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CAPÍTULO DEZ

A Opulência do Absoluto

Texto

śrī-bhagavān uvāca
bhūya eva mahā-bāho
śṛṇu me paramaṁ vacaḥ
yat te ’haṁ prīyamāṇāya
vakṣyāmi hita-kāmyayā

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; bhūyaḥ — novamente; eva — decerto; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; śṛṇu — apenas ouça; me — Minha; paramam — suprema; vacaḥ — instrução; yat — que; te — a você; aham — Eu; prīyamāṇāya — considerando-o querido para Mim; vakṣyāmi — digo; hita-kāmyayā — para seu benefício.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Ouça novamente, ó Arjuna de braços poderosos. Porque você é Meu amigo querido, falarei ainda mais profundamente para o seu benefício, transmitindo-lhe um conhecimento superior a tudo o que já lhe expliquei.

Comentário

Parāśara Muni dá a seguinte explicação sobre a palavra bhagavān: aquele que é pleno em seis opulências, que tem plena força, plena fama, riqueza, conhecimento, beleza e renúncia é Bhagavān ou a Suprema Personalidade de Deus. Enquanto esteve presente nesta Terra, Kṛṣṇa manifestou todas essas seis opulências. Por isso, todos os grandes sábios, tais como Parāśara Muni, aceitaram Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Agora Kṛṣṇa passa a instruir Arjuna no conhecimento mais confidencial, revelando-lhe Suas opulências e Seu trabalho. Anteriormente, começando no Sétimo Capítulo, o Senhor já explicara Suas diferentes energias e como elas agem. Neste capítulo, Ele explica a Arjuna Suas opulências específicas. No capítulo anterior, Ele explicou claramente Suas diferentes energias para estabelecer a devoção com firme convicção. E no ensejo deste capítulo, Ele narra a Arjuna Suas manifestações e várias opulências.

Quanto mais se ouve sobre o Deus Supremo, mais firme se é em serviço devocional. Para ouvir sobre o Senhor, deve-se sempre buscar a associação dos devotos; isto intensificará o serviço devocional. As discussões na sociedade de devotos só podem ocorrer entre aqueles que estão ansiosos pela consciência de Kṛṣṇa. Outros não podem participar de tais conversas. O Senhor é muito enfático ao dizer que, porque Arjuna Lhe é muito querido, essas conversas estão ocorrendo para o benefício dele.

Texto

na me viduḥ sura-gaṇāḥ
prabhavaṁ na maharṣayaḥ
aham ādir hi devānāṁ
maharṣīṇāṁ ca sarvaśaḥ

Sinônimos

na — nunca; me — Minha; viduḥ — conhecem; sura-gaṇāḥ — os semideuses; prabhavam — origem, opulências; na — nunca; mahā-ṛṣayaḥ — os grandes sábios; aham — Eu sou; ādiḥ — a origem; hi — decerto; devānām — dos semideuses; mahā-ṛṣīṇām — dos grandes sábios; ca — também; sarvaśaḥ — em todos os aspectos.

Tradução

Nem a multidão de semideuses nem os grandes sábios conhecem Minha origem ou opulências, pois, sob todos os aspectos, Eu sou a fonte dos semideuses e dos sábios.

Comentário

Como declara o Brahma-saṁhitā, o Senhor Kṛṣṇa é o Senhor Supremo. Ninguém é maior do que Ele, e Ele é a causa de todas as causas. Aqui, o Senhor também afirma pessoalmente que Ele é a causa de todos os semideuses e sábios. Nem mesmo os semideuses e os grandes sábios podem compreender Kṛṣṇa; se eles não podem compreender Seu nome nem Sua personalidade, então, em que situação ficam os supostos eruditos deste minúsculo planeta? Ninguém pode entender por que este Deus Supremo vem à Terra como um ser humano comum e executa atividades tão maravilhosas e incomuns. Deve-se saber, então, que a erudição não é a qualificação necessária para se compreender Kṛṣṇa. Mesmo os semideuses e os grandes sábios tentaram compreender Kṛṣṇa por meio da especulação mental, mas fracassaram neste empreendimento. No Śrīmad-Bhāgavatam também se diz claramente que nem mesmo os grandes semideuses são capazes de compreender a Suprema Personalidade de Deus. Em sua especulação, eles podem ir até onde seus sentidos imperfeitos alcancem e com isso talvez cheguem à conclusão oposta: o impersonalismo, que é algo não manifestado pelas três qualidades da natureza material; ou ainda podem imaginar algo através da especulação mental. Porém, através dessa especulação tola, não é possível compreender Kṛṣṇa.

Se alguém quer conhecer a Verdade Absoluta, aqui o Senhor diz indiretamente que: “Estou aqui presente como a Suprema Personalidade de Deus. Eu sou o Supremo”. Todos devem saber disto. Embora não se possa compreender o Senhor inconcebível presente em pessoa, não obstante, Ele existe. Podemos, de fato, compreender Kṛṣṇa, que é eterno, cheio de bem-aventurança e conhecimento, pelo simples estudo de Suas palavras registradas no Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam. A concepção acerca de Deus como algum poder governante ou como o Brahman impessoal pode ser alcançada por aqueles que estão na energia inferior do Senhor, mas a Personalidade de Deus só poderá ser concebida por quem estiver na posição transcendental.

Como a maioria dos homens não pode compreender Kṛṣṇa em Sua verdadeira situação, devido à Sua misericórdia imotivada Ele desce para mostrar favor a esses especuladores. No entanto, apesar das atividades incomuns do Senhor Supremo, esses especuladores, devido ao fato de terem se contaminado com a energia material, continuam pensando que o Brahman impessoal é o Supremo. Só os devotos que estão plenamente rendidos ao Senhor Supremo podem compreender, pela graça da Suprema Personalidade, que Ele é Kṛṣṇa. Os devotos do Senhor não se dão ao trabalho de fixar-se na concepção de Deus como Brahman impessoal; sua fé e devoção levam-nos a se renderem imediatamente ao Senhor Supremo, pois através da misericórdia imotivada de Kṛṣṇa eles podem então compreender Kṛṣṇa. Nenhuma outra pessoa pode compreendê-lO. Logo, até mesmo os grandes sábios concordam: O que é ātmā, o que é o Supremo? Ele é aquele a quem devemos adorar.

Texto

yo mām ajam anādiṁ ca
vetti loka-maheśvaram
asammūḍhaḥ sa martyeṣu
sarva-pāpaiḥ pramucyate

Sinônimos

yaḥ — qualquer um que; mām — a Mim; ajam — não-nascido; anādim — sem começo; ca — também; vetti — conheça; loka — dos planetas; mahā-īśvaram — o amo supremo; asammūḍhaḥ — não iludido; saḥ — ele; martyeṣu — entre aqueles sujeitos à morte; sarva-pāpaiḥ — de todas as reações pecaminosas; pramucyate — libera-se.

Tradução

Quem Me conhece como o não-nascido, como aquele que não tem começo, como o Senhor Supremo de todos os mundos — somente este, que dentre os homens não se deixa iludir, está livre de todos os pecados.

Comentário

Como se afirma no Sétimo Capítulo (7.3), manuṣyāṇāṁ sahasreṣu kaścid yatati siddhaye: aqueles que estão tentando se elevar à plataforma da compreensão espiritual não são homens comuns, eles são superiores a milhões e milhões de homens comuns que não sabem o que é realização espiritual. No entanto, entre aqueles que realmente tentam compreender sua situação espiritual, quem chegar à compreensão de que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, o proprietário de tudo, o não-nascido, será o mais bem-sucedido em percepção espiritual. Só quando entende na íntegra a posição suprema de Kṛṣṇa, é que poderá se livrar por completo de todas as reações pecaminosas.

Aqui, o Senhor é descrito por intermédio da palavra aja, que significa “não-nascido”, mas Ele é distinto das entidades vivas que o Segundo Capítulo descreve como aja. O Senhor é diferente das entidades vivas que estão nascendo e morrendo devido ao apego material. As almas condicionadas estão mudando de corpos, mas o corpo dEle é imutável. Mesmo quando vem a este mundo material, Ele vem como o mesmíssimo não-nascido; por isso, o Quarto Capítulo afirma que o Senhor, através de Sua potência interna, não está sob a energia material inferior, mas está sempre na energia superior.

Neste verso, as palavras vetti loka-maheśvaram indicam que todos devem procurar saber que o Senhor Kṛṣṇa é o supremo proprietário dos sistemas planetários do Universo. Ele existia antes da criação, e Ele é diferente de Sua criação. Todos os semideuses foram criados dentro deste mundo material, mas com relação a Kṛṣṇa, diz-se que Ele não é criado; portanto, Kṛṣṇa é diferente até mesmo dos grandes semideuses, tais como Brahmā e Śiva. E porque é o criador de Brahmā, Śiva e de todos os outros semideuses, Ele é a Pessoa Suprema de todos os planetas.

Śrī Kṛṣṇa é, portanto, diferente de tudo o que é criado, e qualquer um que O compreenda dessa maneira livra-se de imediato de todas as reações pecaminosas. Para ter conhecimento acerca do Senhor Supremo, é necessário libertar-se de todas as atividades pecaminosas. Como se declara no Bhagavad-gītā, Ele só pode ser conhecido através do serviço devocional, e não por nenhum outro meio.

Ninguém deve tentar entender Kṛṣṇa como se Ele fosse um ser humano. Como se afirmou anteriormente, só um tolo iria pensar que Ele é um ser humano. Isto volta a se expressar aqui de modo diferente. O homem que não é tolo, que é inteligente o bastante para compreender a posição constitucional da Divindade, estará sempre livre de todas as reações pecaminosas.

Se Kṛṣṇa é conhecido como o filho de Devakī, então, como pode Ele ser não-nascido? Isto também é explicado no Śrīmad-Bhāgavatam: Ao aparecer diante de Devakī e Vasudeva, Ele não nasceu como uma criança comum; Ele apareceu sob Sua forma original, e depois Se transformou numa criança comum.

Tudo o que é feito sob a direção de Kṛṣṇa é transcendental e não se contamina com reações materiais, que podem ser auspiciosas ou inauspiciosas. A concepção segundo a qual há coisas auspiciosas e inauspiciosas no mundo material é mais ou menos uma invenção mental porque não há nada auspicioso no mundo material. Tudo é inauspicioso porque a própria natureza material é inauspiciosa. Apenas imaginamos que algo é auspicioso. A verdadeira prosperidade depende de atividades que, em consciência de Kṛṣṇa, são plenas em devoção e serviço. Portanto, se realmente quisermos que nossas atividades sejam auspiciosas, então devemos trabalhar sob as instruções do Senhor Supremo. Essas instruções estão registradas em escrituras autorizadas, tais como o Śrīmad-Bhāgavatam e o Bhagavad-gītā, ou são transmitidas através de um mestre espiritual genuíno. Porque o mestre espiritual é o representante do Senhor Supremo, sua instrução é diretamente a mesma do Senhor Supremo. O mestre espiritual, as pessoas santas e as escrituras dão a mesma orientação. Não há contradição nestas três fontes. Todas as ações feitas sob esta guia estão livres das reações de atividades piedosas ou impiedosas deste mundo material. A atitude transcendental adotada pelo devoto que executa atividades é de verdadeira renúncia, e isto se chama sannyāsa. Como se declara no primeiro verso do Sexto Capítulo do Bhagavad-gītā, quem, ao receber ordens do Senhor Supremo, age por uma questão de dever e não cobra os frutos por suas atividades (anāśritaḥ karma-phalam) é um renunciante verdadeiro. Todo aquele que age sob a direção do Senhor Supremo é de fato um sannyāsī e um yogī, e não quem apenas vestiu a roupa de sannyāsī, ou que é um pseudo-yogī.

Texto

buddhir jñānam asammohaḥ
kṣamā satyaṁ damaḥ śamaḥ
sukhaṁ duḥkhaṁ bhavo ’bhāvo
bhayaṁ cābhayam eva ca
ahiṁsā samatā tuṣṭis
tapo dānaṁ yaśo ’yaśaḥ
bhavanti bhāvā bhūtānāṁ
matta eva pṛthag-vidhāḥ

Sinônimos

buddhiḥ — inteligência; jñānam — conhecimento; asammohaḥ — estar livre de dúvida; kṣamā — clemência; satyam — veracidade; damaḥ — controle dos sentidos; śamaḥ — controle da mente; sukham — felicidade; duḥkham — aflição; bhavaḥ — nascimento; abhāvaḥ — morte; bhayam — medo; ca — também; abhayam — destemor; eva — também; ca — e; ahiṁsā — não-violência; samatā — equilíbrio; tuṣṭiḥ — satisfação; tapaḥ — penitência; dānam — caridade; yaśaḥ — fama; ayaśaḥ — infâmia; bhavanti — acontecem; bhāvāḥ — naturezas; bhūtānām — das entidades vivas; mattaḥ — de Mim; eva — decerto; pṛthak-vidhāḥ — dispostos de várias formas.

Tradução

Inteligência, conhecimento, estar livre da dúvida e da ilusão, clemência, veracidade, controle dos sentidos, controle da mente, felicidade e aflição, nascimento, morte, medo, destemor, não-violência, equanimidade, satisfação, austeridade, caridade, fama e infâmia — todas essas várias qualidades dos seres vivos são criadas apenas por Mim.

Comentário

As diferentes qualidades das entidades vivas, sejam elas boas ou más, são todas criadas por Kṛṣṇa, e são descritas aqui.

Inteligência refere-se ao poder de analisar as coisas em sua devida perspectiva, e o conhecimento aplica-se à compreensão do que é espírito e do que é matéria. O conhecimento corriqueiro obtido por intermédio de uma educação universitária abrange apenas a matéria, e não é aqui aceito como conhecimento. Conhecimento significa entender a distinção entre espírito e matéria. Na educação moderna, não se ensina sobre o espírito, simplesmente cuida-se dos elementos materiais e das necessidades corpóreas. Portanto, o conhecimento acadêmico não é completo.

Podemos conseguir asammoha, estar livre da dúvida e da ilusão, quando não mais hesitarmos e assim entendermos a filosofia transcendental. Pouco a pouco, vamos nos livrando da perplexidade. Nada deve ser aceito às cegas; tudo deve ser aceito com cuidado e cautela. Deve-se praticar kṣamā, tolerância e clemência, devemos ser tolerantes e desculpar até mesmo as pequenas ofensas alheias. Satyam, veracidade, significa que, para o benefício dos outros, os fatos devem ser apresentados como eles são. Os fatos não devem ser deturpados. Conforme as convenções sociais, diz-se que a verdade pode ser dita só quando é agradável aos outros. Mas isto não é veracidade. A verdade deve ser dita sem subterfúgios, para que os outros compreendam realmente quais são os fatos. Se um homem é ladrão e se as pessoas são advertidas de que ele é ladrão, isto é verdade. Embora a verdade às vezes seja desagradável, não se deve deixar de falá-la. A veracidade exige que, para o benefício dos outros, os fatos sejam apresentados como eles são. Esta é a definição da verdade.

Controle dos sentidos significa que os sentidos não devem ser usados para o gozo pessoal desnecessário. Não se proíbe a satisfação das devidas necessidades dos sentidos, mas o gozo desnecessário dos sentidos é prejudicial ao avanço espiritual. Portanto, deve-se evitar o uso desnecessário dos sentidos. Da mesma maneira, devem-se afastar da mente pensamentos desnecessários; isto se denomina śama. Ninguém deve gastar seu tempo tentando descobrir um jeito de ganhar dinheiro. Isto é um desperdício da capacidade de pensar. Deve-se usar a mente para compreender a principal necessidade dos seres humanos, e isto deve ser apresentado de maneira autorizada. Deve-se desenvolver o poder do pensamento, associando-se com pessoas que sejam autoridades nas escrituras, com pessoas santas, e mestres espirituais, e com aqueles cujo pensamento é bem elevado. Sukham, prazer ou felicidade, deve sempre estar naquilo que é favorável ao cultivo do conhecimento espiritual da consciência de Kṛṣṇa. E da mesma forma, o doloroso ou aflitivo é aquilo que é desfavorável ao cultivo da consciência de Kṛṣṇa. Tudo o que for favorável ao desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa deverá ser aceito, e qualquer coisa desfavorável deverá ser rejeitada.

Deve-se compreender que bhava, nascimento, refere-se ao corpo. Quanto à alma, não há nascimento nem morte; comentamos isto no início do Bhagavad-gītā. Nascimento e morte aplicam-se aos encarnados no mundo material. O medo deve-se à preocupação com o futuro. Quem é consciente de Kṛṣṇa não tem medo porque, através de suas atividades, ele estará certo de que voltará ao céu espiritual, voltando ao lar, de volta ao Supremo. Logo, seu futuro é muito brilhante. Outros, porém, não sabem o que o futuro lhes reserva; eles não sabem o que é que os aguarda na próxima vida. Por isso, eles vivem em constante ansiedade. Se quisermos nos livrar da ansiedade, então, o melhor caminho é compreender Kṛṣṇa e estar sempre situado em consciência de Kṛṣṇa. Dessa maneira, estaremos livres de todo o medo. No Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.37), afirma-se que bhayaṁ dvitīyā-bhiniveśataḥ syāt: o medo decorre de nossa absorção na energia ilusória. Mas aqueles que estão livres da energia ilusória, que estão confiantes de que não são o corpo material, mas sabem que são partes espirituais da Suprema Personalidade de Deus, e assim sendo estão ocupados no serviço transcendental à Divindade Suprema, nada têm a temer. Seu futuro é muito brilhante. O medo restringe as pessoas que não estão em consciência de Kṛṣṇa. Abhayam, destemor, só é possível a alguém em consciência de Kṛṣṇa.

Ahiṁsā, não-violência, significa que não se deve fazer nada que traga sofrimento ou confusão aos outros. As atividades materiais que são prometidas por tantos políticos, sociólogos ou filantropos não produzem resultados muito bons porque os políticos e filantropos não têm visão transcendental, eles não sabem o que é realmente benéfico para a sociedade humana. Ahiṁsā quer dizer que as pessoas devem receber um treinamento através do qual se obtenha plena utilização do corpo humano. O corpo humano presta-se à compreensão espiritual, logo, qualquer movimento ou quaisquer comissões que não promovam este fim cometem violência contra o corpo humano. Aquilo que favorece a futura felicidade espiritual das pessoas em geral chama-se não-violência.

Samatā, equanimidade, refere-se a estar livre do apego e da aversão. Ser muito apegado ou muito desapegado não é o melhor procedimento. Este mundo material deve ser aceito sem apego nem aversão. Aquilo que é favorável para levar avante a consciência de Kṛṣṇa deve ser aceito; o que é desfavorável deve ser rejeitado. Isto se chama samatā, equanimidade. Quem está em consciência de Kṛṣṇa não tem nada a rejeitar nem nada a aceitar, exceto quando se trata de algo que pode ser utilizado no fomento à consciência de Kṛṣṇa.

Tuṣṭi, satisfação, significa que não se deve ter avidez por adquirir mais e mais bens materiais através de atividades desnecessárias. A pessoa deve satisfazer-se com aquilo que é obtido pela graça do Senhor Supremo; isto se chama satisfação. Tapas significa austeridade ou penitência. Nos Vedas, há muitas regras e regulações que se aplicam aqui, como levantar-se de manhã cedo e tomar banho. Às vezes, é muito penoso levantar-se de manhã cedo, mas qualquer incômodo voluntário a que possamos nos submeter dessa maneira chama-se penitência. Da mesma forma, prescrevem-se jejuns em certos dias do mês. Talvez não estejamos inclinados a praticar esse jejum, porém, devido à nossa determinação em avançar na ciência da consciência de Kṛṣṇa, devemos aceitar essas inconveniências corpóreas quando são recomendadas. Todavia, não se devem fazer jejuns desnecessários ou jejuns que são contra os preceitos védicos. Não se deve jejuar com algum propósito político; o Bhagavad-gītā descreve que isto é jejuar em ignorância, e o que se faz em ignorância ou paixão não conduz ao avanço espiritual. Entretanto, tudo o que se faz no modo da bondade favorece ao avanço, e jejuar segundo as prescrições védicas torna-nos ricos em conhecimento espiritual.

Quanto à caridade, é necessário dar cinqüenta por cento dos rendimentos a uma boa causa. E que é uma boa causa? É aquela que é conduzida segundo a consciência de Kṛṣṇa. Esta não só é uma boa causa, mas a melhor causa. Porque Kṛṣṇa é bom, Sua causa também é boa. Logo, deve-se dar caridade a alguém que se ocupa em consciência de Kṛṣṇa. Conforme a literatura védica, prescreve-se que se dê caridade aos brāhmaṇas. Esta prática continua sendo seguida, embora incorretamente segundo a prescrição védica. Mas mesmo assim a prescrição é que se dê caridade aos brāhmaṇas. E por quê? Porque eles se ocupam no cultivo do conhecimento espiritual superior. Ao brāhmaṇa cabe devotar toda a sua vida à compreensão acerca do Brahman. Brahma jānātīti brāhmaṇaḥ: quem conhece o Brahman é chamado brāhmaṇa. Então, oferece-se caridade aos brāhmaṇas porque eles estão sempre ocupados no serviço espiritual superior e não têm tempo para se preocupar com seu sustento. Segundo a literatura védica, a caridade também deve ser concedida a alguém na ordem de vida renunciada, o sannyāsī. Os sannyāsīs mendigam de porta em porta, não em busca de dinheiro, mas com propósitos missionários. O sistema é que eles vão de porta em porta para despertar os chefes de família, tirando-os do sono da ignorância. Porque os chefes de família ocupam-se com os afazeres familiares e se esquecem do verdadeiro propósito da vida — despertar a consciência de Kṛṣṇa — é a função dos sannyāsīs, como mendicantes que são, procurá-los e incentivá-los a serem conscientes de Kṛṣṇa. Como se diz nos Vedas, é necessário despertar e conseguir aquilo que esta forma de vida humana propicia. Este conhecimento e método são distribuídos pelos sannyāsīs; logo, deve-se dar caridade ao renunciante, aos brāhmaṇas e a boas causas semelhantes, e não a qualquer causa caprichosa.

Yaśas, fama, deve basear-se naquilo que ensina o Senhor Caitanya, que disse que famoso é quem é conhecido como um grande devoto. Esta é a verdadeira fama. Se as pessoas ficam sabendo de alguém que se tornou um grande devoto em consciência de Kṛṣṇa, então ele obteve verdadeira fama. Quem não tem semelhante fama é infame.

Pelo Universo inteiro, todas estas qualidades são manifestas na sociedade humana e na sociedade dos semideuses. Há muitas formas de vida inteligente em outros planetas, e estas qualidades encontram-se nelas. Ora, para alguém que queira avançar em consciência de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa cria todas estas qualidades, mas a própria pessoa as desenvolve dentro de si. Quem se ocupa no serviço devocional ao Senhor Supremo desenvolve todas as boas qualidades, conforme os ajustes feitos pelo Senhor Supremo.

De tudo o que encontramos, bom ou mau, a origem é Kṛṣṇa. Neste mundo material, nada pode manifestar-se que não esteja em Kṛṣṇa. Isto é conhecimento; embora saibamos que as coisas estão em diferentes situações, devemos entender que tudo emana de Kṛṣṇa.

Texto

maharṣayaḥ sapta pūrve
catvāro manavas tathā
mad-bhāvā mānasā jātā
yeṣāṁ loka imāḥ prajāḥ

Sinônimos

mahā-ṛṣayaḥ — os grandes sábios; sapta — sete; pūrve — antes; catvāraḥ — quatro; manavaḥ — Manus; tathā — também; mat-bhāvāḥ — nascidos de Mim; mānasāḥ — da mente; jātāḥ — nascidos; yeṣām — deles; loke — no mundo; imāḥ — toda esta; prajāḥ — população.

Tradução

Os sete grandes sábios e, mais antigos do que eles, os outros quatro grandes sábios e os Manus [progenitores da humanidade] vêm de Mim, nascidos da Minha mente, e todos os seres vivos que povoam os vários planetas descendem deles.

Comentário

O Senhor está dando uma sinopse genealógica da população universal. Brahmā é a criatura original nascida da energia do Senhor Supremo, que é conhecido como Hiraṇyagarbha. E de Brahmā, todos os sete grandes sábios, e antes deles quatro outros grandes sábios, chamados Sanaka, Sananda, Sanātana e Sanat-kumāra, e os quatorze Manus, são manifestados. Todos estes vinte e cinco grandes sábios são conhecidos como os patriarcas das entidades vivas de todo o Universo. Há inúmeros universos e inúmeros planetas em cada universo, e cada planeta é habitado por diferentes variedades de seres vivos. Todos eles nasceram destes vinte e cinco patriarcas. Segundo os cálculos dos semideuses, Brahmā submeteu-se a mil anos de penitências para, pela graça de Kṛṣṇa, poder aprender a criar. Então, de Brahmā vieram Sanaka, Sananda, Sanātana e Sanat-kumāra, depois Rudra, e em seguida os sete sábios, e deste modo todos os brāhmaṇas e kṣatriyas nasceram da energia da Suprema Personalidade de Deus. Brahmā é conhecido como Pitāmaha, o avô, e Kṛṣṇa é conhecido como Prapitāmaha, o pai do avô. Afirma-se isto no Décimo Primeiro Capítulo do Bhagavad-gītā (11.39).

Texto

etāṁ vibhūtiṁ yogaṁ ca
mama yo vetti tattvataḥ
so ’vikalpena yogena
yujyate nātra saṁśayaḥ

Sinônimos

etām — toda esta; vibhūtim — opulência; yogam — poder místico; ca — também; mama — Meu; yaḥ — qualquer um que; vetti — conheça; tattvataḥ — realmente; saḥ — ele; avikalpena — sem divisão; yogena — em serviço devocional; yujyate — ocupa-se; na — nunca; atra — aqui; saṁśayaḥ — dúvida.

Tradução

Quem, de fato, está convencido desta Minha opulência e poder místico, ocupa-se em serviço devocional imaculado; quanto a isto, não há dúvida.

Comentário

O auge da perfeição espiritual é conhecer a Suprema Personalidade de Deus. Quem não estiver firmemente convencido das diferentes opulências do Senhor Supremo não poderá ocupar-se no serviço devocional. Em geral, as pessoas sabem que Deus é grande, mas não conhecem os detalhes da Sua grandeza. Aqui estão os pormenores. Se alguém sabe de fato como Deus é grande, então ele naturalmente torna-se uma alma rendida e ocupa-se no serviço devocional do Senhor. Quando a pessoa realmente conhece as opulências do Supremo, tudo o que lhe resta é render-se a Ele. Este conhecimento real pode ser conhecido através das descrições contidas no Śrīmad-Bhāgavatam e no Bhagavad-gītā e em textos semelhantes.

Na administração deste Universo, há muitos semideuses distribuídos por todo o sistema planetário, e entre eles os principais são Brahmā, o Senhor Śiva e os quatro Kumāras e os outros patriarcas. Há muitos antepassados da população do Universo, e todos eles nascem do Supremo Senhor Kṛṣṇa. A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é o antepassado do qual se originam todos os antepassados.

Estas são algumas das opulências do Senhor Supremo. Quando alguém está firmemente convencido delas, ele aceita Kṛṣṇa com grande fé e sem nenhuma dúvida e ocupa-se no serviço devocional. Todo este conhecimento específico é necessário para que se sinta um interesse maior pelo serviço devocional amoroso ao Senhor. Ninguém deve perder a oportunidade de compreender na íntegra quão grande Kṛṣṇa é, pois, conhecendo a grandeza de Kṛṣṇa, a pessoa será capaz de fixar-se em serviço devocional sincero.

Texto

ahaṁ sarvasya prabhavo
mattaḥ sarvaṁ pravartate
iti matvā bhajante māṁ
budhā bhāva-samanvitāḥ

Sinônimos

aham — Eu; sarvasya — de tudo; prabhavaḥ — a fonte da geração; mattaḥ — de Mim; sarvam — tudo; pravartate — emana; iti — assim; matvā — conhecendo; bhajante — tornam-se devotados; mām — a Mim; budhāḥ — os eruditos; bhāva-samanvitāḥ — com grande atenção.

Tradução

Eu sou a fonte de todos os mundos materiais e espirituais. Tudo emana de Mim. Os sábios que conhecem isto perfeitamente ocupam-se no Meu serviço devocional e adoram-Me de todo o coração.

Comentário

Um sábio erudito que tenha estudado perfeitamente os Vedas e tenha aprendido com autoridades como o Senhor Caitanya, e que saiba como aplicar estes ensinamentos, pode compreender que Kṛṣṇa é a origem de tudo no mundo material e no mundo espiritual, e porque conhece isto a fundo, ele se fixa firmemente no serviço devocional ao Senhor Supremo. Nenhuma quantidade de comentários absurdos, nem tolo algum, jamais podem dissuadi-lo de seu propósito. Toda a literatura védica concorda que Kṛṣṇa é a fonte de Brahmā, Śiva e de todos os outros semideuses. No Atharva Veda (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.24), se diz que yo brahmāṇaṁ vidadhāti purvaṁ yo vai vedāṁś ca gāpayati sma kṛṣṇaḥ: “Foi Kṛṣṇa que, no princípio, instruiu Brahmā no conhecimento védico e que, no passado, disseminou o conhecimento védico”. E também o Nārāyaṇa Upaniṣad (1) diz que atha puruṣo ha vai nārāyaṇo ’kāmayata prajāḥ sṛjeyeti: “Então, a Suprema Personalidade, Nārāyaṇa, desejou criar as entidades vivas”. O Upaniṣad continua, nārāyaṇād brahmā jāyate, nārāyaṇād prajāpatiḥ prajāyate, nārāyaṇād indro jāyate, nārāyaṇād aṣṭau vasavo jāyante, nārāyaṇād ekādaśa rudrā jāyante, nārāyaṇād dvādaśādityāḥ: “De Nārāyaṇa nasceu Brahmā; e de Nārāyaṇa os patriarcas também nasceram. De Nārāyaṇa nasceu Indra; de Nārāyaṇa nasceram os oito Vasus; de Nārāyaṇa nasceram os onze Rudras; de Nārāyaṇa nasceram os dozes Ādityas”. Este Nārāyaṇa é uma expansão de Kṛṣṇa.

Nos mesmos Vedas, afirma-se que brahmaṇyo devakī-putraḥ: “O filho de Devakī, Kṛṣṇa, é a Personalidade Suprema”. (Nārāyaṇa Upaniṣad 4) Então, se diz que eko vai nārāyaṇa āsīn na brahmā na īśāno nāpo nāgni-somau neme dyāv-āpṛthivī na nakṣatrāṇi na sūryaḥ: “No princípio da criação só existia a Suprema Personalidade, Nārāyaṇa. Não havia Brahmā, nem Śiva, nem fogo, nem Lua, nem estrelas no céu, nem Sol”. (Mahā Upaniṣad 1.2) No Mahā Upaniṣad, também se diz que o Senhor Śiva nasceu da testa do Senhor Supremo. Assim, os Vedas dizem que é ao Senhor Supremo, o criador de Brahmā e Śiva, que devemos adorar.

No Mokṣa-dharma, Kṛṣṇa também diz:

prajāpatiṁ ca rudraṁ cāpy
aham eva sṛjāmi vai
tau hi māṁ na vijānīto
mama māyā-vimohitau

“Os patriarcas, Śiva e outros são criados por Mim, embora não saibam que são criados por Mim porque são iludidos por Minha energia ilusória.” No Varāha Purāṇa, também se afirma:

nārāyaṇaḥ paro devas
tasmāj jātaś caturmukhaḥ
tasmād rudro ’bhavad devaḥ
sa ca sarva-jñatāṁ gataḥ

“Nārāyaṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e dEle nasceu Brahmā, de quem Śiva nasceu.”

O Senhor Kṛṣṇa é a fonte de todas as gerações, e Ele é chamado a causa mais eficiente de tudo. Ele diz: “Porque tudo nasceu de Mim, Eu sou a fonte da qual tudo se origina. Tudo está sob Mim, ninguém está acima de Mim”. Kṛṣṇa é o único controlador supremo. Alguém que, tomando como referência a literatura védica, aprendeu com um mestre espiritual genuíno a desenvolver tal compreensão acerca de Kṛṣṇa, aplica toda a sua energia na consciência de Kṛṣṇa, e torna-se um homem verdadeiramente erudito. Em comparação a ele, todos os outros, que não têm o devido conhecimento acerca de Kṛṣṇa, não passam de tolos. Só um tolo consideraria Kṛṣṇa um homem comum. Quem é consciente de Kṛṣṇa não deve deixar que os tolos o confundam; ele deve evitar todos os comentários e interpretações do Bhagavad-gītā feitos desautorizadamente e deve prosseguir na consciência de Kṛṣṇa com determinação e firmeza.

Texto

mac-cittā mad-gata-prāṇā
bodhayantaḥ parasparam
kathayantaś ca māṁ nityaṁ
tuṣyanti ca ramanti ca

Sinônimos

mat-cittāḥ — suas mentes ocupadas por completo em Mim; mat-gata-prāṇāḥ — suas vidas devotadas a Mim; bodhayantaḥ — pregando; parasparam — entre eles mesmos; kathayantaḥ — conversando; ca — também; mām — sobre Mim; nityam — perpetuamente; tuṣyanti — ficam satisfeitos; ca — também; ramanti — desfrutam bem-aventurança transcendental; ca — também.

Tradução

Os pensamentos de Meus devotos puros residem em Mim, suas vidas são plenamente devotadas a Meu serviço, e eles obtêm grande satisfação e bem-aventurança sempre se iluminando uns aos outros e conversando sobre Mim.

Comentário

Os devotos puros, cujas características são mencionadas aqui, ocupam-se plenamente no serviço transcendental amoroso do Senhor. Suas mentes não podem afastar-se dos pés de lótus de Kṛṣṇa. Eles só conversam sobre assuntos transcendentais. Os sintomas dos devotos puros são especificamente descritos neste verso. Os devotos do Senhor Supremo estão vinte e quatro horas por dia ocupados em glorificar as qualidades e passatempos do Senhor Supremo. De corpo e alma, eles vivem imersos em Kṛṣṇa e têm prazer em reunir-se com outros devotos para falar sobre Ele.

Na fase preliminar do serviço devocional, eles saboreiam o prazer transcendental proveniente do próprio serviço, e na fase madura eles se situam no verdadeiro amor por Deus. Situados nesta posição transcendental, eles podem saborear a mais elevada perfeição manifestada pelo Senhor em Sua morada. O Senhor Caitanya compara o serviço devocional transcendental ao ato de semear uma semente no coração da entidade viva. Há inúmeras entidades vivas vagando por todos os diferentes planetas do Universo, e dentre elas, poucas têm a sorte de encontrar um devoto puro e obter a oportunidade de compreender o serviço devocional. Este serviço devocional é tal qual uma semente; semeada no coração de uma entidade viva, que continua ouvindo e cantando Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare; esta semente germina, assim como a semente de uma árvore brota quando é regada com regularidade. A planta espiritual do serviço devocional aos poucos cresce e cresce até penetrar a cobertura do Universo material e entrar na refulgência brahmajyoti no céu espiritual. No céu espiritual, esta planta também continua a crescer até alcançar o planeta mais elevado, que se chama Goloka Vṛndāvana, o planeta supremo de Kṛṣṇa. Por fim, a planta se refugia sob os pés de lótus de Kṛṣṇa, onde repousa. Pouco a pouco, assim como uma planta produz frutos e flores, esta planta do serviço devocional também produz frutos, e a sua rega através do processo de cantar e ouvir continua. Esta planta do serviço devocional é plenamente descrita no Caitanya-caritāmṛta (Madhya-līlā, Capítulo Dezenove.) Lá se explica que quando a planta já desenvolvida por completo refugia-se sob os pés de lótus do Senhor Supremo, o devoto se absorve em pleno amor a Deus; então ele não consegue viver um momento sequer sem estar em contato com o Senhor Supremo, assim como um peixe não pode viver fora dágua. Nesse estado, o devoto alcança de fato as qualidades transcendentais obtidas por aqueles que entram em contato com o Senhor Supremo.

No Śrīmad-Bhāgavatam também há muitas dessas narrações sobre o relacionamento entre o Senhor Supremo e Seus devotos; por isso, o Śrīmad-Bhāgavatam é muito querido dos devotos, como se afirma no próprio Bhāgavatam (12.13.18). Śrīmad-bhāgavataṁ purāṇam amalaṁ yad vaiṣṇavānāṁ priyam. Nesta narrativa nada se fala sobre atividades materiais, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos ou liberação. O Śrīmad-Bhāgavatam é a única narração que descreve plenamente a natureza transcendental do Senhor Supremo e Seus devotos. Por isso, as almas absortas em consciência de Kṛṣṇa têm prazer contínuo em ouvir esses textos transcendentais, assim como um rapaz e uma moça têm prazer em se associarem.

Texto

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

Sinônimos

teṣām — a eles; satata-yuktānām — sempre ocupados; bhajatām — em prestar serviço devocional; prīti-pūrvakam — em êxtase amoroso; dadāmi — dou; buddhi-yogam — a verdadeira inteligência; tam — aquela; yena — pela qual; mām — a Mim; upayānti — vêm; te — eles.

Tradução

Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim.

Comentário

Neste verso, a palavra buddhi-yogam é muito significativa. Podemos nos lembrar de que, no Segundo Capítulo, o Senhor, ao instruir Arjuna, disse que Ele lhe havia falado muitos assuntos e que lhe ensinaria o processo de buddhi-yoga. Agora se explica buddhi-yoga. Buddhi-yoga em si é ação em consciência de Kṛṣṇa; esta é a inteligência mais elevada. Buddhi significa inteligência, e yoga, atividades místicas ou elevação mística. Quando alguém tenta retornar ao lar, retornar ao Supremo, e adota plena consciência de Kṛṣṇa em serviço devocional, sua ação chama-se buddhi-yoga. Em outras palavras, buddhi-yoga é o processo pelo qual se escapa do enredamento deste mundo material. A meta última do progresso é Kṛṣṇa. As pessoas não sabem disto; por isso, associar-se com devotos e aceitar um mestre espiritual genuíno é tão importante. Deve-se saber que a meta é Kṛṣṇa, e quando a meta é especificada, então, atravessa-se o caminho lenta mas progressivamente, e a meta última é atingida.

Quem conhece a meta da vida mas está afeiçoado aos frutos das atividades, está agindo em karma-yoga. Quando sabe que a meta é Kṛṣṇa mas sente prazer em entregar-se a especulações mentais para tentar compreendê-lO, ele está agindo em jñāna-yoga. E quando conhece a meta e busca Kṛṣṇa em consciência de Kṛṣṇa e serviço devocional plenos, está agindo em bhakti-yoga, ou buddhi-yoga, que é a yoga completa. Esta yoga completa é a fase mais elevada da perfeição da vida.

O devoto pode ter um mestre espiritual genuíno e pode estar comprometido com uma organização espiritual, mas se não for inteligente o bastante para progredir, então Kṛṣṇa lhe dá instruções internas para que não sinta dificuldade alguma em acabar retornando a Ele. O requisito é que o devoto sempre se ocupe em consciência de Kṛṣṇa e, com amor e devoção, preste todas as espécies de serviços. Ele deve executar algum tipo de trabalho para Kṛṣṇa, e este trabalho deve ser feito com amor. Se ele não é bastante inteligente para progredir no caminho da auto-realização, mas é sincero e devotado às atividades do serviço devocional, o Senhor lhe dá uma oportunidade de progredir e enfim alcançá-lO.

Texto

teṣām evānukampārtham
aham ajñāna-jaṁ tamaḥ
nāśayāmy ātma-bhāva-stho
jñāna-dīpena bhāsvatā

Sinônimos

teṣām — por eles; eva — decerto; anukampā-artham — para mostrar misericórdia especial; aham — Eu; ajñāna-jam — devido à ignorância; tamaḥ — escuridão; nāśayāmi — dissipo; ātma-bhāva — dentro de seus corações; sthaḥ — situado; jñāna — do conhecimento; dīpena — com a candeia; bhāsvatā — brilhante.

Tradução

Para lhes mostrar misericórdia especial, Eu, residindo em seus corações, destruo com a luz brilhante do conhecimento a escuridão nascida da ignorância.

Comentário

Quando o Senhor Caitanya esteve em Benares divulgando o cantar de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare, milhares de pessoas O seguiam. Prakāśānanda Sarasvatī um estudioso muito erudito e influente em Benares naquela época, zombou do Senhor Caitanya, achando-O um sentimentalista. Às vezes, os filósofos māyāvādīs criticam os devotos porque pensam que a maioria dos devotos estão na escuridão da ignorância e são filosoficamente sentimentalistas ingênuos. Mas esta não é a verdade dos fatos. Há estudiosos muitíssimo eruditos que promoveram a filosofia da devoção. Mas mesmo que o devoto não tire proveito desses ensinamentos ou de seu mestre espiritual, se ele é sincero em seu serviço devocional, o próprio Kṛṣṇa o ajuda dentro de seu coração. Assim, o devoto sincero ocupado em consciência de Kṛṣṇa não pode estar sem conhecimento. O único requisito é que se execute serviço devocional com plena consciência de Kṛṣṇa.

Os filósofos māyāvādīs pensam que, sem discriminar, não se pode ter conhecimento puro. O Senhor Supremo lhes dá então esta resposta: aqueles que se ocupam em serviço devocional puro, embora não tenham instrução suficiente e nem mesmo conheçam suficientemente os princípios védicos, são, no entanto, ajudados pelo Deus Supremo, como se declara neste verso.

O Senhor diz a Arjuna que basicamente não há possibilidade de compreender a Verdade Suprema — a Verdade Absoluta ou a Suprema Personalidade de Deus — por meio da simples especulação, pois a Verdade Suprema é tão grande que não é possível compreendê-lO ou alcançá-lO com simples esforços mentais. Mesmo que continue especulando por vários milhões de anos, se a pessoa não é devotada, se ela não ama a Verdade Suprema, jamais compreenderá Kṛṣṇa, ou a Verdade Suprema. É só através do serviço devocional que a Verdade Suprema, Kṛṣṇa, fica satisfeito, e por Sua energia inconcebível, Ele pode revelar-Se ao coração do devoto puro. O devoto puro sempre tem Kṛṣṇa em seu coração; e com a presença de Kṛṣṇa, que é como o Sol, a escuridão da ignorância se dissipa de imediato. Esta é a misericórdia especial que Kṛṣṇa concede ao devoto puro.

Devido à contaminação decorrente da associação material, através de muitos e muitos milhões de nascimentos, o coração está sempre coberto pela poeira do materialismo, mas quando o devoto se ocupa em serviço devocional e canta constantemente Hare Kṛṣṇa, a poeira logo desaparece, e ele eleva-se à plataforma de conhecimento puro. A meta última, Viṣṇu, só pode ser alcançada por intermédio deste cantar e por meio do serviço devocional, e não através da especulação mental ou de argumentos. O devoto puro não deve se preocupar com as necessidades da vida material; ele não precisa ficar ansioso, porque, quando ele remove a escuridão do seu coração, tudo é provido automaticamente pelo Senhor Supremo, que fica satisfeito com o serviço devocional amoroso prestado por ele. Esta é a essência dos ensinamentos do Bhagavad-gītā. Estudando o Bhagavad-gītā, é possível ser uma alma inteiramente rendida ao Senhor Supremo e ocupar-se em serviço devocional puro. À medida que o Senhor Se encarrega do devoto, este se livra por completo de todas as espécies de empreendimentos materialistas.

Texto

arjuna uvāca
paraṁ brahma paraṁ dhāma
pavitraṁ paramaṁ bhavān
puruṣaṁ śāśvataṁ divyam
ādi-devam ajaṁ vibhum
āhus tvām ṛṣayaḥ sarve
devarṣir nāradas tathā
asito devalo vyāsaḥ
svayaṁ caiva bravīṣi me

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; param — suprema; brahma — verdade; param — suprema; dhāma — sustentação; pavitram — puro; paramam — supremo; bhavān — Você; puruṣam — personalidade; śāśvatam — eterno; divyam — transcendental; ādi-devam — o Senhor eterno; ajam — não-nascido; vibhum — o maior; āhuḥ — dizem; tvām — de Você; ṛṣayaḥ — sábios; sarve — todos; devaṛṣiḥ — o sábio entre os semideuses; nāradaḥ — Nārada; tathā — também; asitaḥ — Asita; devalaḥ — Devala; vyāsaḥ — Vyāsa; svayam — pessoalmente; ca — também; eva — decerto; bravīṣī — está explicando; me — para mim.

Tradução

Arjuna disse: Você é a Suprema Personalidade de Deus, a morada última, o mais puro, a Verdade Absoluta. Você é a pessoa original, eterna e transcendental, o não-nascido, o maior. Todos os grandes sábios, tais como Nārada, Asita, Devala e Vyāsa, confirmam esta verdade referente a Você, e Você mesmo agora está declarando-a para mim.

Comentário

Nestes dois versos, o Senhor Supremo dá uma oportunidade ao filósofo māyāvādīs, pois aqui fica bem claro que o Supremo é diferente da alma individual. Arjuna, depois de ouvir neste capítulo os quatro versos essenciais do Bhagavad-gītā, ficou completamente livre de todas as dúvidas e aceitou Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Ele não esperou muito tempo para declarar arrojadamente: “Você é paraṁ brahma, a Suprema Personalidade de Deus”. E antes Kṛṣṇa declarara que Ele é a origem de tudo e de todos. Todos os semideuses e todos os seres humanos são dependentes dEle. Os homens e os semideuses, por ignorância, pensam que são absolutos e independentes da Suprema Personalidade de Deus. Esta ignorância é perfeitamente removida por meio da execução do serviço devocional. No verso anterior, o Senhor já havia explicado isto. Agora, por Sua graça, Arjuna O está aceitando como a Verdade Suprema, e isto está de acordo com o preceito védico. Ninguém deve ficar pensando que, como Kṛṣṇa é seu amigo íntimo, Arjuna O está bajulando, chamando-O de Suprema Personalidade de Deus, a Verdade Absoluta. Tudo o que Arjuna diz nestes dois versos é confirmado pela verdade védica. Os preceitos védicos afirmam que só aquele que adota o serviço devocional ao Senhor Supremo pode compreendê-lO, ao passo que outros não podem. Todas as palavras que Arjuna falou neste verso são confirmadas pelo preceito védico.

No Kena Upaniṣad, declara-se que o Brahman Supremo é o lugar de repouso para todas as coisas, e Kṛṣṇa já explicou que tudo repousa nEle. O Muṇḍaka Upaniṣad confirma que o Senhor Supremo, no qual tudo repousa, pode ser compreendido apenas por aqueles que se ocupam constantemente em pensar nEle. Esta fixação do pensamento em Kṛṣṇa é smaraṇam, um dos métodos do serviço devocional. É apenas através do serviço devocional a Kṛṣṇa que alguém pode compreender a sua posição e livrar-se deste corpo material.

Nos Vedas, o Senhor Supremo é aceito como o mais puro dos puros. Quem compreende que Kṛṣṇa é o mais puro dos puros pode purificar-se de todas as atividades pecaminosas. Não pode se purificar das atividades pecaminosas quem não se rende ao Senhor Supremo. O fato de Arjuna aceitar Kṛṣṇa como o puro supremo coaduna-se perfeitamente com os preceitos da literatura védica. Isto também é confirmado por grandes personalidades, das quais Nārada é a principal.

Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e o devoto deve sempre meditar nEle e desfrutar da relação transcendental que tem com Ele. Kṛṣṇa é a existência suprema e está livre das necessidades corpóreas, do nascimento e da morte. Não só Arjuna confirma isto, mas também todos os textos védicos, os Purāṇas e histórias. Em todos os textos védicos, Kṛṣṇa recebe essa mesma descrição, e o próprio Senhor Supremo também diz no Quarto Capítulo: “Embora Eu seja não nascido, Eu apareço nesta Terra para estabelecer os princípios religiosos”. Ele é a origem suprema; Ele não tem causa, pois Ele é a causa de todas as causas, e tudo emana dEle. Pode obter este conhecimento perfeito todo aquele que receba a graça do Senhor Supremo.

Aqui, Arjuna expressa-se pela graça de Kṛṣṇa. Se quisermos compreender o Bhagavad-gītā, devemos então aceitar as afirmações contidas nestes dois versos. Isto se chama sistema paramparā, aceitação da sucessão discipular. Quem não está na sucessão discipular não pode compreender o Bhagavad-gītā. Esta compreensão não é possível por meio da suposta educação acadêmica. Infelizmente, aqueles que tanto se orgulham de sua educação acadêmica, apesar das inúmeras evidências apresentadas na literatura védica, agarram-se às suas convicções obstinadas de que Kṛṣṇa é uma pessoa comum.

Texto

sarvam etad ṛtaṁ manye
yan māṁ vadasi keśava
na hi te bhagavan vyaktiṁ
vidur devā na dānavāḥ

Sinônimos

sarvam — toda; etat — esta; ṛtam — verdade; manye — aceito; yat — que; mām — a Mim; vadasi — Você diz; keśava — ó Kṛṣṇa; na — nunca; hi — decerto; te — Sua; bhagavan — ó Personalidade de Deus; vyaktim — revelação; viduḥ — podem conhecer; devāḥ — os semideuses; na — nem; dānavāḥ — os demônios.

Tradução

Ó Kṛṣṇa, aceito totalmente como verdade tudo o que Você me disse. Nem os semideuses nem os demônios, ó Senhor, podem compreender Sua personalidade.

Comentário

Nesta passagem, Arjuna confirma que pessoas de natureza cética e demoníaca não podem compreender Kṛṣṇa. Se nem mesmo os semideuses O conhecem, que dizer então dos supostos eruditos deste mundo moderno? Pela graça do Senhor Supremo, Arjuna compreendeu que a Verdade Suprema é Kṛṣṇa e que Ele é o ser perfeito. Todos devem, portanto, seguir o caminho de Arjuna. Ele recebeu a autoridade do Bhagavad-gītā. Como se descreve no Quarto Capítulo, houve a ruptura do sistema paramparā de sucessão discipular através do qual se entendia o Bhagavad-gītā, e por isso, quando quis restabelecer esta sucessão discipular, Kṛṣṇa escolheu Arjuna porque o considerava Seu amigo íntimo e um grande devoto. Portanto, como afirmamos em nossa Introdução a este Gītopaniṣad, o Bhagavad-gītā deve ser compreendido através do sistema paramparā. Quando se interrompeu o sistema paramparā, Arjuna foi escolhido para recomeçá-lo. Devemos procurar ficar na mesma posição de Arjuna quando aceitou tudo o que Kṛṣṇa disse; então, poderemos compreender a essência do Bhagavad-gītā, e só então chegaremos à compreensão de que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

svayam evātmanātmānaṁ
vettha tvaṁ puruṣottama
bhūta-bhāvana bhūteśa
deva-deva jagat-pate

Sinônimos

svayam — pessoalmente; eva — decerto; ātmanā — por Você mesmo; ātmānam — a Você mesmo; vettha — conhece; tvam — Você; puruṣa-uttama — ó maior de todas as pessoas; bhūta-bhāvana — ó origem de tudo; bhūta-īśa — ó Senhor de tudo; deva-deva — ó Senhor de todos os semideuses; jagat-pate — ó Senhor do Universo inteiro.

Tradução

Na verdade, só Você mesmo Se conhece através de Sua potência interna, ó Pessoa Suprema, origem de tudo, Senhor de todos os seres, Deus dos deuses, Senhor do Universo!

Comentário

O Supremo Senhor Kṛṣṇa pode ser conhecido pelas pessoas que cultivam uma relação com Ele através do desempenho do serviço devocional, como Arjuna e seus seguidores. Pessoas de mentalidade demoníaca ou ateísta não podem conhecer Kṛṣṇa. A especulação mental que afasta a pessoa para bem longe do Senhor Supremo é um pecado sério, e alguém que não conhece Kṛṣṇa não deve tentar comentar o Bhagavad-gītā. O Bhagavad-gītā é falado por Kṛṣṇa, e por ser a ciência de Kṛṣṇa, devem-se entender as palavras de Kṛṣṇa como Arjuna as compreendeu. Ele não deve ser recebido de pessoas ateístas.

Como se declara no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11):

vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate

A Verdade Suprema é realizada sob três aspectos: como o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e por fim como a Suprema Personalidade de Deus. Assim, na última fase de compreensão do conceito da Verdade Absoluta, chega-se à Suprema Personalidade de Deus. Um homem comum ou mesmo um homem liberado que percebeu o Brahman impessoal ou o Paramātmā localizado talvez não compreenda a identidade de Deus. Esses homens, portanto, podem esforçar-se para compreender a Pessoa Suprema valendo-se dos versos do Bhagavad-gītā, que são falados por esta pessoa, Kṛṣṇa. Às vezes, os impersonalistas aceitam Kṛṣṇa como Bhagavān, ou aceitam Sua autoridade. Entretanto, muitas pessoas liberadas não podem compreender Kṛṣṇa como Puruṣottama, a Pessoa Suprema. Por isso, Arjuna O chama de Puruṣottama. Mesmo assim, a pessoa talvez continue sem compreender que Kṛṣṇa é o pai de todas as entidades vivas e por isso Arjuna O chama de Bhūta-bhāvana. E se alguém chegar a conhecê-lO como o pai de todas as entidades vivas, talvez não compreenda que Ele é o controlador supremo; por isso, Ele é chamado aqui de Bhūteśa, o supremo controlador de todos. E mesmo que alguém conheça Kṛṣṇa como o supremo controlador de todas as entidades vivas, talvez continue sem saber que Ele é a origem de todos os semideuses; por isso, Ele é aqui chamado de Devadeva, o Deus adorável de todos os semideuses. E mesmo que alguém O conheça como o Deus adorável de todos os semideuses, ele talvez não saiba que Kṛṣṇa é o proprietário supremo de tudo, e que por isso, Ele é chamado de Jagatpati. Assim, por meio da compreensão obtida por Arjuna, este verso estabelece a verdade a respeito de Kṛṣṇa. Devemos seguir os passos de Arjuna para compreendermos Kṛṣṇa como Ele é.

Texto

vaktum arhasy aśeṣeṇa
divyā hy ātma-vibhūtayaḥ
yābhir vibhūtibhir lokān
imāṁs tvaṁ vyāpya tiṣṭhasi

Sinônimos

vaktum — dizer; arhasi — Você deve; aśeṣeṇa — em detalhe; divyāḥ — divinas; hi — decerto; ātma — Suas próprias; vibhūtayaḥ — opulências; yābhiḥ — pelas quais; vibhūtibhiḥ — opulências; lokān — todos os planetas; imān — estes; tvam — Você; vyāpya — penetrando; tiṣṭhasi — permanece.

Tradução

Por favor, descreva-me Suas opulências divinas com as quais Você penetra todos esses mundos.

Comentário

Neste verso, parece que Arjuna já está satisfeito com sua compreensão acerca da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Pela graça de Kṛṣṇa, Arjuna tem experiência pessoal, inteligência e conhecimento, e tudo o mais que se possa adquirir através desses meios ele compreendeu que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Ele não sentia dúvida alguma, mesmo assim, pede a Kṛṣṇa que lhe explique Sua natureza onipenetrante. As pessoas em geral e os impersonalistas em particular preocupam-se principalmente com a natureza onipenetrante do Supremo. Então, Arjuna está perguntando a Kṛṣṇa como Ele existe em Seu aspecto onipenetrante através de Suas diferentes energias. Deve-se saber que, ao perguntar isto, Arjuna está se colocando na posição das pessoas comuns.

Texto

kathaṁ vidyām ahaṁ yogiṁs
tvāṁ sadā paricintayan
keṣu keṣu ca bhāveṣu
cintyo ’si bhagavan mayā

Sinônimos

katham — como; vidyām aham — devo conhecer; yogin — ó místico supremo; tvām — em Você; sadā — sempre; paricintayan — pensando em; keṣu — em quais; keṣu — em quais; ca — também; bhāveṣu — naturezas; cintyaḥ asi — Você deve ser lembrado; bhagavan — ó Supremo; mayā — por mim.

Tradução

Ó Kṛṣṇa, ó místico supremo, como devo pensar constantemente em Você, e como devo conhecê-lO? Quais as Suas várias formas que devem ser lembradas, ó Suprema Personalidade de Deus?

Comentário

Como foi declarado no capítulo anterior, a Suprema Personalidade de Deus é coberto por Sua yoga-māyā. Só as almas rendidas e os devotos podem vê-lO. Agora, Arjuna está convencido de que seu amigo, Kṛṣṇa, é a Divindade Suprema, mas ele quer conhecer o processo geral pelo qual o homem comum pode entender o Senhor onipenetrante. Os homens comuns, e também os demônios e ateus, não podem conhecer Kṛṣṇa, porque Ele é resguardado por Sua energia yoga-māyā. Aqui também, Arjuna faz estas perguntas para o benefício dessas pessoas. O devoto superior se preocupa não só com a compreensão por ele obtida, mas com a compreensão que toda a humanidade possa obter. Então, Arjuna, por sua misericórdia, por ser um vaiṣṇava, ou devoto, está desvendando ao homem comum a compreensão acerca da potência onipenetrante do Senhor Supremo. Ele dirige-se a Kṛṣṇa especificamente como yogin porque Śrī Kṛṣṇa é o senhor da energia yoga-māyā, com a qual Ele fica coberto ou descoberto para o homem comum. O homem comum que não sente amor por Kṛṣṇa não pode pensar sempre em Kṛṣṇa, por isso, ele tem de pensar materialmente. Arjuna está levando em conta o modo de pensar dos materialistas deste mundo. As palavras keṣu keṣu ca bhāveṣu referem-se à natureza material (a palavra bhāva significa “elementos físicos”). Porque não podem compreender Kṛṣṇa espiritualmente, os materialistas são aconselhados a concentrar a mente nos elementos físicos para tentarem ver como Kṛṣṇa manifesta-Se nas representações físicas.

Texto

vistareṇātmano yogaṁ
vibhūtiṁ ca janārdana
bhūyaḥ kathaya tṛptir hi
śṛṇvato nāsti me ’mṛtam

Sinônimos

vistareṇa — em detalhe; ātmanaḥ — Suas; yogam — poder místico; vibhūtim — opulências; ca — também; jana-ardana — ó matador dos ateístas; bhūyaḥ — de novo; kathaya — descreva; tṛptiḥ — satisfação; hi — decerto; śṛṇvataḥ — ouvindo; na asti — não há; me — meu; amṛtam — néctar.

Tradução

Ó Janārdana, por favor, volte a descrever em detalhes o poder místico de Suas opulências. Nunca me canso de ouvir sobre Você, pois, quanto mais ouço, mais quero saborear o néctar de Suas palavras.

Comentário

Os ṛṣis de Naimiṣāraṇya, encabeçados por Śaunaka, fizeram a Sūta Gosvāmī afirmação semelhante. A afirmação é:

vayaṁ tu na vitṛpyāma
uttama-śloka-vikrame
yac chṛṇvatāṁ rasa-jñānāṁ
svādu svādu pade pade

“Ninguém jamais pode ficar saciado, mesmo que ouça continuamente os passatempos transcendentais de Kṛṣṇa, que é glorificado com orações excelentes. Aqueles que desenvolveram um relacionamento transcendental com Kṛṣṇa saboreiam a cada passo as descrições dos passatempos do Senhor.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.19) Assim, Arjuna está interessado em ouvir sobre Kṛṣṇa, e especificamente como Ele permanece sendo o Senhor Supremo onipenetrante.

E, quanto a amṛtam, néctar, qualquer narração ou afirmação referente a Kṛṣṇa é assim como um néctar. E este néctar pode ser percebido por experiência prática. As histórias, ficções e contos modernos são diferentes dos passatempos transcendentais do Senhor porque a pessoa se cansa ao ouvir os contos mundanos, mas ninguém nunca se cansa de ouvir sobre Kṛṣṇa. É só por esta razão que a história de todo o Universo está repleta de referências aos passatempos das encarnações de Deus. Os Purāṇas são histórias de eras passadas que narram os passatempos das várias encarnações do Senhor. Desse modo, a leitura sempre traz novas informações, mesmo que se leia repetidas vezes.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
hanta te kathayiṣyāmi
divyā hy ātma-vibhūtayaḥ
prādhānyataḥ kuru-śreṣṭha
nāsty anto vistarasya me

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; hanta — sim; te — para você; kathayiṣyāmi — falarei; divyāḥ — divinas; hi — decerto; ātma-vibhūtayaḥ — opulências pessoais; prādhānyataḥ — que são principais; kuru-śreṣṭha — ó melhor dos Kurus; na asti — não há; antaḥ — limite; vistarasya — para a extensão; me — Minha.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Sim, Eu vou lhe falar sobre Minhas manifestações maravilhosas, mas só sobre aquelas que são preeminentes, ó Arjuna, pois Minha opulência é ilimitada.

Comentário

Não é possível compreender a grandeza de Kṛṣṇa e Suas opulências. Os sentidos da alma individual são limitados e não lhe permitem entender a totalidade dos afazeres de Kṛṣṇa. Mesmo assim, os devotos tentam compreender Kṛṣṇa, mas não se baseiam no princípio de que serão capazes de compreender Kṛṣṇa plenamente em um determinado momento ou em algum estado de vida. Ao contrário, os próprios tópicos referentes a Kṛṣṇa são tão agradáveis que para os devotos eles parecem néctar. Assim, os devotos os desfrutam. Ao comentarem as opulências de Kṛṣṇa e Suas diversas energias, os devotos puros sentem um prazer transcendental. Por isso, eles querem ouvi-las e discuti-las. Kṛṣṇa sabe que as entidades vivas não compreendem a extensão de Suas opulências; por isso, Ele concorda em descrever apenas as manifestações principais de Suas diferentes energias. A palavra prādhānyataḥ (“principais”) é muito importante porque podemos compreender só alguns pormenores principais do Senhor Supremo, pois Suas características são ilimitadas. Não é possível compreender todas elas. E vibhūti, como se usa neste verso, refere-se às opulências com as quais Ele controla toda a manifestação. O dicionário Amara-kośa afirma que vibhūti indica opulência excepcional.

Os impersonalistas ou os panteístas não podem compreender as opulências excepcionais do Senhor Supremo nem as manifestações de Suas energias divinas. Tanto no mundo material quanto no mundo espiritual, Suas energias se distribuem em todas as variedades da manifestação. Agora, Kṛṣṇa descreve o que pode ser percebido diretamente pelo homem comum, assim, parte de Sua energia multifária é descrita desse modo.

Texto

aham ātmā guḍākeśa
sarva-bhūtāśaya-sthitaḥ
aham ādiś ca madhyaṁ ca
bhūtānām anta eva ca

Sinônimos

aham — Eu; ātmā — a alma; guḍākeśa — ó Arjuna; sarva-bhūta — de todas as entidades vivas; āśaya-sthitaḥ — situado dentro do coração; aham — Eu sou; ādiḥ — a origem; ca — também; madhyam — meio; ca — também; bhūtānām — de todas as entidades vivas; antaḥ — fim; eva — decerto; ca — e.

Tradução

Eu sou a Superalma, ó Arjuna, situado no coração de todas as entidades vivas. Eu sou o princípio, o meio e o fim de todos os seres.

Comentário

Neste verso, Arjuna é chamado de Guḍākeśa, que significa “aquele que venceu a escuridão do sono”. Para aqueles que estão dormindo na escuridão da ignorância, não é possível compreender como a Suprema Personalidade de Deus manifesta-Se de várias maneiras nos mundos material e espiritual. Logo, este modo como Kṛṣṇa dirigiu-Se a Arjuna é significativo. Porque Arjuna está acima dessa escuridão, a Personalidade de Deus concorda em descrever Suas diversas opulências.

Kṛṣṇa primeiro informa a Arjuna que, por meio de Sua expansão primária, Ele é a alma da manifestação cósmica inteira. Antes da criação material, o Senhor Supremo, através de Sua expansão plenária, aceita as encarnações puruṣa, e então dá início a tudo. Por isso, Ele é ātmā, a alma do mahat-tattva, ou os elementos universais. A totalidade da energia material não é a causa da criação; na verdade, o Mahā-Viṣṇu entra no mahat-tattva, a totalidade da energia material. Ele é a alma. Ao entrar nos universos manifestados, o Mahā-Viṣṇu volta a manifestar-Se como a Superalma em cada entidade. Temos experiência de que o corpo individual da entidade viva existe devido à presença da centelha espiritual. Sem a existência da centelha espiritual, o corpo não pode desenvolver-se. Do mesmo modo, a manifestação material não pode desenvolver-se caso a Alma Suprema, Kṛṣṇa, não ingresse nela. Como se afirma no Subala Upaniṣad, prakṛty-ādi-sarva-bhūtāntar-yāmī sarva-śeṣī ca nārāyaṇaḥ: “A Suprema Personalidade de Deus existe como a Superalma em todos os universos manifestados”.

Os três puruṣa-avatāras são descritos no Śrīmad-Bhāgavatam. E também são descritos no Sātvata-tantra. Viṣṇos tu trīṇi rūpāṇi puruṣākhyāny atho viduḥ: nesta manifestação material, a Suprema Personalidade de Deus apresenta três aspectos — como Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu. O Mahā-Viṣṇu, ou Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, é descrito no Brahma-saṁhitā (5.47). Yaḥ kāraṇārṇava-jale bhajati sma yoga-nidrām: o Senhor Supremo, Kṛṣṇa, a causa de todas as causas, repousa no oceano cósmico como Mahā-Viṣṇu. Portanto, a Suprema Personalidade de Deus é o início deste Universo, o mantenedor das manifestações universais e o final de toda a energia.

Texto

ādityānām ahaṁ viṣṇur
jyotiṣāṁ ravir aṁśumān
marīcir marutām asmi
nakṣatrāṇām ahaṁ śaśī

Sinônimos

ādityānām — dos Ādityas; aham — Eu sou; viṣṇuḥ — o Senhor Supremo; jyotiṣām — de todos os luzeiros; raviḥ — o Sol; aṁśumān — radiante; marīciḥ — Marīci; marutām — dos Maruts; asmi — Eu sou; nakṣatrāṇām — das estrelas; aham — Eu sou; śaśī — a Lua.

Tradução

Entre os Ādityas, sou Viṣṇu; entre as luzes, sou o Sol radiante; entre os Maruts, sou Marīci; e entre as estrelas, sou a Lua.

Comentário

Há doze Ādityas, dos quais Kṛṣṇa é o principal. Entre todas as luminárias que brilham no céu, o Sol é o principal, e no Brahma-saṁhitā o Sol é aceito como o olho reluzente do Senhor Supremo. Há cinqüenta variedades de vento soprando no espaço, e a deidade controladora destes ventos, Marīci, representa Kṛṣṇa.

Entre as estrelas, a Lua é a que mais se destaca à noite, e por isso a Lua representa Kṛṣṇa. Neste verso, parece que a Lua é uma das estrelas, portanto, as estrelas que cintilam no céu também refletem a luz do Sol. A teoria de que há muitos sóis dentro do Universo não é aceita pela literatura védica. O Sol é um só, e assim como a Lua ilumina através do reflexo do Sol, o mesmo fenômeno ocorre com as estrelas. Como o Bhagavad-gītā indica nesta passagem que a Lua é uma das estrelas, as estrelas brilhantes não são sóis, mas são semelhantes à Lua.

Texto

vedānāṁ sāma-vedo ’smi
devānām asmi vāsavaḥ
indriyāṇāṁ manaś cāsmi
bhūtānām asmi cetanā

Sinônimos

vedānām — de todos os Vedas; sāma-vedaḥ — o Sāma Veda; asmi — Eu sou; devānām — de todos os semideuses; asmi — Eu sou; vāsavaḥ — o rei dos céus; indriyāṇām — de todos os sentidos; manaḥ — a mente; ca — também; asmi — Eu sou; bhūtānām — de todas as entidades vivas; asmi — sou; cetanā — a força viva.

Tradução

Dos Vedas, sou o Sāma Veda; dos semideuses, sou Indra, o rei dos céus; dos sentidos, sou a mente; e nos seres vivos, sou a força vital [consciência].

Comentário

A diferença entre matéria e espírito é que a matéria não tem consciência como a entidade viva; portanto, esta consciência é suprema e eterna. A consciência não pode ser produzida por uma combinação de matéria.

Texto

rudrāṇāṁ śaṅkaraś cāsmi
vitteśo yakṣa-rakṣasām
vasūnāṁ pāvakaś cāsmi
meruḥ śikhariṇām aham

Sinônimos

rudrāṇām — de todos os Rudras; śaṅkaraḥ — o Senhor Śiva; ca — também; asmi — Eu sou; vitta-īśaḥ — o senhor do tesouro dos semideuses; yakṣa-rakṣasām — dos Yakṣas e Rākṣasas; vasūnām — dos Vasus; pāvakaḥ — o fogo; ca — também; asmi — Eu sou; meruḥ — Meru; śikhariṇām — de todas as montanhas; aham — Eu sou.

Tradução

De todos os Rudras, sou o Senhor Śiva; dos Yakṣas e Rākṣasas, sou o senhor das riquezas [Kuvera]; dos Vasus, sou o fogo [Agni]; e das montanhas, sou Meru.

Comentário

Há onze Rudras, dentre os quais Śaṅkara, o Senhor Śiva, é predominante. Ele é a encarnação do Senhor Supremo, que no Universo se encarrega do modo da ignorância. O líder dos Yakṣas e Rākṣasas é Kuvera, o tesoureiro-mestre dos semideuses, e ele é uma representação do Senhor Supremo. Meru é uma montanha famosa por seus ricos recursos naturais.

Texto

purodhasāṁ ca mukhyaṁ māṁ
viddhi pārtha bṛhaspatim
senānīnām ahaṁ skandaḥ
sarasām asmi sāgaraḥ

Sinônimos

purodhasām — de todos os sacerdotes; ca — também; mukhyam — o principal; mām — a Mim; viddhi — compreenda; pārtha — ó filho de Pṛthā; bṛhaspatim — Bṛhaspati; senānīnām — de todos os comandantes; aham — Eu sou; skandaḥ — Kārtikeya; sarasām — de todos os reservatórios de água; asmi — sou; sāgaraḥ — o oceano.

Tradução

Dos sacerdotes, ó Arjuna, fique sabendo que sou o principal, Bṛhaspati. Dos generais, sou Kārtikeya, e das massas de água, sou o oceano.

Comentário

Indra é o principal semideus dos planetas celestiais e é conhecido como o rei dos céus. O planeta em que ele reina chama-se Indraloka. Bṛhaspati é o sacerdote de Indra, e como Indra é o maior de todos os reis, Bṛhaspati é o principal de todos os sacerdotes. E assim como Indra é o líder de todos os reis, de modo semelhante, Skanda, ou Kārtikeya, o filho de Pārvatī e do Senhor Śiva, é o líder de todos os comandantes militares. E de todas as massas de água, o oceano é o mais extenso. Estas representações de Kṛṣṇa dão apenas um vislumbre de Sua grandeza.

Texto

maharṣīṇāṁ bhṛgur ahaṁ
girām asmy ekam akṣaram
yajñānāṁ japa-yajño ’smi
sthāvarāṇāṁ himālayaḥ

Sinônimos

mahā-ṛṣīṇām — entre os grandes sábios; bhṛguḥ — Bhṛgu; aham — Eu sou; girām — das vibrações; asmi — Eu sou; ekam akṣaram — o praṇava; yajñānām — dos sacrifícios; japa-yajñaḥ — o canto; asmi — Eu sou; sthāvarāṇām — dos objetos inertes; himālayaḥ — as montanhas Himalaias.

Tradução

Dos grandes sábios, sou Bhṛgu; das vibrações, sou o oṁ transcendental. Dos sacrifícios, sou o cantar dos santos nomes [japa], e dos objetos imóveis, sou os Himalaias.

Comentário

Brahmā, a primeira criatura do Universo, criou vários filhos a quem caberia propagar vários tipos de espécies. Entre esses filhos, Bhṛgu é o sábio mais poderoso. De todas as vibrações transcendentais, o oṁ (oṁkāra) representa Kṛṣṇa. De todos os sacrifícios, o cantar de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare é o processo que mais puramente representa Kṛṣṇa. Às vezes, recomendam-se sacrifícios de animais, porém, no sacrifício sob a forma de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, a violência está fora de cogitação. Ele é o mais simples e o mais puro. Tudo o que é sublime nos mundos é uma representação de Kṛṣṇa. Por isso, os Himalaias, as mais altas montanhas do mundo, também O representam. A montanha chamada Meru foi mencionada num verso anterior, mas Meru às vezes é móvel, ao passo que os Himalaias jamais são móveis. Então, os Himalaias são maiores do que Meru.

Texto

aśvatthaḥ sarva-vṛkṣāṇāṁ
devarṣīṇāṁ ca nāradaḥ
gandharvāṇāṁ citrarathaḥ
siddhānāṁ kapilo muniḥ

Sinônimos

aśvatthaḥ — a figueira-de-bengala; sarva-vṛkṣāṇām — de todas as árvores; devaṛṣīṇām — de todos os sábios entre os semideuses; ca — e; nāradaḥ — Nārada; gandharvāṇām — dos cidadãos do planeta Gandharva; citrarathaḥ — Citraratha; siddhānām — de todos os que são perfeitos; kapilaḥ muniḥ — Kapila Muni.

Tradução

De todas as árvores, sou a figueira-de-bengala; e dos sábios entre os semideuses, sou Nārada. Dos Gandharvas, sou Citraratha, e entre os seres perfeitos, sou o sábio Kapila.

Comentário

A figueira-de-bengala (aśvattha) é uma das mais altas e mais belas árvores, e na Índia, as pessoas muitas vezes inserem em seus rituais matinais diários a adoração a ela. Entre os semideuses elas também adoram Nārada, que é considerado o maior devoto em todo o Universo. Assim, ele é Kṛṣṇa na forma de um devoto. O planeta Gandharva está repleto de entidades que cantam belamente, e entre elas o melhor cantor é Citraratha. Entre as entidades vivas perfeitas, Kapila, o filho de Devahūti, representa Kṛṣṇa. Ele é considerado uma encarnação de Kṛṣṇa, e Sua filosofia é mencionada no Śrīmad-Bhāgavatam. Posteriormente, outro Kapila ficou famoso, mas sua filosofia era ateísta. Logo, há um abismo de diferença entre os dois.

Texto

uccaiḥśravasam aśvānāṁ
viddhi mām amṛtodbhavam
airāvataṁ gajendrāṇāṁ
narāṇāṁ ca narādhipam

Sinônimos

uccaiḥśravasam — Uccaiḥśravā; aśvānām — entre os cavalos; viddhi — conheça; mām — a Mim; amṛta-udbhavam — produzidos pela batedura do oceano; airāvatam — Airāvata; gaja-indrāṇām — dos elefantes imponentes; narāṇām — entre os seres humanos; ca — e; nara-adhipam — o rei.

Tradução

Dos cavalos, fique sabendo que sou Uccaiḥśravā, produzido durante o bater do oceano quando se queria obter néctar. Dos elefantes imponentes, sou Airāvata; e entre os homens, sou o monarca.

Comentário

Os semideuses devotos e os demônios (asuras) certa vez se engajaram a bater o mar. Ao baterem, eles produziram néctar e veneno, e o Senhor Śiva bebeu o veneno. Do néctar, foram produzidas muitas entidades, entre as quais havia um cavalo chamado Uccaiḥśravā. Outro animal produzido do néctar foi um elefante chamado Airāvata. Porque foram produzidos do néctar, estes dois animais têm importância especial, e representam Kṛṣṇa.

Entre os seres humanos, o rei é o representante de Kṛṣṇa porque Kṛṣṇa é o mantenedor do Universo, e os reis, que são nomeados devido às suas qualidades divinas, são os mantenedores de seus reinos. Reis como Mahārāja Yudhiṣṭhira, Mahārāja Parīkṣit e o Senhor Rāma foram todos reis muito íntegros que sempre pensavam no bem-estar dos cidadãos. Na literatura védica, o rei é considerado o representante de Deus. Entretanto, nesta era, com a corrupção dos princípios da religião, a monarquia decaiu até que acabou sendo abolida. Todavia deve-se entender que, no passado, o povo era mais feliz sob a proteção de reis virtuosos.

Texto

āyudhānām ahaṁ vajraṁ
dhenūnām asmi kāma-dhuk
prajanaś cāsmi kandarpaḥ
sarpāṇām asmi vāsukiḥ

Sinônimos

āyudhānām — de todas as armas; aham — Eu sou; vajram — o raio; dhenūnām — das vacas; asmi — sou; kāma-dhuk — a vaca surabhi; prajanaḥ — a causa para gerar filhos; ca — e; asmi — Eu sou; kandarpaḥ — Cupido; sarpāṇām — das serpentes; asmi — sou; vāsukiḥ — Vāsuki.

Tradução

Das armas sou o raio; entre as vacas sou a surabhi. Das causas que fomentam a procriação, sou Kandarpa, o deus do amor, e das serpentes, sou Vāsuki.

Comentário

O raio, uma arma deveras poderosa, representa o poder de Kṛṣṇa. Em Kṛṣṇaloka, no céu espiritual, há vacas que podem ser ordenhadas a qualquer hora, e elas dão tanto leite quanto se queira. É claro que essas vacas não existem neste mundo material, mas menciona-se que elas estão presentes em Kṛṣṇaloka. O Senhor mantém muitas dessas vacas, chamadas surabhi. Afirma-se que o Senhor ocupa-Se em apascentar as vacas surabhi. Kandarpa é o desejo sexual com que se produzem bons filhos; por isso, Kandarpa é o representante de Kṛṣṇa. Às vezes, as pessoas ocupam-se em sexo apenas em busca de gozo dos sentidos; tal sexo não representa Kṛṣṇa. Mas o sexo para gerar bons filhos chama-se Kandarpa e representa Kṛṣṇa.

Texto

anantaś cāsmi nāgānāṁ
varuṇo yādasām aham
pitṝṇām aryamā cāsmi
yamaḥ saṁyamatām aham

Sinônimos

anantaḥ — Ananta; ca — também; asmi — Eu sou; nāgānām — das serpentes de muitos capelos; varuṇaḥ — o semideus que controla a água; yādasām — de todos os seres aquáticos; aham — Eu sou; pitṝṇām — dos ancestrais; aryamā — Aryamā; ca — também; asmi — sou; yamaḥ — o controlador da morte; saṁyamatām — de todos os reguladores; aham — Eu sou.

Tradução

Das Nāgas de muitos capelos, sou Ananta, e entre os seres aquáticos, sou o semideus Varuṇa. Dos ancestrais que partiram sou Aryamā, e entre aqueles que impõem a lei, sou Yama, o senhor da morte.

Comentário

Entre as serpentes Nāgas que têm muitos capelos, Ananta é a maior, assim como o semideus Varuṇa o é entre os seres aquáticos. Ambos representam Kṛṣṇa. Há também um planeta dos Pitās, antepassados, presidido por Aryamā, que representa Kṛṣṇa. Há muitas entidades vivas que punem os malfeitores, e entre elas Yama é o líder. Yama está situado num planeta perto deste planeta terrestre. Após a morte, aqueles que são muito pecaminosos são levados para lá, e Yama providencia para eles várias espécies diferentes de punições.

Texto

prahlādaś cāsmi daityānāṁ
kālaḥ kalayatām aham
mṛgāṇāṁ ca mṛgendro ’haṁ
vainateyaś ca pakṣiṇām

Sinônimos

prahlādaḥ — Prahlāda; ca — também; asmi — Eu sou; daityānām — dos demônios; kālaḥ — o tempo; kalayatām — dos subjugadores; aham — Eu sou; mṛgāṇām — dos animais; ca — e; mṛga-indraḥ — o leão; aham — Eu sou; vainateyaḥ — Garuḍa; ca — também; pakṣiṇām — das aves.

Tradução

Entre os demônios Daityas, sou o devotado Prahlāda; entre os subjugadores, sou o tempo; entre os animais selvagens, sou o leão; e entre as aves, sou Garuḍa.

Comentário

Diti e Aditi são duas irmãs. Os filhos de Aditi chamam-se Ādityas, e os filhos de Diti são chamados Daityas. Todos os Ādityas são devotos do Senhor, e todos os Daityas são ateus. Embora tivesse nascido na família dos Daityas, Prahlāda foi um grande devoto desde a infância. Devido ao seu serviço devocional e natureza piedosa, ele é considerado um representante de Kṛṣṇa.

Há muitos princípios subjugadores, mas o tempo corrói todas as coisas no universo material e, portanto, representa Kṛṣṇa. Dos vários animais, o leão é o mais poderoso e feroz, e dos milhões de tipos de aves, Garuḍa, o transportador do Senhor Viṣṇu, é o maior.

Texto

pavanaḥ pavatām asmi
rāmaḥ śastra-bhṛtām aham
jhaṣāṇāṁ makaraś cāsmi
srotasām asmi jāhnavī

Sinônimos

pavanaḥ — o vento; pavatām — de tudo o que purifica; asmi — Eu sou; rāmaḥ — Rāma; śastra-bhṛtām — dos portadores de armas; aham — Eu sou; jhaṣāṇām — de todos os peixes; makaraḥ — o tubarão; ca — também; asmi — sou; srotasām — dos rios que correm; asmi — sou; jāhnavī — o rio Ganges.

Tradução

Dos purificadores, sou o vento; dos manejadores de armas, sou Rāma; dos peixes, sou o tubarão; e dos rios que correm, sou o Ganges.

Comentário

De todos os seres aquáticos, o tubarão é um dos maiores e com certeza o mais perigoso para o homem. Então, o tubarão representa Kṛṣṇa.

Texto

sargāṇām ādir antaś ca
madhyaṁ caivāham arjuna
adhyātma-vidyā vidyānāṁ
vādaḥ pravadatām aham

Sinônimos

sargāṇām — de todas as criações; ādiḥ — o começo; antaḥ — o fim; ca — e; madhyam — o meio; ca — também; eva — decerto; aham — Eu sou; arjuna — ó Arjuna; adhyātma-vidyā — o conhecimento espiritual; vidyānām — de toda a educação; vādaḥ — a conclusão natural; pravadatām — dos argumentos; aham — Eu sou.

Tradução

De todas as criações, sou o começo, o fim e também o meio, ó Arjuna. De todas as ciências, sou a ciência espiritual do eu, e entre os lógicos, sou a verdade conclusiva.

Comentário

Entre as manifestações criadas, a primeira é a criação da totalidade dos elementos materiais. Como se explicou antes, a manifestação cósmica é criada e conduzida por Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, e então é aniquilada pelo Senhor Śiva. Brahmā é um criador secundário. Todos esses agentes encarregados da criação, manutenção e aniquilação são encarnações das qualidades materiais do Senhor Supremo. Portanto, Ele é o início, o meio e o fim de toda a criação.

Para a educação avançada, há várias espécies de livros de conhecimento, tais como os quatro Vedas, seus seis suplementos, o Vedānta-sūtra, livros de lógica, livros sobre religião e os Purāṇas. Assim, há um total de quatorze divisões de livros educativos. Destes, o livro que apresenta adhyātma-vidyā, o conhecimento espiritual — em particular, o Vedānta-sūtra — representa Kṛṣṇa.

Entre os lógicos, há diferentes espécies de argumentos. Apoiar o próprio argumento com evidência que também apóia o lado opositor chama-se jalpa. Tentar simplesmente derrotar o adversário chama-se vitaṇḍā. Mas a verdadeira conclusão chama-se vāda. Esta verdade conclusiva é uma representação de Kṛṣṇa.

Texto

akṣarāṇām a-kāro ’smi
dvandvaḥ sāmāsikasya ca
aham evākṣayaḥ kālo
dhātāhaṁ viśvato-mukhaḥ

Sinônimos

akṣarāṇām — das letras; a-kāraḥ — a primeira letra; asmi — Eu sou; dvandvaḥ — o dual; sāmāsikasya — dos compostos; ca — e; aham — Eu sou; eva — decerto; akṣayaḥ — eterno; kālaḥ — o tempo; dhātā — o criador; aham — Eu sou; viśvataḥ-mukhaḥ — Brahmā.

Tradução

Das letras, sou a letra A, e entre as palavras compostas, sou o composto duplo. Sou também o tempo inexaurível, e dos criadores, sou Brahmā.

Comentário

A-kāra, a primeira letra do alfabeto sânscrito, é o começo da literatura védica. Sem a-kāra, não há emissão sonora; portanto, ela é o começo do som. Em sânscrito, há também muitas palavras compostas, das quais a palavra dual como rāma-kṛṣṇa, chama-se dvandva. Neste composto, as palavras rāma e kṛṣṇa mantêm a sua forma intacta, e por isso o composto chama-se dual.

Entre todas as espécies de matadores, o tempo é o maior porque ele mata tudo. O tempo é o representante de Kṛṣṇa porque haverá oportunamente um grande fogo e tudo será aniquilado.

Entre as entidades vivas que têm a capacidade de criar, Brahmā, que possui quatro cabeças, é a principal. Por isso, ele é um representante do Supremo Senhor Kṛṣṇa.

Texto

mṛtyuḥ sarva-haraś cāham
udbhavaś ca bhaviṣyatām
kīrtiḥ śrīr vāk ca nārīṇāṁ
smṛtir medhā dhṛtiḥ kṣamā

Sinônimos

mṛtyuḥ — a morte; sarva-haraḥ — que devora tudo; ca — também; aham — Eu sou; udbhavaḥ — a geração; ca — também; bhaviṣyatām — de manifestações futuras; kīrtiḥ — fama; śrīḥ — opulência ou beleza; vāk — linguagem afável; ca — também; nārīṇām — das mulheres; smṛtiḥ — memória; medhā — inteligência; dhṛtiḥ — firmeza; kṣamā — paciência.

Tradução

Eu sou a morte que tudo devora e sou o princípio encarregado de gerar tudo o que vai existir. Entre as mulheres, sou a fama, a fortuna, a linguagem afável, a memória, a inteligência, a firmeza e a paciência.

Comentário

Logo que nasce, o homem morre a cada momento. Assim, a cada momento, a morte está devorando toda entidade viva, mas o último golpe chama-se a morte em si. Essa morte é Kṛṣṇa. Quanto ao desenvolvimento futuro, todas as entidades vivas sofrem seis mudanças básicas. Elas nascem, crescem, duram algum tempo, reproduzem-se, definham, e por fim desaparecem. Destas mudanças, a primeira é o parto, e isto é Kṛṣṇa. A primeira geração é o começo de todas as atividades futuras.

As sete opulências enumeradas — fama, fortuna, linguagem afável, memória, inteligência, firmeza e paciência — são consideradas femininas. Se alguém possui todas elas ou algumas delas, torna-se glorioso. Se um homem tem fama de virtuoso, isto o torna glorioso. O sânscrito é uma língua perfeita e é portanto muito gloriosa. Se, depois de estudar, alguém pode se lembrar do assunto, ele é dotado de boa memória, ou smṛti. E a habilidade não só para ler muitos livros sobre diferentes assuntos, mas também para entendê-los e aplicá-los quando necessário, é inteligência (medhā), outra opulência. O dom de superar a instabilidade chama-se firmeza ou determinação (dhṛti). E quando alguém é plenamente qualificado mas é humilde e gentil, e quando é capaz de manter o equilíbrio na tristeza e no êxtase da alegria, ele tem a opulência chamada paciência (kṣamā).

Texto

bṛhat-sāma tathā sāmnāṁ
gāyatrī chandasām aham
māsānāṁ mārga-śīrṣo ’ham
ṛtūnāṁ kusumākaraḥ

Sinônimos

bṛhat-sāma — o Bṛhat-sāma; tathā — também; sāmnām — dos hinos do Sāma Veda; gāyatrī — os hinos Gāyatrī; chandasām — de toda a poesia; aham — Eu sou; māsānām — dos meses; mārga-śīrṣaḥ — o mês de novembro-dezembro; aham — Eu sou; ṛtūnām — de todas as estações; kusuma-ākaraḥ — a primavera.

Tradução

Dos hinos do Sāma Veda, sou o Bṛhat-sāma, e da poesia, sou o Gāyatrī. Dos meses, sou mārgaśīrṣa [novembro-dezembro], e das estações, sou a primavera florida.

Comentário

O Senhor já explicou que, entre todos os Vedas, Ele é o Sāma Veda. O Sāma Veda é rico com canções belamente entoadas pelos vários semideuses. Um desses hinos é o Bṛhat-sāma, que tem uma melodia belíssima que se canta à meia-noite.

Em sânscrito, a poesia obedece a regras definidas; diferentemente do que acontece com muita poesia moderna, a rima e a métrica não são escritas de maneira caprichosa. Entre a poesia regulada, o mantra Gāyatrī que é cantado pelos brāhmaṇas devidamente qualificados, é o que mais se destaca. O mantra Gāyatrī é mencionado no Śrīmad-Bhāgavatam. Porque se destina especificamente à compreensão acerca de Deus, o mantra Gāyatrī representa o Senhor Supremo. Este mantra é para pessoas espiritualmente adiantadas, e quando seu cantar é bem-sucedido, pode-se conviver com o Senhor transcendental. Para cantar o mantra Gāyatrī primeiramente é necessário adquirir as qualidades de uma pessoa perfeita, ou seja, aquelas qualidades do modo da bondade material. Na civilização védica, o mantra Gāyatrī é muito importante e é considerado a encarnação sonora do Brahman. Inicialmente, ele é recebido por Brahmā, que então o transmite em sucessão discipular.

O mês de novembro-dezembro é considerado o melhor de todos os meses porque na Índia os grãos são colhidos dos campos nesta época e o povo fica muito feliz. É claro que a primavera é uma estação universalmente apreciada porque não é muito quente nem muito fria e as flores e árvores desabrocham e desenvolvem-se. Na primavera, há também muitas cerimônias que comemoram os passatempos de Kṛṣṇa, por isso, esta é considerada a mais alegre de todas as estações, e ela representa o Supremo Senhor Kṛṣṇa.

Texto

dyūtaṁ chalayatām asmi
tejas tejasvinām aham
jayo ’smi vyavasāyo ’smi
sattvaṁ sattvavatām aham

Sinônimos

dyūtam — a jogatina; chalayatām — de todas as trapaças; asmi — Eu sou; tejaḥ — o esplendor; tejasvinām — de tudo o que é esplêndido; aham — Eu sou; jayaḥ — vitória; asmi — Eu sou; vyavasāyaḥ — empresa ou aventura; asmi — Eu sou; sattvam — a força; sattvavatām — dos fortes; aham — Eu sou.

Tradução

Sou também a jogatina em que se fazem trapaças, e do esplêndido, sou o esplendor. Eu sou a vitória, a aventura e a força dos fortes.

Comentário

Há muitas espécies de trapaceiros em todo o Universo. De todos os processos em que há trapaça, o jogo de azar é supremo e por isso representa Kṛṣṇa. Como Supremo, Kṛṣṇa pode simplesmente ser mais enganoso do que qualquer homem. Se Kṛṣṇa resolve enganar alguém, ninguém consegue inventar uma trapaça maior do que a Sua — Sua grandeza não é apenas unilateral — ela é onidirecional.

Entre os vencedores, Ele é a vitória. Ele é o esplendor do esplêndido. Entre os empreendedores e os diligentes, Ele é o mais empreendedor, e o mais diligente. Entre os aventureiros, Ele é o mais aventuroso, e entre os fortes, Ele é o mais forte. Quando Kṛṣṇa esteve presente na Terra, ninguém pôde superá-lO em força. Mesmo na infância Ele ergueu a Colina de Govardhana. Ninguém pode superá-lO na trapaça, ninguém pode superá-lO em esplendor, ninguém pode superá-lO em vitória, ninguém pode superá-lO em empreendimento e ninguém pode superá-lO em força.

Texto

vṛṣṇīnāṁ vāsudevo ’smi
pāṇḍavānāṁ dhanañ-jayaḥ
munīnām apy ahaṁ vyāsaḥ
kavīnām uśanā kaviḥ

Sinônimos

vṛṣṇīnām — dos descendentes de Vṛṣṇi; vāsudevaḥ — Kṛṣṇa em Dvārakā; asmi — Eu sou; pāṇḍavānām — dos Pāṇḍavas; dhanañjayaḥ — Arjuna; munīnām — dos sábios; api — também; aham — Eu sou; vyāsaḥ — Vyāsa, o compilador de toda a literatura védica; kavīnām — de todos os grandes pensadores; uśanā — Uśanā; kaviḥ — o pensador.

Tradução

Dos descendentes de Vṛṣṇi, sou Vāsudeva, e dos Pāṇḍavas, sou Arjuna. Dos sábios, sou Vyāsa, e entre os grandes pensadores, sou Uśanā.

Comentário

Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus original, e Baladeva é a expansão imediata de Kṛṣṇa. Tanto o Senhor Kṛṣṇa quanto Baladeva apareceram como filhos de Vasudeva, logo, ambos podem ser chamados de Vāsudeva. De outro ponto de vista, como Kṛṣṇa nunca deixa Vṛndāvana, todas as formas de Kṛṣṇa que aparecem em outra parte são expansões dEle. Vāsudeva é uma expansão imediata de Kṛṣṇa, e portanto, Vāsudeva não é diferente de Kṛṣṇa. Deve-se entender que o Vāsudeva ao qual este verso do Bhagavad-gītā refere-se é Baladeva, ou Balarāma, por ser Ele a fonte que origina todas as encarnações. Assim Ele é a única fonte de Vāsudeva. As expansões imediatas do Senhor chamam-se svāṁśa (expansões pessoais), e há também as expansões chamadas vibhinnāṁśa (expansões separadas).

Entre os filhos de Pāṇḍu, Arjuna é famoso como Dhanañjaya. Ele é o melhor dos homens e, portanto, representa Kṛṣṇa. Entre os munis, ou homens eruditos, versados no conhecimento védico, Vyāsa é o maior porque forneceu várias explicações acerca do conhecimento védico para que este pudesse ser entendido pela massa de pessoas comuns que vivem nesta era de Kali. E Vyāsa também é conhecido como uma encarnação de Kṛṣṇa; portanto, Vyāsa também representa Kṛṣṇa. Kavis são aqueles capazes de pensar detidamente em qualquer tema. Entre os kavis, Uśanā, ou Śukrācārya, era o mestre espiritual dos demônios; ele era um político deveras inteligente e perspicaz. Então, Śukrācārya é um outro representante da opulência de Kṛṣṇa.

Texto

daṇḍo damayatām asmi
nītir asmi jigīṣatām
maunaṁ caivāsmi guhyānāṁ
jñānaṁ jñānavatām aham

Sinônimos

daṇḍaḥ — o castigo; damayatām — de todos os meios de repressão; asmi — sou; nītiḥ — a moralidade; asmi — Eu sou; jigīṣatām — dos que buscam a vitória; maunam — o silêncio; ca — e; eva — também; asmi — sou; guhyānām — dos segredos; jñānam — o conhecimento; jñāna-vatām — dos sábios; aham — Eu sou.

Tradução

Dentre todos os meios que reprimem a ilegalidade, sou o castigo, e daqueles processos que visam à vitória, sou a moralidade. Das coisas secretas, sou o silêncio, e dos sábios, sou a sabedoria.

Comentário

Há muitos agentes repressores, dos quais os mais importantes são aqueles que abatem os malfeitores. Quando tais malfeitores são punidos, aquilo através do qual se inflige o castigo representa Kṛṣṇa. Entre aqueles que estão tentando sair vitoriosos em algum campo de atividade, o elemento mais vitorioso é a moralidade. Entre as atividades confidenciais em que se precisa ouvir, pensar e meditar, o silêncio é muito importante porque, com o silêncio, pode-se fazer um progresso rápido. Homem sábio é aquele que pode discriminar entre matéria e espírito, entre as naturezas superior e inferior de Deus. Tal conhecimento é o próprio Kṛṣṇa.

Texto

yac cāpi sarva-bhūtānāṁ
bījaṁ tad aham arjuna
na tad asti vinā yat syān
mayā bhūtaṁ carācaram

Sinônimos

yat — tudo o que; ca — também; api — pode ser; sarva-bhūtānām — de todas as criações; bījam — a semente; tat — isso; aham — Eu sou; arjuna — ó Arjuna; na — não; tat — isso; asti — existe; vinā — sem; yat — que; syāt — existe; mayā — por Mim; bhūtam — ser criado; cara-acaram — móvel e inerte.

Tradução

Ademais, ó Arjuna, sou a semente geradora de todas as existências. Não existe ser algum — móvel ou imóvel — que possa existir sem Mim.

Comentário

Tudo tem uma causa, e a causa ou a semente da manifestação é Kṛṣṇa. Sem a energia de Kṛṣṇa, nada pode existir; por isso, Ele é chamado onipotente. Sem Sua potência, nem o móvel nem o imóvel podem existir. Qualquer existência que não se baseie na energia de Kṛṣṇa chama-se māyā, “aquilo que não é”.

Texto

nānto ’sti mama divyānāṁ
vibhūtīnāṁ paran-tapa
eṣa tūddeśataḥ prokto
vibhūter vistaro mayā

Sinônimos

na — nem; antaḥ — limite; asti — existe; mama — de Minhas; divyānām — divinas; vibhūtīnām — opulências; parantapa — ó vencedor dos inimigos; eṣaḥ — tudo isto; tu — mas; uddeśataḥ — como exemplos; proktaḥ — falados; vibhūteḥ — de opulências; vistaraḥ — a expansão; mayā — por Mim.

Tradução

Ó poderoso vencedor dos inimigos, Minhas manifestações divinas nunca chegam ao fim. O que lhe disse é apenas um mero indício de Minhas opulências infinitas.

Comentário

Como se afirma na literatura védica, embora haja muitas compreensões sobre as opulências e energias do Supremo, essas opulências são ilimitadas; por isso, não se podem explicar todas as opulências e energias. Apenas uns poucos exemplos estão sendo descritos a Arjuna para satisfazer sua curiosidade.

Texto

yad yad vibhūtimat sattvaṁ
śrīmad ūrjitam eva vā
tat tad evāvagaccha tvaṁ
mama tejo-’ṁśa-sambhavam

Sinônimos

yat yat — tudo o que; vibhūti — opulências; mat — tendo; sattvam — existência; śrī-mat — bela; ūrjitam — gloriosa; eva — decerto; — ou; tat tat — todas essas; eva — decerto; avagaccha — deve saber; tvam — você; mama — Meu; tejaḥ — do esplendor; aṁśa — uma parte; sambhavam — nascidas de.

Tradução

Fique sabendo que todas as criações opulentas, belas e gloriosas emanam de uma mera centelha do Meu esplendor.

Comentário

Deve-se compreender que toda existência gloriosa ou bela é uma mera manifestação fragmentária da opulência de Kṛṣṇa, quer seja no mundo espiritual quer no material. Algo extraordinariamente opulento deve ser considerado a representação da opulência de Kṛṣṇa.

Texto

atha vā bahunaitena
kiṁ jñātena tavārjuna
viṣṭabhyāham idaṁ kṛtsnam
ekāṁśena sthito jagat

Sinônimos

atha — ou; bahunā — muitos; etena — por esta espécie; kim — qual; jñātena — de conhecimento; tava — seu; arjuna — ó Arjuna; viṣṭabhya — penetrando; aham — Eu; idam — este; kṛtsnam — inteiro; eka — por uma; aṁśena — parte; sthitaḥ — estou situado; jagat — o Universo.

Tradução

Mas qual é a necessidade, Arjuna, de todo esse conhecimento minucioso? Com um simples fragmento de Mim mesmo, Eu penetro e sustento todo este Universo.

Comentário

O fato de a Superalma estar presente em tudo o que existe faz com que o Senhor Supremo esteja representado em todos os universos materiais. Aqui, o Senhor diz a Arjuna que não há vantagem em compreender como cada coisa tem sua própria opulência e grandeza. Ele deve saber que todas as coisas existem porque Kṛṣṇa entra nelas como Superalma. Começando pela entidade viva mais gigantesca, Brahmā, e indo até a menor formiga, todos existem porque o Senhor entrou em cada um deles e os sustenta.

Há uma doutrina que propõe que a adoração a qualquer semideus nos conduzirá à Suprema Personalidade de Deus, ou à meta suprema. Mas nesta passagem desaconselha-se veementemente a adoração aos semideuses porque mesmo os maiores semideuses, tais como Brahmā e Śiva, representam apenas uma parte da opulência do Senhor Supremo. Ele é a origem de todos os nascidos, e ninguém é maior do que Ele. Ele é asamaurdhva, e isto significa que ninguém é igual ou superior a Ele. No Padma Purāṇa, se diz que aquele que considera o Supremo Senhor Kṛṣṇa na mesma categoria dos semideuses — mesmo que se trate de Brahmā ou Śiva — torna-se na hora um ateu. Todavia, se alguém estudar a fundo as diferentes descrições das opulências e expansões da energia de Kṛṣṇa, então, ele poderá compreender, sem dúvida alguma, a posição do Senhor Śrī Kṛṣṇa, e poderá fixar a mente na adoração sempre dirigida a Kṛṣṇa. O Senhor é onipenetrante através da expansão de Sua representação parcial, a Superalma, que entra em tudo o que existe. Os devotos puros, portanto, concentram suas mentes na consciência de Kṛṣṇa no serviço devocional pleno; por conseguinte, sempre se encontram na posição transcendental. Os versos oito a onze deste capítulo recomendam claramente o serviço devocional e a adoração a Kṛṣṇa. Este é o caminho do serviço devocional puro. Este capítulo explica em detalhes como é possível atingir a mais elevada perfeição devocional, associando-se com a Suprema Personalidade de Deus. Śrīla Baladeva Vidyābhūṣaṇa, um grande ācārya da sucessão discipular instaurada por Kṛṣṇa, conclui seu comentário sobre este capítulo, dizendo:

yac-chakti-leśāt suryādyā
bhavanty aty-ugra-tejasaḥ
yad-aṁśena dhṛtaṁ viśvaṁ
sa kṛṣṇo daśame ’rcyate

Até mesmo o poderoso Sol recebe seu poder da energia potente do Senhor Kṛṣṇa, e por meio da expansão parcial de Kṛṣṇa, o mundo todo é mantido. Portanto, o Senhor Śrī Kṛṣṇa é adorável.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Décimo Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata da Opulência do Absoluto.