamais se apegue ao não-cumprimento do seu dever.

Comentário

Tecem-se aqui três considerações: deveres prescritos, trabalho por capricho, e inação. Os deveres prescritos são atividades impostas segundo os modos da natureza material adquiridos pela pessoa. Trabalho por capricho significa ações sem a sanção da autoridade, e inação significa não executar os deveres prescritos. O Senhor aconselhou Arjuna a não ficar inativo, mas a executar seu dever prescrito sem se apegar ao resultado. Alguém que se apega ao resultado do próprio trabalho, é também a causa da ação. Assim, ele desfruta ou sofre o resultado de tais ações.

Quanto aos deveres prescritos, eles podem incluir-se em três subdivisões, a saber, trabalho de rotina, trabalho de emergência e atividades desejadas. Trabalho de rotina executado por obrigação segundo as prescrições das escrituras, sem desejo dos resultados, é ação no modo da bondade. O trabalho visando resultados torna-se a causa do cativeiro; portanto, trabalho assim não é auspicioso. Todos têm direito de propriedade em relação aos deveres prescritos, mas deve-se agir sem apego ao resultado; tais deveres obrigatórios abnegados sem dúvida conduzem a pessoa ao caminho da liberação.

Portanto, o Senhor aconselhou que Arjuna lutasse por mero dever, sem apego ao resultado. Sua não-participação na batalha é outro aspecto de apego. Esse apego nunca leva alguém ao caminho da salvação. Qualquer apego, positivo ou negativo, é causa de cativeiro. A inação é pecaminosa. Por conseguinte, lutar como uma questão de dever era o único caminho auspicioso que propiciaria a Arjuna a salvação.

Texto

yoga-sthaḥ kuru karmāṇi
saṅgaṁ tyaktvā dhanañ-jaya
siddhy-asiddhyoḥ samo bhūtvā
samatvaṁ yoga ucyate

Sinônimos

yoga-sthaḥ — equilibrado; kuru — execute; karmāṇi — seus deveres; saṅgam — apego; tyaktvā — abandonando; dhanañjaya — ó Arjuna; siddhi-asiddhyoḥ — no sucesso e no fracasso; samaḥ — equilibrado; bhūtvā — tornando-se; samatvam — equanimidade; yogaḥyoga; ucyate — chama-se.

Tradução

Desempenhe seu dever com equilíbrio, ó Arjuna, abandonando todo o apego a sucesso ou fracasso. Tal equanimidade chama-se yoga.

Comentário

Kṛṣṇa diz a Arjuna que ele deve agir em yoga. E o que vem a ser yoga? Yoga significa concentrar a mente no Supremo, e controlar os sempre perturbadores sentidos. E quem é o Supremo? O Supremo é o Senhor. E porque Ele mesmo está dizendo a Arjuna que lute, Arjuna nada tem a ver com os resultados da luta. Ganho ou vitória são da alçada de Kṛṣṇa; Arjuna simplesmente é aconselhado a agir segundo a ordem de Kṛṣṇa. Seguir a ordem de Kṛṣṇa é a verdadeira yoga, e pratica-se isto no processo chamado consciência de Kṛṣṇa. É somente por meio da consciência de Kṛṣṇa que se pode abandonar o sentimento de propriedade. A pessoa deve tornar-se servo de Kṛṣṇa, ou servo do servo de Kṛṣṇa. Esta é a maneira correta de cumprir o dever em consciência de Kṛṣṇa, a única coisa que pode ajudar o indivíduo a agir em yoga.

Arjuna é kṣatriya e, como tal, participa da instituição varṇāśrama- dharma. Diz-se no Viṣṇu Purāṇa que, no varṇāśrama-dharma, tudo visa satisfazer a Viṣṇu. Ninguém deve satisfazer a si mesmo como é a regra no mundo material, mas todos devem satisfazer a Kṛṣṇa. Logo, quem não satisfaz a Kṛṣṇa não pode observar corretamente os princípios do varṇāśrama-dharma. De maneira indireta, Arjuna foi aconselhado a agir como Kṛṣṇa mandara que ele agisse.

Texto

dūreṇa hy avaraṁ karma
buddhi-yogād dhanañ-jaya
buddhau śaranam anviccha
kṛpaṇāḥ phala-hetavaḥ

Sinônimos

dūreṇa — jogue-a bem longe; hi — decerto; avaram — abominável; karma — atividade; buddhi-yogāt — baseado na consciência de Kṛṣṇa; dhanañjaya — ó conquistador de riquezas; buddhau — com tal consciência; śaraṇam — rendição completa; anviccha — tente; kṛpaṇāḥ — mesquinhos; phala-hetavaḥ — aqueles que desejam resultados fruitivos.

Tradução

Ó Dhanañjaya, mantenha todas as atividades abomináveis bem distantes através da prática do serviço devocional, e nesta consciência renda-se ao Senhor. Aqueles que querem gozar o fruto de seu trabalho são mesquinhos.

Comentário

Aquele que de fato veio a entender sua posição constitucional como servo eterno do Senhor abandona todas as ocupações e passa a agir apenas em consciência de Kṛṣṇa. Como já foi explicado, buddhi-yoga significa serviço transcendental amoroso ao Senhor. Este serviço devocional é a atitude correta tomada pela entidade viva. Só quem é mesquinho deseja gozar o fruto de seu próprio trabalho aumentando assim seu enredamento no cativeiro material. Com a exceção do trabalho em consciência de Kṛṣṇa, todas as atividades são abomináveis porque sempre prendem o autor ao ciclo do nascimento e morte. Assim jamais se deve desejar ser a causa do trabalho. Tudo deve ser feito em consciência de Kṛṣṇa, para a satisfação de Kṛṣṇa. Os avarentos não sabem utilizar os bens materiais adquiridos pela boa fortuna ou pelo trabalho árduo. A pessoa deve gastar todas as energias trabalhando em consciência de Kṛṣṇa, e isto fará sua vida um sucesso. Tal qual os avarentos, as pessoas desafortunadas não aplicam sua energia humana no serviço do Senhor.

Texto

buddhi-yukto jahātīha
ubhe sukṛta-duṣkṛte
tasmād yogāya yujyasva
yogaḥ karmasu kauśalam

Sinônimos

buddhi-yuktaḥ — uma pessoa que se ocupa em serviço devocional; jahāti — pode livrar-se; iha — nesta vida; ubhe — ambos; sukṛta-duṣkṛte — resultados bons e maus; tasmāt — portanto; yogāya — por causa do serviço devocional; yujyasva — ocupe-se assim; yogaḥ — consciência de Kṛṣṇa; karmasu — em todas as atividades; kauśalam — arte.

Tradução

Aquele que está ocupado no serviço devocional, livra-se tanto das boas quanto das más ações, mesmo durante esta vida. Portanto, empenhe-se na yoga, que é a arte de todo o trabalho.

Comentário

Desde tempos imemoriais, cada ser vivo vem acumulando as várias reações de seu trabalho, bom e mau. Isto deixa-o sempre ignorante de sua verdadeira posição constitucional. Ele pode eliminar sua ignorância ao ouvir a instrução do Bhagavad-gītā, através da qual aprende a render-se ao Senhor Śrī Kṛṣṇa em todos os aspectos e a deixar de ser vítima do cativeiro da ação e reação a que se sujeita nascimento após nascimento. Arjuna é, portanto, aconselhado a agir em consciência de Kṛṣṇa, o processo purificador da ação resultante.

Texto

karma-jaṁ buddhi-yuktā hi
phalaṁ tyaktvā manīṣiṇaḥ
janma-bandha-vinirmuktāḥ
padaṁ gacchanty anāmayam

Sinônimos

karma-jam — devido a atividades fruitivas; buddhi-yuktāḥ — estando ocupados em serviço devocional; hi — decerto; phalam — resultados; tyaktvā — renunciando; manīṣiṇaḥ — grandes sábios ou devotos; janma-bandha — do cativeiro de nascimentos e mortes; vinirmuktāḥ — liberados; padam — posição; gacchanti — alcançam; anāmayam — sem misérias.

Tradução

Ocupando-se no serviço devocional ao Senhor, grandes sábios ou devotos livram-se dos resultados de trabalho no mundo material. Agindo assim, eles ficam livres do ciclo de nascimento e morte, e passam a viver além de todas as misérias [indo de volta ao Supremo].

Comentário

As entidades vivas liberadas pertencem àquele lugar onde não existem misérias materiais. O Bhāgavatam (10.14.58) diz:

samāśritā ye pada-pallava-plavaṁ
mahat-padaṁ puṇya-yaśo murāreḥ
bhavāmbudhir vatsa-padaṁ paraṁ padaṁ
padaṁ padaṁ yad vipadāṁ na teṣām

“Para alguém que aceitou o barco dos pés de lótus do Senhor, que é o abrigo da manifestação cósmica e é famoso como Mukunda, ou o outorgador de mukti, o oceano do mundo material é como a água contida na pegada de um bezerro. Paraṁ padam, ou o lugar onde não há misérias materiais, ou Vaikuṇṭha, é sua meta, e não o lugar onde se corre perigo a cada passo da vida.”

Devido à ignorância, não se sabe que este mundo material é um lugar miserável onde há perigos a cada passo. Só por ignorância, pessoas menos inteligentes recorrem a atividades fruitivas, tentando ajustar-se à situação, pois acham que as ações resultantes vão fazê-las felizes. Elas não sabem que, dentro do Universo, nenhum tipo de corpo material pode propiciar uma vida sem misérias. As misérias da vida, a saber, nascimento, morte, velhice e doenças, estão presentes em toda parte do mundo material. Mas aquele que compreende sua verdadeira posição constitucional como servo eterno do Senhor, e assim conhece a posição da Personalidade de Deus, ocupa-se no serviço transcendental amoroso ao Senhor. Conseqüentemente, ele se qualifica a entrar nos planetas Vaikuṇṭha, onde não há vida material miserável nem a influência do tempo e da morte. Conhecer a própria posição constitucional significa também conhecer a posição sublime do Senhor. Deve-se entender que aquele que pensa que a posição da entidade viva e a posição do Senhor estão no mesmo nível encontra-se na escuridão e é, portanto, incapaz de ocupar-se em serviço devocional ao Senhor. Ele mesmo torna-se um senhor e assim ingressa na estrada de repetidos nascimentos e mortes. Mas aquele que, compreendendo que está na posição de servo passa a executar serviço ao Senhor, imediatamente torna-se candidato a ir a Vaikuṇṭhaloka. O serviço em prol do Senhor chama-se karma-yoga ou buddhi-yoga, ou, em palavras simples, serviço devocional ao Senhor.

Texto

yadā te moha-kalilaṁ
buddhir vyatitariṣyati
tadā gantāsi nirvedaṁ
śrotavyasya śrutasya ca

Sinônimos

yadā — quando; te — seu; moha — de ilusão; kalilam — densa floresta; buddhiḥ — serviço transcendental com inteligência; vyatitariṣyati — ultrapassa; tadā — então; gantā asi — irá; nirvedam — indiferença; śrotavyasya — para tudo o que se há de ouvir; śrutasya — tudo o que já foi ouvido; ca — também.

Tradução

Quando sua inteligência superar a densa floresta da ilusão, você se tornará indiferente a tudo o que foi ouvido e a tudo o que se há de ouvir.

Comentário

Na vida dos grandes devotos do Senhor, existem muitos bons exemplos daqueles que se tornaram indiferentes aos rituais dos Vedas pelo simples fato de adotarem o serviço devocional ao Senhor. Ao compreender Kṛṣṇa e sua relação com Kṛṣṇa como algo concreto, é natural que, mesmo sendo um brāhmaṇa experiente, a pessoa fique indiferente aos rituais das atividades fruitivas. Śrī Mādhavendra Purī, um grande devoto e ācārya na linha devocional, diz:

sandhyā-vandana bhadram astu bhavato bhoḥ snāna tubhyaṁ namo
bho devāḥ pitaraś ca tarpaṇa-vidhau nāhaṁ kṣamaḥ kṣamyatām
yatra kvāpi niṣadya yādava-kulottaṁasya kaṁsa-dviṣaḥ
smāraṁ smāram aghaṁ harāmi tad alaṁ manye kim anyena me

“Ó orações que ofereço três vezes ao dia, todas as glórias a vocês. Ó banho, ofereço-lhe minhas reverências. Ó semideuses! Ó antepassados! Por favor, perdoem minha incapacidade de oferecer-lhes meus respeitos. Mas onde quer que me sente agora, posso lembrar-me do grande descendente da dinastia Yadu [Kṛṣṇa], o inimigo de Kaṁsa, e com isso posso livrar-me de todo o cativeiro pecaminoso. Acho que isto me é suficiente.”

Os ritos e rituais védicos são compulsórios para os neófitos: oferecer orações três vezes ao dia, tomar banho de madrugada, prestar respeitos aos antepassados, etc. Mas quando alguém está em plena consciência de Kṛṣṇa e ocupa-se em Seu serviço transcendental amoroso, torna-se indiferente a todos estes princípios reguladores porque já alcançou a perfeição. Se através do serviço ao Supremo Senhor Kṛṣṇa, a pessoa pode alcançar a plataforma de compreensão, ela não precisa continuar executando as diferentes classes de penitências e sacrifícios recomendados nas escrituras reveladas. E por outro lado, se a pessoa não compreendeu que o propósito dos Vedas é alcançar Kṛṣṇa e simplesmente ocupa-se nos rituais, etc., então ela está só perdendo tempo nessas ocupações. Quem é consciente de Kṛṣṇa transcende o limite de śabda-brahma, ou a esfera de ação dos Vedas e Upaniṣads.

Texto

śruti-vipratipannā te
yadā sthāsyati niścalā
samādhāv acalā buddhis
tadā yogam avāpsyasi

Sinônimos

śruti — da revelação védica; vipratipannā — sem se influenciar pelos resultados fruitivos; te — sua; yadā — quando; sthāsyati — permanece; niścalā — imóvel; samādhau — em consciência transcendental ou consciência de Kṛṣṇa; acalā — fixa; buddhiḥ — inteligência; tadā — então; yogam — auto-realização; avāpsyasi — alcançará.

Tradução

Quando sua mente deixar de perturbar-se pela linguagem florida dos Vedas, e quando se fixar no transe da auto-realização, você então terá atingido a consciência divina.

Comentário

Dizer que alguém está em samādhi é dizer que ele compreendeu plenamente a consciência de Kṛṣṇa; isto é, quem está em pleno samādhi compreende o que é Brahman, Paramātmā e Bhagavān. Alcança a maior perfeição da auto-realização quem entende que é servo eterno de Kṛṣṇa e que sua única obrigação é cumprir seus deveres em consciência de Kṛṣṇa. A pessoa consciente de Kṛṣṇa, ou o devoto inabalável do Senhor, não deve se deixar perturbar pela linguagem florida dos Vedas nem deve ocupar-se em atividades fruitivas para promoção ao reino celestial. Na consciência de Kṛṣṇa, entra-se em comunhão direta com Kṛṣṇa, e assim todas as instruções de Kṛṣṇa podem ser entendidas neste estado transcendental. É certo que se alcançarão resultados por meio destas atividades e se obterá conhecimento conclusivo. Tudo o que se tem a fazer é executar as ordens de Kṛṣṇa ou de Seu representante, o mestre espiritual.

Texto

arjuna uvāca
sthita-prajñasya kā bhāṣā
samādhi-sthasya keśava
sthita-dhīḥ kiṁ prabhāṣeta
kim āsīta vrajeta kim

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; sthita-prajñasya — de alguém que está situado fixamente em consciência de Kṛṣṇa; — qual; bhāṣā — linguagem; samādhi-sthasya — de alguém situado em transe; keśava — ó Kṛṣṇa; sthita-dhīḥ — alguém fixo em consciência de Kṛṣṇa; kim — que; prabhāṣeta — fala; kim — como; āsīta — permanece parado; vrajeta — anda; kim — como.

Tradução

Arjuna disse: Ó Kṛṣṇa, quais são os sintomas daquele cuja consciência está absorta nessa transcendência? Como ele fala, e qual é sua linguagem? Como ele se senta e como ele caminha?

Comentário

Assim como existem sintomas que caracterizam toda e qualquer pessoa em função de sua situação específica, de modo semelhante, aquele que é consciente de Kṛṣṇa tem sua natureza particular — a maneira de falar, andar, pensar, sentir, etc. Assim como um homem rico tem sintomas pelos quais é reconhecido como rico, assim como um doente tem os sintomas pelos quais é reconhecido como doente, ou um erudito tem seus sintomas, da mesma forma, um homem em consciência transcendental de Kṛṣṇa tem sintomas específicos ao desempenhar suas várias atividades. Quem recorre ao Bhagavad-gītā pode conhecer seus sintomas específicos. O mais importante é como o homem em consciência de Kṛṣṇa fala, pois a fala é a qualidade mais importante de qualquer pessoa. Diz-se que, enquanto não fala, o tolo não é descoberto, e decerto, caso não fale, um tolo bem vestido talvez não seja identificado, mas assim que fala, ele logo se revela. O sintoma imediato de um homem consciente de Kṛṣṇa é que ele só fala de Kṛṣṇa e de assuntos relacionados com Ele. Outros sintomas virão automaticamente, como se declara a seguir.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
prajahāti yadā kāmān
sarvān pārtha mano-gatān
ātmany evātmanā tuṣṭaḥ
sthita-prajñas tadocyate

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; prajahāti — ele renuncia; yadā — quando; kāmān — desejos de gozo dos sentidos; sarvān — de todas as variedades; pārtha — ó filho de Pṛthā; manaḥ-gatān — de invenção mental; ātmani — no estado puro da alma; eva — decerto; ātmanā — com mente purificada; tuṣṭaḥ — satisfeito; sthita-prajñaḥ — situado transcendentalmente; tadā — então; ucyate — diz-se.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó Pārtha, quando alguém desiste de todas as variedades de desejo para o prazer dos sentidos, os quais surgem da trama mental, e quando a sua mente, assim purificada, encontra satisfação apenas no eu, então, diz-se que ele está em consciência transcendental pura.

Comentário

O Bhāgavatam afirma que alguém que esteja em plena consciência de Kṛṣṇa, ou em serviço devocional ao Senhor, tem todas as boas qualidades dos grandes sábios, ao passo que outros que não estejam situados nesta transcendência não têm boas qualificações, porque na certa estão refugiando-se em suas próprias tramas mentais. Em conseqüência, aqui se diz corretamente que se devem abandonar todas as espécies de desejos sensoriais produzidos pela trama mental. Artificialmente, não se podem reprimir os desejos sensoriais. Mas se a pessoa se ocupa em consciência de Kṛṣṇa, então, é natural que os desejos dos sentidos cedam sem maior esforço. Portanto, devemos nos ocupar em consciência de Kṛṣṇa sem hesitação, pois este serviço devocional nos ajudará a alcançar de imediato a plataforma da consciência transcendental. A alma altamente desenvolvida fica sempre satisfeita em si mesma, compreendendo que ela é um servo eterno do Senhor Supremo. Tal pessoa transcendentalmente situada não tem desejos sensoriais resultantes do reles materialismo; ao contrário, ela sempre fica feliz na sua posição natural de servo eterno do Senhor Supremo.

Texto

duḥkheṣv anudvigna-manāḥ
sukheṣu vigata-spṛhaḥ
vīta-rāga-bhaya-krodhaḥ
sthita-dhīr munir ucyate

Sinônimos

duḥkheṣu — nas três classes de misérias; anudvigna-manāḥ — sem ser agitado na mente; sukheṣu — em felicidade; vigata-spṛhaḥ — sem estar interessado; vīta — livre de; rāga — apego; bhaya — medo; krodhaḥ — e ira; sthita-dhīḥ — cuja mente é estável; muniḥ — um sábio; ucyate — chama-se.

Tradução

Aquele cuja mente não é perturbada mesmo estando rodeado das três classes de misérias, e nem se exalta quando há felicidade, e que está livre do apego, do medo e da ira, é chamado um sábio de mente estável.

Comentário

A palavra muni significa alguém que pode agitar sua mente de diversos modos através da especulação mental sem chegar a uma conclusão definitiva. Diz-se que cada muni tem um ponto de vista diferente, e se um muni não diferir de outros munis, ele não poderá ser chamado muni no sentido estrito do termo. Nāsāv ṛṣir yasya mataṁ na bhinnam (Mahābhārata, Vana-parva 313.117). Mas o sthita-dhīr muni, como é mencionado nesta passagem pelo Senhor, é diferente de um muni comum. O sthita-dhīr muni está sempre em consciência de Kṛṣṇa, porque ele esgotou todas as suas atividades relacionadas com a especulação criativa. Ele é chamado praśānta-niḥśeṣa-mano-rathāntara (Stotra-ratna 43), ou alguém que ultrapassou a fase de especulações mentais e chegou à conclusão de que o Senhor Śrī Kṛṣṇa, ou Vāsudeva, é tudo (vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā su-durlabhaḥ). Ele é chamado um muni cuja mente é fixa. Tal pessoa em plena consciência de Kṛṣṇa não se deixa perturbar em absoluto pelas investidas das três classes de misérias, pois aceita todas as misérias como misericórdia do Senhor, e considera-se merecedora de ainda mais sofrimentos devido a suas más ações passadas; e ela vê que suas misérias são reduzidas ao mínimo, pela graça do Senhor. Do mesmo modo, quando se sente feliz, ela reconhece que isto é obra do Senhor, e considera-se indigna de receber tal felicidade; ela entende que é devido apenas à graça do Senhor que ela está numa condição confortável e é capaz de prestar melhor serviço ao Senhor. E, em prol do serviço ao Senhor, ela é sempre ousada e ativa e não se influencia por apego ou aversão. Apego significa aceitar as coisas para o prazer dos próprios sentidos, e desapego é a ausência desse apego sensual. Mas quem é fixo em consciência de Kṛṣṇa não tem apego nem desapego porque dedica sua vida a servir ao Senhor. Portanto, ele não fica nem um pouco zangado mesmo quando seus esforços não são bem-sucedidos. Ocorra sucesso ou fracasso, quem é consciente de Kṛṣṇa está sempre fixo em sua determinação.

Texto

yaḥ sarvatrānabhisnehas
tat tat prāpya śubhāśubham
nābhinandati na dveṣṭi
tasya prajñā pratiṣṭhitā

Sinônimos

yaḥ — aquele que; sarvatra — em todo lugar; anabhisnehaḥ — sem afeição; tat — isso; tat — isso; prāpya — alcançando; śubha — bem; aśubham — mal; na — nunca; abhinandati — louva; na — nunca; dveṣṭi — ele inveja; tasya — seu; prajñā — conhecimento perfeito; pratiṣṭhitā — fixo.

Tradução

No mundo material, quem não se deixa afetar pelo bem nem pelo mal que venha a obter, sem louvá-lo nem desprezá-lo, está firmemente fixo em conhecimento perfeito.

Comentário

No mundo material, há sempre algum abalo que pode ser bom ou mau. Deve-se compreender que quem não se deixa agitar por esses abalos materiais, que não se deixa afetar pelo bem nem pelo mal, está fixo em consciência de Kṛṣṇa. Enquanto vivermos no mundo material, haverá sempre a possibilidade do bem e do mal porque este mundo está cheio de dualidades. Mas quem está fixo em consciência de Kṛṣṇa não é afetado pelo bem nem pelo mal, porque ele só tem interesse em Kṛṣṇa, que é o bem total absoluto. Tal consciência centrada em Kṛṣṇa põe a pessoa numa posição transcendental perfeita chamada, tecnicamente, de samādhi.

Texto

yadā saṁharate cāyaṁ
kūrmo ’ṅgānīva sarvaśaḥ
indriyāṇīndriyārthebhyas
tasya prajñā pratiṣṭhitā

Sinônimos

yadā — quando; saṁharate — recolhe; ca — também; ayam — ele; kūrmaḥ — tartaruga; aṅgāni — membros; iva — como; sarvaśaḥ — completamente; indriyāṇi — sentidos; indriya-arthebhyaḥ — dos objetos dos sentidos; tasya — sua; prajñā — consciência; pratiṣṭhitā — fixa.

Tradução

Aquele que é capaz de retirar seus sentidos dos objetos dos sentidos, assim como a tartaruga recolhe seus membros para dentro do casco, está firmemente fixo em consciência perfeita.

Comentário

Conhece-se um yogī, devoto, ou alma auto-realizada quando ele é capaz de controlar os sentidos conforme seu plano. A maioria das pessoas são, porém, servas dos sentidos e, portanto, seguem tudo aquilo que os sentidos ditam. Esta é a resposta à questão formulada por alguém que quer identificar o comportamento do yogī. Os sentidos são comparados a serpentes venenosas. Eles querem agir bem à vontade e sem restrição. O yogī, ou devoto, deve ser muito forte para controlar as serpentes como um encantador de serpentes. Ele nunca lhes permite agir independentemente. Há muitos preceitos nas escrituras reveladas: alguns proíbem e outros mandam certas ações. A não ser que alguém seja capaz de seguir as ordens e proibições, abstendo-se do gozo dos sentidos, não lhe será possível estar firmemente fixo em consciência de Kṛṣṇa. O melhor exemplo, apresentado nesta passagem, é o da tartaruga. A tartaruga pode a qualquer momento recolher seus sentidos e voltar a manifestá-los a qualquer hora com objetivos específicos. Da mesma forma, os sentidos das pessoas conscientes de Kṛṣṇa são usados somente para alguma finalidade específica, aplicados no serviço do Senhor, caso contrário, elas os recolhem. Aqui, Arjuna está sendo ensinado a usar seus sentidos no serviço do Senhor, e não para a sua própria satisfação. Com essa analogia, em que a tartaruga conserva dentro de si os sentidos, aprende-se a manter os sentidos sempre no serviço do Senhor.

Texto

viṣayā vinivartante
nirāhārasya dehinaḥ
rasa-varjaṁ raso ’py asya
paraṁ dṛṣṭvā nivartate

Sinônimos

viṣayāḥ — objetos para gozo dos sentidos; vinivartante — refreiam-se pela prática; nirāhārasya — de restrições negativas; dehinaḥ — para o corporificado; rasa-varjam — abandonando o gosto; rasaḥ — sentido de prazer; api — embora haja; asya — dele; param — coisas muito superiores; dṛṣṭvā — experimentando; nivartate — ele deixa de.

Tradução

A alma encarnada pode restringir-se do prazer dos sentidos, embora o gosto pelos objetos dos sentidos permaneça. Porém, interrompendo tais ocupações ao experimentar um gosto superior, ela fixa-se em consciência.

Comentário

Se a pessoa não se situar transcendentalmente, não lhe será possível evitar o desfrute dos sentidos. O processo de restrição do gozo dos sentidos por meio de regras e regulações é algo como restringir um doente de certos tipos de comestíveis. O paciente, porém, nem gosta destas restrições nem perde o interesse pelos alimentos. Do mesmo modo, a restrição dos sentidos por meio de algum processo espiritual como aṣṭāṅga-yoga, em conexão com yama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna, etc., é recomendada a pessoas menos inteligentes que não tenham um conhecimento melhor. Mas quem, no curso de seu progresso na consciência de Kṛṣṇa, experimentou a beleza do Supremo Senhor Kṛṣṇa perde o gosto por coisas materiais mortas. Portanto, as restrições valem para os neófitos menos inteligentes no progresso da vida espiritual, mas essas restrições só valem até o ponto de se adquirir gosto pela consciência de Kṛṣṇa. Quando se é de fato consciente de Kṛṣṇa, automaticamente perde-se o gosto por coisas insípidas.

Texto

yatato hy api kaunteya
puruṣasya vipaścitaḥ
indriyāṇi pramāthīni
haranti prasabhaṁ manaḥ

Sinônimos

yatataḥ — enquanto se esforça; hi — decerto; api — apesar de; kaunteya — ó filho de Kuntī; puruṣasya — de um homem; vipaścitaḥ — pleno de conhecimento discriminativo; indriyāṇi — os sentidos; pramāthīni — agitando; haranti — jogam; prasabham — à força; manaḥ — a mente.

Tradução

Os sentidos são tão fortes e impetuosos, ó Arjuna, que arrebatam à força até mesmo a mente de um homem de discriminação que se esforça por controlá-los.

Comentário

Há muitos sábios, filósofos e transcendentalistas eruditos que tentam subjugar os sentidos, mas, apesar de seus esforços, mesmo os maiores deles, impelidos pela mente agitada, às vezes caem vítima da gratificação dos sentidos materiais. Mesmo Viśvāmitra, um grande sábio e yogī perfeito, foi enganado por Menakā para desfrutar de prazer sexual, embora o yogī estivesse se esforçando por controlar os sentidos com rigorosas espécies de penitências e com a prática de yoga. E há naturalmente na história do mundo tantos casos semelhantes. Portanto, quando não se tem plena consciência de Kṛṣṇa, é muito difícil controlar a mente e os sentidos. Sem ocupar a mente em Kṛṣṇa, não se pode parar tais ocupações materiais. Um exemplo prático é dado por Śrī Yāmunācārya, um grande santo e devoto, que diz:

yad-avadhi mama cetaḥ kṛṣṇa-pādāravinde
nava-nava-rasa-dhāmany udyataṁ rantum āsīt
tad-avadhi bata nārī-saṅgame smaryamāne
bhavati mukha-vikāraḥ suṣṭhu niṣṭhīvanaṁ ca

“Desde o momento em que minha mente passou a ocupar-se no serviço aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, e passei a sentir um prazer transcendental que se renova a cada instante, sempre que penso em vida sexual com uma mulher, meu rosto imediatamente olha para outra direção e cuspo no pensamento.”

A consciência de Kṛṣṇa é um fenômeno tão transcendentalmente bom que graças a ela o prazer material torna-se desagradável de imediato. É como se um homem faminto tivesse satisfeito a fome com suficiente quantidade de alimentos nutritivos. Mahārāja Ambarīṣa também derrotou um grande yogī, Durvāsā Muni, só porque sua mente estava ocupada em consciência de Kṛṣṇa (sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayor vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane).

Texto

tāni sarvāṇi saṁyamya
yukta āsīta mat-paraḥ
vaśe hi yasyendriyāṇi
tasya prajñā pratiṣṭhitā

Sinônimos

tāni — esses sentidos; sarvāṇi — todos; saṁyamya — mantendo sob controle; yuktaḥ — ocupado; āsīta — deve estar situado; mat-paraḥ — em relação comigo; vaśe — em completa sujeição; hi — decerto; yasya — aquele cujos; indriyāṇi — sentidos; tasya — sua; prajñā — consciência; pratiṣṭhitā — fixa.

Tradução

Aquele que restringe seus sentidos, mantendo-os sob completo controle, e fixa sua consciência em Mim, é conhecido como um homem de inteligência estável.

Comentário

Neste verso, fica claro que a concepção mais elevada da perfeição da yoga é a consciência de Kṛṣṇa. E se a pessoa não for consciente de Kṛṣṇa, não lhe será absolutamente possível controlar os sentidos. Como foi citado acima, o grande sábio Durvāsā Muni teve um desentendimento com Mahārāja Ambarīṣa, e devido ao orgulho, Durvāsā Muni acabou se zangando à toa, e portanto não pôde controlar os sentidos. Por outro lado, o rei, embora não fosse um yogī tão poderoso como o sábio, mas um simples devoto do Senhor, tolerou calado todas as injustiças do sábio e por isso saiu vitorioso. O rei foi capaz de controlar os sentidos por causa das seguintes qualificações, mencionadas no Śrīmad-Bhāgavatam (9.4.18-20):

sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayor
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
mukunda-liṅgālaya-darśane dṛśau
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
pādau hareḥ kṣetra-padānusarpaṇe
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottama-śloka-janāśrayā ratiḥ

“O rei Ambarīṣa fixou sua mente nos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, ocupou suas palavras em descrever a morada do Senhor, suas mãos em limpar o templo do Senhor, seus ouvidos em ouvir os passatempos do Senhor, seus olhos em ver a forma do Senhor, seu corpo em tocar o corpo do devoto, suas narinas em cheirar o aroma das flores oferecidas aos pés de lótus do Senhor, sua língua em saborear as folhas de tulasī oferecidas a Ele, suas pernas em viajar para o lugar santo onde Seu templo está situado, sua cabeça em oferecer reverências ao Senhor, e seus desejos em cumprir os desejos do Senhor... e todas estas qualificações fizeram-no apto a tornar-se um devoto mat-para do Senhor.”

A palavra mat-para é muito importante neste contexto. Estudando a vida de Mahārāja Ambarīṣa, aprendemos como tornar-nos mat-para. Śrīla Baladeva Vidyābhūṣaṇa, um grande erudito e ācārya na linha mat-para, assinala que mad-bhakti-prabhāvena sarvendriya-vijaya-pūrvikā svātma-dṛṣṭiḥ sulabheti bhāvaḥ. “Só iremos controlar os sentidos por completo à força do serviço devocional a Kṛṣṇa.” Também às vezes se dá como exemplo o fogo. “Como o fogo ardente queima tudo dentro de uma sala, o Senhor Viṣṇu, situado no coração do yogī, queima todas as espécies de impurezas.” O Yoga-sūtra também prescreve meditação em Viṣṇu, e não meditação no vazio. Os pretensos yogīs que meditam em algo diferente de Viṣṇu simplesmente desperdiçam seu tempo numa busca inútil de alguma fantasmagoria. Temos de ser conscientes de Kṛṣṇa — devotados à Personalidade de Deus. Esta é a meta da verdadeira yoga.

Texto

dhyāyato viṣayān puṁsaḥ
saṅgas teṣūpajāyate
saṅgāt sañjāyate kāmaḥ
kāmāt krodho ’bhijāyate

Sinônimos

dhyāyataḥ — enquanto contempla; viṣayān — os objetos dos sentidos; puṁsaḥ — de uma pessoa; saṅgaḥ — apego; teṣu — nos objetos dos sentidos; upajāyate — desenvolve-se; saṅgāt — do apego; sañjāyate — desenvolve-se; kāmaḥ — desejo; kāmāt — do desejo; krodhaḥ — ira; abhijāyate — manifesta-se.

Tradução

Enquanto contempla os objetos dos sentidos, a pessoa desenvolve apego a eles, e de tal apego se desenvolve a luxúria, e da luxúria surge a ira.

Comentário

Alguém que não é consciente de Kṛṣṇa sujeita-se a desejos materiais enquanto contempla os objetos dos sentidos. Os sentidos precisam de verdadeira ocupação, e se não estiverem ocupados no serviço transcendental amoroso ao Senhor, eles decerto procurarão ocupar-se a serviço do materialismo. No mundo material, todos, incluindo o Senhor Śiva e o Senhor Brahmā — sem mesmo precisar mencionar outros semideuses nos planetas celestiais — estão sujeitos à influência dos objetos dos sentidos, e o único método para sair deste labirinto da existência material é tornar-se consciente de Kṛṣṇa. O Senhor Śiva estava meditando profundamente, mas quando Pārvatī agitou-o para o prazer sensual, ele concordou com a proposta, e em conseqüência nasceu Kārtikeya. Quando era um jovem devoto do Senhor, Haridāsa Thākura foi igualmente tentado pela encarnação de Māyā-devī, mas Haridāsa passou facilmente no teste devido à sua devoção imaculada pelo Senhor Kṛṣṇa. Conforme ilustra o verso acima mencionado de Śrī Yāmunācārya, um devoto sincero do Senhor evita todo o gozo dos sentidos materiais devido a seu gosto superior pelo prazer espiritual na companhia do Senhor. Este é o segredo do sucesso. Portanto, quem não está em consciência de Kṛṣṇa, por mais que possa controlar os sentidos através da repressão artificial, com certeza acabará fracassando, pois o menor pensamento de prazer dos sentidos o agitará e buscará satisfazer seus desejos.

Texto

krodhād bhavati sammohaḥ
sammohāt smṛti-vibhramaḥ
smṛti-bhraṁśād buddhi-nāśo
buddhi-nāśāt praṇaśyati

Sinônimos

krodhāt — da ira; bhavati — ocorre; sammohaḥ — ilusão perfeita; sammohāt — da ilusão; smṛti — da memória; vibhramaḥ — confusão; smṛti-bhraṁśāt — depois da confusão da memória; buddhi-nāśaḥ — perda da inteligência; buddhi-nāśāt — e da perda da inteligência; praṇaśyati — a pessoa cai.

Tradução

Da ira, surge completa ilusão, e da ilusão, a confusão da memória. Quando a memória está confusa, perde-se a inteligência, e ao perder a inteligência, cai-se de novo no poço material.

Comentário

Śrīla Rūpa Gosvāmī nos deu esta orientação:

prāpañcikatayā buddhyā
hari-sambandhi-vastunaḥ
mumukṣubhiḥ parityāgo
vairāgyaṁ phalgu kathyate

(Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.258)

Pelo desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa, entendemos que tudo tem sua utilidade no serviço do Senhor. Aqueles que estão sem conhecimento da consciência de Kṛṣṇa tentam evitar artificialmente os objetos materiais, e como resultado, embora desejem libertar-se do cativeiro material, eles não atingem a perfeita fase de renúncia. Sua aparente renúncia chama-se phalgu, ou menos importante. Por outro lado, quem é consciente de Kṛṣṇa sabe como usar tudo a serviço do Senhor; por isso, não se torna vítima da consciência material. Por exemplo, para um impersonalista, o Senhor, ou o Absoluto, sendo impessoal, não pode comer. Enquanto um impersonalista tenta evitar os bons comestíveis, o devoto sabe que Kṛṣṇa é o desfrutador supremo e que Ele come tudo o que Lhe é oferecido com devoção. Assim, após oferecer alimentos saborosos ao Senhor, o devoto aceita os restos, chamados prasādam. Assim, tudo fica espiritualizado, e não há o perigo de uma queda. O devoto toma prasādam em consciência de Kṛṣṇa, ao passo que o não-devoto a rejeita, por considerá-la material. Portanto, devido à sua renúncia artificial, o impersonalista não pode gozar a vida, e por esta razão, uma leve agitação da mente volta a arrastá-lo para o poço da existência material. Diz-se que tal alma, mesmo que se eleve até atingir a liberação, torna a cair porque não pratica o serviço devocional.

Texto

rāga-dveṣa-vimuktais tu
viṣayān indriyaiś caran
ātma-vaśyair vidheyātmā
prasādam adhigacchati

Sinônimos

rāga — apego; dveṣa — e desapego; vimuktaiḥ — pela pessoa que se libertou de; tu — mas; viṣayān — objetos dos sentidos; indriyaiḥ — através dos sen- tidos; caran — agindo sobre; ātma-vaśyaiḥ — sob o controle da pessoa; vidheya-ātmā — aquele que segue a liberdade regulada; prasādam — a misericórdia do Senhor; adhigacchati — alcança.

Tradução

Aquele que livre de todo apego e aversão é capaz de controlar seus sentidos através dos princípios regulativos da liberdade pode obter a misericórdia completa do Senhor.

Comentário

Já foi explicado que alguém pode aparentemente controlar os sentidos mediante algum processo artificial, mas se os sentidos não estiverem ocupados no serviço transcendental ao Senhor, há toda a possibilidade de uma queda. Embora a pessoa em plena consciência de Kṛṣṇa possa dar a impressão de que está no plano sensual, por ser consciente de Kṛṣṇa, ela não tem apego às atividades sensuais. Quem é consciente de Kṛṣṇa só se preocupa com a satisfação de Kṛṣṇa, e nada mais. Portanto, é transcendental a todo apego e desapego. Se Kṛṣṇa quer, o devoto pode fazer qualquer coisa que normalmente é indesejável; e se Kṛṣṇa não quer, ele deixa de fazer aquilo que normalmente teria feito para a sua própria satisfação. Portanto, agir ou não agir está dentro do seu controle porque ele age somente sob a direção de Kṛṣṇa. Tal consciência deve-se à misericórdia imotivada do Senhor, e o devoto pode obtê-la apesar de estar preso à plataforma sensual.

Texto

prasāde sarva-duḥkhānāṁ
hānir asyopajāyate
prasanna-cetaso hy āśu
buddhiḥ paryavatiṣṭhate

Sinônimos

prasāde — na obtenção da misericórdia imotivada do Senhor; sarva — de todas; duḥkhānām — misérias materiais; hāniḥ — destruição; asya — dele; upajāyate — ocorre; prasanna-cetasaḥ — daquele que tem a mente feliz; hi — decerto; āśu — muito em breve; buddhiḥ — inteligência; pari — suficientemente; avatiṣṭhate — estabelece-se.

Tradução

Para alguém assim satisfeito [na consciência de Kṛṣṇa], as três classes de misérias da existência material deixam de existir; nesta consciência jubilosa, a inteligência logo se torna resoluta.

Texto

nāsti buddhir ayuktasya
na cāyuktasya bhāvanā
na cābhāvayataḥ śāntir
aśāntasya kutaḥ sukham

Sinônimos

na asti — não pode haver; buddhiḥ — inteligência transcendental; ayuktasya — de quem não está vinculado (à consciência de Kṛṣṇa); na — não; ca — e; ayuktasya — da pessoa carente de consciência de Kṛṣṇa; bhāvanā — mente fixa (na felicidade); na — não; ca — e; abhāvayataḥ — da pessoa que não está fixa; śāntiḥ — paz; aśāntasya — do não pacífico; kutaḥ — onde está; sukham — felicidade.

Tradução

Quem não está vinculado ao Supremo [em consciência de Kṛṣṇa] não pode ter inteligência transcendental nem mente estável, sem as quais não há possibilidade de paz. E como pode haver alguma felicidade sem paz?

Comentário

Se a pessoa não está em consciência de Kṛṣṇa, não há possibilidade de paz. Assim, confirma-se no Quinto Capítulo (5.29) que quando alguém entende que Kṛṣṇa é o único desfrutador de todos os bons resultados advindos dos sacrifícios e penitências, que Ele é o proprietário de todas as manifestações universais, e que Ele é o verdadeiro amigo de todas as entidades vivas, somente então é que se pode ter verdadeira paz. Logo, se a pessoa não for consciente de Kṛṣṇa, sua mente não pode ter uma meta final. A perturbação deve-se à falta de um objetivo último, e quando se sabe que Kṛṣṇa é o desfrutador e proprietário de tudo e o amigo de todos, então é possível, com uma mente estável, conseguir paz. Portanto, alguém cuja ocupação não tem relação com Kṛṣṇa, decerto vive aflito e sem achar paz por mais que ele simule uma vida pacífica e com progresso espiritual. A consciência de Kṛṣṇa é uma condição pacífica que se manifesta espontaneamente e que só pode ser alcançada na relação com Kṛṣṇa.

Texto

indriyāṇāṁ hi caratāṁ
yan mano ’nuvidhīyate
tad asya harati prajñāṁ
vāyur nāvam ivāmbhasi

Sinônimos

indriyāṇām — dos sentidos; hi — decerto; caratām — enquanto vagueiam; yat — com o qual; manaḥ — a mente; anuvidhīyate — ocupa-se constantemente; tat — que; asya — dele; harati — leva embora; prajñām — inteligência; vāyuḥ — vento; nāvam — um barco; iva — como; ambhasi — na água.

Tradução

Assim como um barco na água é arrastado por um vento forte, até mesmo um só dos sentidos errantes em que a mente se concentre pode arrebatar a inteligência do homem.

Comentário

A não ser que todos os sentidos ocupem-se no serviço do Senhor, mesmo um só deles ocupado no prazer dos sentidos pode desviar o devoto do caminho do avanço transcendental. Como se menciona na vida de Mahārāja Ambarīṣa, todos os sentidos devem estar empregados na consciência de Kṛṣṇa, pois esta é a técnica correta para controlar a mente.

Texto

tasmād yasya mahā-bāho
nigṛhītāni sarvaśaḥ
indriyāṇīndriyārthebhyas
tasya prajñā pratiṣṭhitā

Sinônimos

tasmāt — portanto; yasya — de quem; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; nigṛhītāni — assim restringidos; sarvaśaḥ — completamente; indriyāṇi — os sentidos; indriya-arthebhyaḥ — dos objetos dos sentidos; tasya — sua; prajñā — inteligência; pratiṣṭhitā — fixa.

Tradução

Portanto, ó pessoa de braços poderosos, o indivíduo cujos sentidos são restringidos de seus objetos com certeza tem uma inteligência estável.

Comentário

Podem-se refrear as forças do desfrute dos sentidos somente por meio da consciência de Kṛṣṇa, ou ocupando todos os sentidos no serviço transcendental amoroso ao Senhor. Assim como os inimigos são dominados por uma força superior, do mesmo modo, os sentidos podem ser refreados, não por algum esforço humano, mas apenas mantendo-os ocupados no serviço ao Senhor. Quem entendeu isto — que só pela consciência de Kṛṣṇa a pessoa se estabelece de fato em inteligência e que se deve praticar esta arte sob a orientação de um mestre espiritual genuíno — é chamado sādhaka, ou um forte candidato à liberação.

Texto

yā niśā sarva-bhūtānāṁ
tasyāṁ jāgarti saṁyamī
yasyāṁ jāgrati bhūtāni
sā niśā paśyato muneḥ

Sinônimos

— o que; niśā — é noite; sarva — todas; bhūtānām — das entidades vivas; tasyām — nesta; jāgarti — está desperto; saṁyamī — o autocontrolado; yasyām — em que; jāgrati — estão despertos; bhūtāni — todos os seres; — isto é; niśā — noite; paśyataḥ — para o introspectivo; muneḥ — sábio.

Tradução

O que é noite para todos os seres é a hora de despertar para o autocontrolado; e a hora de despertar para todos os seres é noite para o sábio introspectivo.

Comentário

Há duas classes de homens inteligentes. Uma é inteligente em atividades materiais que visam o prazer dos sentidos, e a outra é introspectiva e voltada para o cultivo da auto-realização. As atividades do sábio introspectivo, ou do homem inquisitivo, são noite para quem está absorto na vida material. Os materialistas ficam dormindo em tal noite devido à ignorância da auto-realização. O sábio introspectivo fica alerta na “noite” dos homens materialistas. O sábio sente prazer transcendental em progredir gradualmente na cultura espiritual, ao passo que o homem imerso em atividades materialistas, estando adormecido para a auto-realização, sonha com muitas variedades de prazeres dos sentidos, ficando ora feliz ora infeliz em sua condição onírica. O homem introspectivo está sempre indiferente à felicidade e à aflição materiais. Ele prossegue com suas atividades de auto-realização, sem se deixar perturbar com as reações materiais.

Texto

āpūryamāṇam acala-pratiṣṭhaṁ
samudram āpaḥ praviśanti yadvat
tadvat kāmā yaṁ praviśanti sarve
sa śāntim āpnoti na kāma-kāmī

Sinônimos

āpūryamāṇam — sempre sendo enchido; acala-pratiṣṭham — situado firmemente; samudram — o oceano; āpaḥ — águas; praviśanti — entram; yadvat — como; tadvat — assim; kāmāḥ — desejos; yam — a quem; praviśanti — entram; sarve — todos; saḥ — esta pessoa; śāntim — paz; āpnoti — alcança; na — não; kāma-kāmī — alguém que deseja satisfazer os desejos.

Tradução

Aquele que não se perturba com o incessante fluxo dos desejos — que entram como os rios no oceano, o qual está sempre sendo enchido mas sempre permanece calmo — pode alcançar a paz, e não o homem que se esforça para satisfazer tais desejos.

Comentário

Embora esteja sempre cheio d’água, o vasto oceano está sempre, especialmente durante a estação das chuvas, recebendo água e mais água. Mas o oceano continua o mesmo — estável; ele não se agita, nem vai além do limite de sua orla. Isto também se aplica a uma pessoa fixa em consciência de Kṛṣṇa. Enquanto tivermos um corpo material, as demandas do corpo para a gratificação dos sentidos continuarão. O devoto, porém, não se perturba com estes desejos, devido à sua satisfação plena. Um homem consciente de Kṛṣṇa não precisa de nada, porque o Senhor satisfaz todas as suas necessidades materiais. Por isso, ele é como o oceano — sempre completo em si mesmo. Os desejos talvez o assediem assim como as águas dos rios que correm para o oceano, mas ele é estável em suas atividades, e não se perturba nem um pouco com os desejos para a satisfação dos sentidos. Isto caracteriza um homem consciente de Kṛṣṇa — alguém que perdeu toda a inclinação para a satisfação dos sentidos materiais, embora os desejos estejam presentes. Porque permanece satisfeito no serviço transcendental amoroso ao Senhor, ele pode ficar estável, como o oceano, e portanto gozar de uma paz plena. Todavia, outros que, mais do que o simples sucesso material, querem alcançar a satisfação dos desejos até o ponto de liberação, nunca obtêm paz. Os trabalhadores fruitivos, os salvacionistas e também os yogīs que buscam poderes místicos são todos infelizes devido aos desejos não satisfeitos. Mas quem é consciente de Kṛṣṇa sente-se feliz, servindo ao Senhor, e não precisa satisfazer desejo algum. De fato, ele nem ao menos deseja libertar-se do aparente cativeiro material. Os devotos de Kṛṣṇa não têm desejos materiais, e por isso vivem em perfeita paz.

Texto

vihāya kāmān yaḥ sarvān
pumāṁś carati niḥspṛhaḥ
nirmamo nirahaṅkāraḥ
sa śāntim adhigacchati

Sinônimos

vihāya — renunciando; kāmān — desejos materiais de gozo dos sentidos; yaḥ — quem; sarvān — todos; pumān — uma pessoa; carati — vive; niḥspṛhaḥ — sem desejos; nirmamaḥ — livre do sentimento de propriedade; nirahaṅkāraḥ — sem falso ego; saḥ — ele; śāntim — paz perfeita; adhigacchati — alcança.

Tradução

Aquele que abandonou todos os desejos para o prazer dos sentidos, que vive livre de desejos, que abandonou todo o sentimento de propriedade e não tem falso ego — só ele pode conseguir a verdadeira paz.

Comentário

Tornar-se sem desejos significa não desejar nada para o gozo dos sentidos. Em outras palavras, o desejo de tornar-se consciente de Kṛṣṇa é de fato ausência de desejos. Está em perfeita consciência de Kṛṣṇa quem compreende sua verdadeira posição como servo eterno de Kṛṣṇa, sem alegar falsamente que é este corpo material e sem reivindicar indevidamente propriedade sobre algo no mundo. Quem está situado nesta fase perfeita sabe que, como Kṛṣṇa é o proprietário de tudo, tudo deve ser usado para a satisfação de Kṛṣṇa. O fato de Arjuna não querer lutar era porque, evitando a luta, ele satisfaria os próprios sentidos, mas quando se tornou plenamente consciente de Kṛṣṇa, ele lutou porque Kṛṣṇa queria que ele lutasse. Arjuna não tinha desejo de lutar, mas em prol de Kṛṣṇa ele lutou o melhor que pôde. Verdadeira ausência de desejos é desejar satisfazer Kṛṣṇa, e não uma tentativa artificial de abolir os desejos. A entidade viva não pode existir sem desejos ou sem sentidos, mas deve mudar a qualidade dos desejos. Quem não tem desejos materiais sabe com certeza que tudo pertence a Kṛṣṇa (īśāvāsyam idaṁ sarvam), e portanto não alega falsa propriedade sobre coisa alguma. Este conhecimento transcendental baseia-se em auto-realização — ou seja, sabe-se perfeitamente bem que, em sua identidade espiritual, cada ser vivo é parte integrante eterno de Kṛṣṇa, e que, portanto, em sua posição eterna, nunca está no nível de Kṛṣṇa nem é maior do que Ele. Esta compreensão da consciência de Kṛṣṇa é o princípio básico da verdadeira paz.

Texto

eṣā brāhmī sthitiḥ pārtha
naināṁ prāpya vimuhyati
sthitvāsyām anta-kāle ’pi
brahma-nirvāṇam ṛcchati

Sinônimos

eṣā — esta; brāhmī — espiritual; sthitiḥ — situação; pārtha — ó filho de Pṛthā; na — nunca; enām — esta; prāpya — alcançando; vimuhyati — a pessoa fica confusa; sthitvā — estando situada; asyām — nesta; anta-kāle — no fim da vida; api — também; brahma-nirvāṇam — o reino espiritual de Deus; ṛcchati — a pessoa alcança.

Tradução

Este é o caminho de uma vida espiritual e piedosa, e o homem que a alcança não se confunde. Se ele atingir esta posição, mesmo que somente à hora da morte, poderá entrar no reino de Deus.

Comentário

A pessoa pode alcançar a consciência de Kṛṣṇa ou a vida divina imediatamente, num segundo — ou pode não atingir este estado de vida mesmo após milhões de nascimentos. É mera questão de compreender e aceitar o fato. Khaṭvāṅga Mahārāja alcançou este estado de vida apenas alguns minutos antes da morte, rendendo-se a Kṛṣṇa. Nirvāṇa significa cessar o processo de vida materialista. Conforme a filosofia budista, após o término desta vida material, só há vazio, mas o Bhagavad-gītā transmite outro ensinamento. A verdadeira vida começa após acabar-se esta vida material. Para o materialista grosseiro basta saber que este modo de vida materialista um dia acabará, mas para pessoas espiritualmente avançadas, há outra vida após esta vida materialista. Antes do término desta vida, se a pessoa tem a boa fortuna de tornar-se consciente de Kṛṣṇa, ela alcança imediatamente a fase de brahma-nirvāṇa. Não há diferença entre o reino de Deus e o serviço devocional ao Senhor. Como ambos estão no plano absoluto, estar ocupado no serviço transcendental amoroso ao Senhor é o mesmo que atingir o reino espiritual. No mundo material, há atividades para o prazer dos sentidos, ao passo que no mundo espiritual, há atividades em consciência de Kṛṣṇa. Alcançar a consciência de Kṛṣṇa mesmo durante esta vida é atingir imediatamente o Brahman, e alguém situado em consciência de Kṛṣṇa decerto já ingressou no reino de Deus.

Brahman é exatamente o oposto da matéria. Portanto, brāhmī sthiti significa “fora da plataforma de atividades materiais”. O serviço devocional ao Senhor é aceito no Bhagavad-gītā como a fase liberada (sa guṇān samatītyaitān brahma bhūyāya kalpate). Portanto, brāhmī sthiti é o mesmo que liberar-se do cativeiro material.

Śrīla Bhaktivinoda µhākura resume este Segundo Capítulo do Bhagavad-gītā como abrangendo o conteúdo de todo o texto. No Bhagavad-gītā, os temas são karma-yoga, jñāna-yoga e bhakti-yoga. No Segundo Capítulo, discutiu-se claramente karma-yoga e jñāna-yoga, e também foi dado um vislumbre de bhakti-yoga, que formam o conteúdo do texto completo.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Segundo Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā, que trata do Resumo de seu Conteúdo.