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CAPÍTULO NOVE

O Conhecimento Mais Confidencial

Texto

śrī-bhagavān uvāca
idaṁ tu te guhya-tamaṁ
pravakṣyāmy anasūyave
jñānaṁ vijñāna-sahitaṁ
yaj jñātvā mokṣyase ’śubhāt

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; idam — este; tu — mas; te — a você; guhya-tamam — o mais confidencial; pravakṣyāmi — estou falando; anasūyave — ao não-invejoso; jñānam — conhecimento; vijñāna — conhecimento realizado; sahitam — com; yat — o qual; jñātvā — conhecendo; mokṣyase — será liberado; aśubhāt — desta miserável existência material.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, porque você nunca Me inveja, Eu lhe transmitirei este ensinamento e compreensão muito confidenciais. E conhecendo-os, você ficará livre das misérias da existência material.

Comentário

À medida que continua a ouvir sobre o Senhor Supremo, o devoto se ilumina. O Śrīmad-Bhāgavatam recomenda este processo de audição: “As mensagens da Suprema Personalidade de Deus são plenas em potências, e estas potências podem ser sentidas se os tópicos sobre a Divindade Suprema são discutidos entre os devotos. Isto não pode ser alcançado pela associação de especuladores mentais ou de estudiosos acadêmicos, pois é um conhecimento realizado”.

Os devotos se ocupam constantemente no serviço do Senhor Supremo. O Senhor entende a mentalidade e a sinceridade de uma entidade viva que esteja em consciência de Kṛṣṇa, e lhe dá inteligência para entender a ciência de Kṛṣṇa na associação dos devotos. As discussões a respeito de Kṛṣṇa são muito potentes, e se alguém tem a boa fortuna dessa associação e tenta assimilar o conhecimento, então, na certa progredirá rumo à compreensão espiritual. O Senhor Kṛṣṇa, a fim de estimular Arjuna a não parar de elevar-se no potente serviço ao Senhor, descreve neste Nono Capítulo os assuntos mais confidenciais dentre todos os que revelara até então.

O início do Bhagavad-gītā, o Primeiro Capítulo, é praticamente uma introdução ao resto do livro; e o conhecimento espiritual descrito no Segundo e Terceiro Capítulos é chamado confidencial. Os tópicos comentados nos Capítulos Sétimo e Oitavo relacionam-se especificamente com o serviço devocional e, porque nos iluminam em consciência de Kṛṣṇa, são considerados mais confidenciais. Mas os assuntos descritos no Nono Capítulo tratam da devoção pura e imaculada. Portanto, ele é chamado o mais confidencial. Aquele situado no conhecimento mais confidencial acerca de Kṛṣṇa alcança a transcendência e não tem mais angústias materiais, embora esteja no mundo material. No Bhakti-rasāmṛta-sindhu se diz que quem tem um desejo sincero de prestar serviço amoroso ao Senhor Supremo já é liberado, apesar de permanecer no estado de existência material condicionada. De modo semelhante, encontraremos no Bhagavad-gītā, Décimo Capítulo, que, qualquer um que adote tal ocupação é uma pessoa liberada.

Ora, este primeiro verso tem significado específico. As palavras idaṁ jñānam (“este conhecimento”) referem-se ao serviço devocional puro, que consiste em nove atividades diferentes: ouvir, cantar, lembrar, servir, adorar, orar, obedecer, manter amizade e entregar tudo. Pela prática destes nove itens do serviço devocional, elevamo-nos à consciência espiritual, consciência de Kṛṣṇa. Quando a contaminação material é expurgada do coração, podemos entender esta ciência de Kṛṣṇa. A simples compreensão de que a entidade viva não é material é insuficiente. Este talvez seja o começo da percepção espiritual, mas deve-se reconhecer a diferença entre as atividades corpóreas e as atividades espirituais daquele que entende que não é seu corpo.

No Sétimo Capítulo, já discutimos a esplêndida potência da Suprema Personalidade de Deus, Suas diferentes energias, as naturezas inferior e superior e toda esta manifestação material. Agora, no Capítulo Nono, serão delineadas as glórias do Senhor.

Neste verso, a palavra sânscrita anasūyave também é muito significativa. Em geral, todos os comentadores, mesmo sendo muito eruditos, são invejosos de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Até mesmo os estudiosos mais eruditos escrevem sobre o Bhagavad-gītā com muita imprecisão. Porque invejam Kṛṣṇa, seus comentários são inúteis. Os comentários feitos pelos devotos do Senhor são genuínos. Quem é invejoso não pode explicar o Bhagavad-gītā ou transmitir conhecimento perfeito acerca de Kṛṣṇa. Quem critica o caráter de Kṛṣṇa apesar de não conhecê-lO, é um tolo. Portanto, deve-se ter o máximo cuidado de não aceitar tais comentários. Para quem entende que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, a Personalidade pura e transcendental, estes capítulos serão muito benéficos.

Texto

rāja-vidyā rāja-guhyaṁ
pavitram idam uttamam
pratyakṣāvagamaṁ dharmyaṁ
su-sukhaṁ kartum avyayam

Sinônimos

rāja-vidyā — o rei da educação; rāja-guhyam — o rei do conhecimento confidencial; pavitram — o mais puro; idam — este; uttamam — transcendental; pratyakṣa — através de experiência direta; avagamam — compreendido; dharmyam — o princípio da religião; su-sukham — muito feliz; kartum — executar; avyayam — perpétuo.

Tradução

Este conhecimento é o rei da educação, o mais secreto de todos os segredos. É o conhecimento mais puro, e por conceder uma percepção direta do eu, é a perfeição da religião. Ele é eterno e é executado alegremente.

Comentário

Este capítulo do Bhagavad-gītā é chamado o rei da educação porque é a essência de todas as doutrinas e filosofias já explicadas. Entre os principais filósofos da Índia estão Gautama, Kaṇāda, Kapila, Yājñavalkya, Śāṇḍilya e Vaiśvānara. E também Vyāsadeva, o autor do Vedānta-sūtra. Logo, não há escassez de conhecimento no campo de filosofia ou conhecimento transcendental. Agora, o Senhor diz que este Nono Capítulo é o rei de todo este conhecimento, a essência de toda a instrução que pode ser derivada do estudo dos Vedas e dos diferentes tipos de filosofia. É o mais confidencial porque o conhecimento confidencial ou transcendental envolve a compreensão da diferença entre alma e corpo. E o rei de todo o conhecimento confidencial culmina no serviço devocional.

De um modo geral, não se ensina este conhecimento confidencial; há apenas educação do conhecimento convencional. Quanto à instrução comum, as pessoas envolvem-se em tantos departamentos: política, sociologia, física, química, matemática, astronomia, engenharia, etc. Existem muitos departamentos de conhecimento espalhados pelo mundo, e muitas universidades colossais, mas infelizmente não há nenhuma universidade ou instituição educacional onde se ensine a ciência da alma espiritual. No entanto, a alma é a parte mais importante do corpo; sem a presença da alma, o corpo não tem valor algum. Mesmo assim, as pessoas dão grande ênfase às necessidades físicas da vida, e não se importam com a alma vital.

O Bhagavad-gītā, especialmente do Segundo Capítulo em diante, realça a importância da alma. Logo no começo, o Senhor diz que este corpo é perecível e que a alma não é perecível (antavanta ime dehā nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ). Esta é uma parte confidencial do conhecimento: saber apenas que a alma espiritual é diferente deste corpo e que tem natureza imutável, indestrutível e eterna. Porém, isso não dá informação positiva sobre a alma. Às vezes, as pessoas têm a impressão de que a alma é diferente do corpo e que quando o corpo acaba, ou quando a pessoa se libera do corpo, a alma permanece no vazio e torna-se impessoal. Mas esta não é a realidade dos fatos. Como pode a alma, que é tão ativa dentro deste corpo, ficar inativa depois de liberar-se do corpo? Ela é sempre ativa. Se é eterna, então é eternamente ativa, e suas atividades no reino espiritual são a parte mais confidencial do conhecimento espiritual. Portanto, indica-se aqui que estas atividades da alma espiritual são o rei de todo o conhecimento, a parte mais confidencial de todo o conhecimento.

Este conhecimento é a forma mais pura de todas atividades, como explica a literatura védica. No Padma Purāṇa, analisam-se as atividades pecaminosas do homem e mostra-se que elas são o resultado de pecados consecutivos. Aqueles que se ocupam em atividades fruitivas estão enredados em diferentes fases e formas de reações pecaminosas. Por exemplo, quando se planta a semente de uma determinada árvore, a árvore não parece crescer imediatamente; leva algum tempo. Primeiro, nasce um broto que depois assume a forma de árvore; em seguida, ela floresce e dá frutos, e, quando está completa, quem a semeou desfruta de suas flores e frutos. De modo semelhante, um homem executa um ato pecaminoso, e, como uma semente, leva tempo para este ato frutificar. Há diferentes etapas. Talvez o indivíduo tenha parado de cometer a ação pecaminosa, mas os resultados ou o fruto desta ação pecaminosa ainda não foram experimentados. Há pecados que ainda estão em forma de semente, e há outros que já amadureceram e estão dando fruto, que é experimentado como miséria e dor.

Como foi explicado no vigésimo oitavo verso do Sétimo Capítulo, quem eliminou por completo as reações de todas as atividades pecaminosas e ocupa-se plenamente em atividades piedosas, liberando-se da dualidade deste mundo material, passa a prestar serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Em outras palavras, aqueles que estão realmente ocupados no serviço devocional ao Senhor Supremo já se liberaram de todas as reações. O Padma Purāṇa confirma esta declaração:

aprārabdha-phalaṁ pāpaṁ
kūṭaṁ bījaṁ phalonmukham
krameṇaiva pralīyeta
viṣṇu-bhakti-ratātmanām

Para aqueles que se ocupam no serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, todas as reações pecaminosas — frutificadas, armazenadas, ou em forma de semente — desaparecem aos poucos. Portanto, a potência purificadora do serviço devocional é muito forte e chama-se pavitram uttamam, a mais pura. Uttama significa transcendental. Tamas significa este mundo material ou escuridão, e uttama significa aquilo que é transcendental às atividades materiais. As atividades devocionais nunca devem ser consideradas materiais, embora às vezes tenha-se a impressão de que os devotos estão ocupados como homens comuns. Aquele que consegue ver e que está familiarizado com o serviço devocional saberá que tais atividades não são materiais, mas sim espirituais e devocionais, não estando contaminadas pelos modos da natureza material.

Está dito que a execução do serviço devocional é tão perfeita que se podem perceber diretamente os resultados. Pode-se perceber o resultado proveniente, e temos experiência prática de que, ao cantar os santos nomes de Kṛṣṇa (Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare), não cometendo ofensas ao cantar, a pessoa sente um prazer transcendental e em breve purifica-se de toda a contaminação material. Isto é um fato comprovado. Ademais, se ele se ocupa não só em ouvir, mas também em tentar difundir a mensagem das atividades devocionais, ou se empenha em ajudar as atividades missionárias da consciência de Kṛṣṇa, pouco a pouco experimenta progresso espiritual. Este aperfeiçoamento na vida espiritual não depende de nenhum tipo de instrução ou qualificação anterior. O próprio método é tão puro que é possível purificar-se pelo simples fato de ocupar-se nele.

O Vedānta-sūtra (3.2.26) também descreve isto com as seguintes palavras: prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt. “O serviço devocional é tão poderoso que a iluminação ocorre pelo simples fato de ocupar-se em suas atividades, e quanto a isto não há dúvidas.” Um exemplo prático disso pode ser tirado da vida anterior de Nārada, que era então o filho de uma criada. Ele não tinha instrução, nem nascera em família elevada. Mas quando sua mãe se ocupava em servir a grandes devotos, Nārada também os servia, e às vezes, na ausência de sua mãe, ele os servia sozinho. Nārada pessoalmente diz:

ucchiṣṭa-lepān anumodito dvijaiḥ
sakṛt sma bhuñje tad-apāsta-kilbiṣaḥ
evaṁ pravṛttasya viśuddha-cetasas
tad-dharma evātma-ruciḥ prajāyate

Neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.25), Nārada descreve a seu discípulo Vyāsadeva a sua vida anterior. Ele diz que, quando jovem, se associou intimamente com devotos puros ao servi-los durante a sua permanência de quatro meses ali. Às vezes, aqueles sábios deixavam restos de comida, e o menino, que lavava seus pratos, quis provar esses restos. Então, pediu permissão aos grandes devotos, e quando eles deram, Nārada comeu aqueles restos e, como resultado, livrou-se de todas as reações pecaminosas. Por comer estes restos ele chegou a ficar tão puro de coração quanto os sábios. Ouvindo e cantando, os grandes devotos saboreavam o gosto do incessante serviço devocional ao Senhor, e Nārada pouco a pouco desenvolveu o mesmo gosto. Na continuação, Nārada diz:

tatrānvahaṁ kṛṣṇa-kathāḥ pragāyatām
anugraheṇāśṛṇavaṁ manoharāḥ
tāḥ śraddhayā me ’nupadaṁ viśṛṇvataḥ
priyaśravasy aṅga mamābhavad ruciḥ

Associando-se com os sábios, Nārada tomou gosto em ouvir e cantar as glórias do Senhor e desenvolveu um desejo intenso de prestar serviço devocional. Portanto, como se descreve no Vedānta-sūtra, prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt: só por se ocupar em atos do serviço devocional, tudo se revela automaticamente, e pode-se compreender tudo. Isto se chama pratyakṣa, percebido diretamente.

A palavra dharmyam significa “o caminho da religião”. Nārada era, na verdade, o filho de uma criada. Ele não teve oportunidade de ir à escola. Ele apenas ajudava sua mãe que afortunadamente prestava serviço aos devotos. O menino Nārada também teve a oportunidade e através da simples associação, conseguiu a meta mais elevada de toda a religião, que é o serviço devocional, como se declara no Śrīmad-Bhāgavatam (sa vai puṁsāṁ paro dharmo yato bhaktir adhokṣaje). De um modo geral, as pessoas religiosas não sabem que a perfeição máxima da religião é executar o serviço devocional. Como já discutimos com relação ao último verso do Oitavo Capítulo (vedeṣu yajñeṣu tapaḥsu caiva), para se alcançar a auto-realização, é necessário o conhecimento védico. Mas aqui, embora Nārada nunca tivesse ido à escola do mestre espiritual e não tivesse recebido instruções sobre os princípios védicos, ele obteve os maiores resultados concedidos pelo estudo védico. Este processo é tão poderoso que, mesmo sem executar regularmente o método religioso, pode-se alcançar a perfeição máxima. Como isto é possível? A literatura védica também o confirma: ācāryavān puruṣo veda. Quem se associa com grandes ācāryas, mesmo que não seja instruído ou nunca tenha estudado os Vedas, pode se familiarizar com todo o conhecimento necessário para obter a compreensão espiritual.

O processo do serviço devocional é muito agradável (su-sukham). Por quê? O serviço devocional consiste em śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ, assim, pode-se simplesmente ouvir cantar as glórias do Senhor ou presenciar os ācāryas autorizados fazerem conferências filosóficas sobre o conhecimento transcendental. Apenas sentado pode-se aprender; depois, comem-se os restos do alimento oferecido a Deus, que consiste em belos pratos saborosos. Em todos as etapas, o serviço devocional é alegre. Pode executar serviço devocional mesmo quem vive na penúria. O Senhor diz que patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam: Ele está disposto a aceitar do devoto qualquer tipo de oferenda, não importa o quê. Até mesmo uma folha, uma flor, um pedaço de fruta ou um pouco dágua, que são todos disponíveis em qualquer parte do mundo, podem ser oferecidos por qualquer pessoa, independentemente de sua posição social, e serão aceitos se oferecidos com amor. Há muitos exemplos na história. Pelo simples fato de saborear as folhas de tulasī oferecidas aos pés de lótus do Senhor, grandes sábios como Sanat-kumāra tornaram-se devotos grandiosos. Portanto, o processo devocional é muito agradável, e pode ser executado alegremente. Deus só aceita o amor com que se Lhe oferecem as coisas.

Afirma-se aqui que este serviço devocional existe eternamente. Não é como alegam os filósofos māyāvādīs. Embora eles às vezes, do ponto de vista externo, adotem o serviço devocional, sua idéia é que, enquanto não forem liberados, continuarão seu serviço devocional, mas no fim, quando se liberarem, eles “se tornarão unos com Deus”. Esse serviço devocional temporário oportunista não é aceito como serviço devocional puro. O verdadeiro serviço devocional continua mesmo após a liberação. Quando vai para o planeta espiritual no reino de Deus, lá também o devoto ocupa-se em servir o Senhor Supremo. Ele não tenta se tornar uno com o Senhor Supremo.

Como mostrará o Bhagavad-gītā, o verdadeiro serviço devocional começa após a liberação. Após a liberação, quando se situa na posição Brahman (brahma-bhūta), a pessoa passa a executar serviço devocional (samaḥ sarveṣu bhūteṣu mad-bhaktiṁ labhate parām). Ninguém pode compreender a Suprema Personalidade de Deus executando isoladamente karma-yoga, jñāna-yoga, aṣṭāṅga-yoga ou qualquer outra yoga. Através desses métodos ióguicos, pode-se fazer um pequeno progresso rumo à bhakti-yoga, mas, sem chegar à etapa do serviço devocional, ninguém pode compreender o que a Personalidade de Deus é. O Śrīmad-Bhāgavatam também confirma que, quando alguém se purifica executando o processo do serviço devocional, especialmente ouvindo as almas realizadas comentarem o Śrīmad-Bhāgavatam ou o Bhagavad-gītā, pode então compreender a ciência de Kṛṣṇa, ou a ciência de Deus. Evaṁ prasanna-manaso bhagavad-bhakti-yogataḥ. Quando o coração se limpa de todos os absurdos, então, pode-se compreender o que é Deus. Logo, o processo de serviço devocional, da consciência de Kṛṣṇa, é o rei de toda a instrução e o rei de todo o conhecimento confidencial. É a forma mais pura de religião, e não há dificuldade alguma em executá-lo alegremente. Por isso, todos devem adotá-lo.

Texto

aśraddadhānāḥ puruṣā
dharmasyāsya paran-tapa
aprāpya māṁ nivartante
mṛtyu-saṁsāra-vartmani

Sinônimos

aśraddadhānāḥ — que não têm fé; puruṣāḥ — as pessoas; dharmasya — rumo ao processo de religião; asya — este; parantapa — ó matador dos inimigos; aprāpya — sem obter; mām — a Mim; nivartante — voltam; mṛtyu — da morte; saṁsāra — na existência material; vartmani — no caminho.

Tradução

Aqueles que não são fiéis neste serviço devocional não podem Me alcançar, ó subjugador dos inimigos. Por isso, eles voltam a trilhar o caminho de nascimentos e mortes neste mundo material.

Comentário

Os infiéis não podem adotar este processo de serviço devocional; este é o significado deste verso. A fé surge da associação com os devotos. As pessoas desafortunadas, mesmo depois que as grandes personalidades lhes fornecem toda a evidência contida nos Vedas, continuam sem ter fé em Deus. Elas são receosas e não podem fixar-se no serviço devocional ao Senhor. Logo, a fé é um importantíssimo fator para o progresso em consciência de Kṛṣṇa. No Caitanya-caritāmṛta se diz que fé é a plena convicção de que, pelo simples fato de servir ao Supremo Senhor, Śrī Kṛṣṇa, pode-se alcançar toda a perfeição. Isto se chama verdadeira fé. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (4.31.14):

yathā taror mūla-niṣecanena
tṛpyanti tat-skandha-bhujopaśākhāḥ
prāṇopahārāc ca yathendriyāṇāṁ
tathaiva sarvārhaṇam acyutejyā

“Regando a raiz da árvore, seus galhos, ramos e folhas se satisfazem, e suprindo comida ao estômago, satisfazem-se todos os sentidos do corpo. De modo semelhante, quem se ocupa no serviço transcendental ao Senhor Supremo satisfaz automaticamente todos os semideuses e todas as outras entidades vivas.” Portanto, após ler o Bhagavad-gītā, deve-se chegar prontamente à sua conclusão: desistir de todos os outros compromissos e adotar o serviço ao Senhor Supremo, Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus. Fé é quando se está convencido desta filosofia de vida.

Acontece que o desenvolvimento desta fé é o processo da consciência de Kṛṣṇa. Há três categorias de devotos conscientes de Kṛṣṇa. Na terceira classe, estão aqueles que não têm fé. Mesmo que formalmente ocupem-se em serviço devocional, eles não podem alcançar o nível de perfeição mais elevada. É bem provável que acabem tropeçando. Talvez fiquem ocupados, mas como não têm convicção e fé plenas, é muito difícil que continuem em consciência de Kṛṣṇa. No desempenho de nossa atividade missionária, temos experiência prática de que algumas pessoas vêm e, com algum motivo subjacente, juntam-se à consciência de Kṛṣṇa, e logo que sua situação econômica melhora um pouco, elas abandonam este processo e reassumem seus velhos hábitos. É só com fé que se pode avançar em consciência de Kṛṣṇa. Quanto ao desenvolvimento da fé, entende-se que um devoto de primeira classe em consciência de Kṛṣṇa é aquele que é versado nos textos do serviço devocional e alcançou fé firme. E na segunda classe estão os que não são muito adiantados em compreender as escrituras devocionais, mas que têm a firme fé de que kṛṣṇa-bhakti, ou o serviço a Kṛṣṇa, é o melhor caminho e assim o adotaram de boa fé. Logo, eles são superiores à terceira classe, que não tem conhecimento perfeito acerca das escrituras nem boa fé, mas através da associação com os devotos e com simplicidade está tentando seguir. Na consciência de Kṛṣṇa, o devoto de terceira classe pode cair, mas quem está na segunda classe não cai, e o de primeira classe não tem nenhuma possibilidade de cair. Na primeira classe, o devoto na certa fará progresso e conseguirá o resultado final. Quanto ao que, em consciência de Kṛṣṇa, pertence à terceira classe, embora acredite que o serviço devocional a Kṛṣṇa é muito bom, ainda não adquiriu de escrituras como o Śrīmad-Bhāgavatam e o Bhagavad-gītā o devido conhecimento acerca de Kṛṣṇa. Às vezes, esses devotos de terceira classe em consciência de Kṛṣṇa têm alguma tendência para karma-yoga e jñāna-yoga, e às vezes se perturbam, mas logo que a infecção de karma-yoga ou de jñāna-yoga é debelada, eles se tornam devotos de segunda ou primeira classe em consciência de Kṛṣṇa. A fé em Kṛṣṇa também se divide em três fases e é descrita no Śrīmad-Bhāgavatam. Apego de primeira classe, apego de segunda classe e apego de terceira classe são também explicados no Décimo Primeiro Canto do Śrīmad-Bhāgavatam. Aqueles que não têm fé mesmo após ouvir sobre Kṛṣṇa e a superioridade do serviço devocional, pensando ser um simples elogio, acham o caminho muito difícil, mesmo que procurem se ocupar em serviço devocional. Para eles, há pouquíssima esperança de obter a perfeição. Assim, a fé é muito importante no desempenho do serviço devocional.

Texto

mayā tatam idaṁ sarvaṁ
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ

Sinônimos

mayā — por Mim; tatam — penetrada; idam — esta; sarvam — toda; jagat — manifestação cósmica; avyakta-mūrtinā — pela forma imanifesta; mat-sthāni — em Mim; sarva-bhūtāni — todas as entidades vivas; na — não; ca — também; aham — Eu; teṣu — neles; avasthitaḥ — situado.

Tradução

Sob Minha forma imanifesta, Eu penetro este Universo inteiro. Todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles.

Comentário

A Suprema Personalidade de Deus não é perceptível através dos sentidos materiais grosseiros. Está dito:

ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi
na bhaved grāhyam indriyaiḥ
sevonmukhe hi jihvādau
svayam eva sphuraty adaḥ

(Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.234)

Não se podem compreender o nome, a fama, os passatempos, etc., do Senhor Śrī Kṛṣṇa por meio dos sentidos materiais. Ele Se revela somente a alguém que esteja ocupado em serviço devocional puro sob orientação apropriada. No Brahma-saṁhitā (5.38), afirma-se que premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti: o devoto pode ver a Suprema Personalidade de Deus, Govinda, sempre dentro e fora de si, se tiver desenvolvido uma atitude transcendental amorosa para com Ele. Assim, Ele não é visível às pessoas em geral. Aqui se diz que, embora seja onipenetrante e onipresente, Ele não é concebível através dos sentidos materiais. Isto é indicado aqui com as palavras avyakta-mūrtinā. Mas na verdade, embora não possamos vê-lO, tudo repousa nEle. Como comentamos no Sétimo Capítulo, a manifestação cósmica material inteira é apenas uma combinação de Suas duas diferentes energias — a energia espiritual superior e a energia material inferior. Assim como o brilho do sol se espalha por todo o Universo, a energia do Senhor se espalha por toda a criação, e tudo repousa nessa energia.

Todavia, ninguém deve concluir que, como Ele Se espalha por toda a parte, Ele perdeu Sua existência pessoal. Para refutar este argumento, o Senhor diz: “Eu estou em toda a parte, e tudo está em Mim, mas mesmo assim fico a distância”. Por exemplo, um rei encabeça um governo que é apenas uma manifestação de sua energia; os diferentes departamentos governamentais não passam de energias do rei, e cada departamento apóia-se no poder do rei. Mas mesmo assim não é de se esperar que o rei em pessoa esteja presente em cada departamento. Este é um exemplo rudimentar. Da mesma forma, todas as manifestações que vemos e tudo o que existe, tanto neste mundo material quanto no mundo espiritual, repousam na energia da Suprema Personalidade de Deus. A criação ocorre pela difusão de Suas diferentes energias, e, como se afirma no Bhagavad-gītā, viṣṭabhyāham idaṁ kṛtsnam: Ele está presente em toda a parte por meio de Sua representação pessoal, a difusão de Suas diferentes energias.

Texto

na ca mat-sthāni bhūtāni
paśya me yogam aiśvaram
bhūta-bhṛn na ca bhūta-stho
mamātmā bhūta-bhāvanaḥ

Sinônimos

na — nunca; ca — também; mat-sthāni — situada em Mim; bhūtāni — toda a criação; paśya — apenas veja; me — Meu; yogam aiśvaram — inconcebível poder místico; bhūta-bhṛt — o mantenedor de todas as entidades vivas; na — nunca; ca — também; bhūta-sthaḥ — na manifestação cósmica; mama — Meu; ātmā — o Eu; bhūta-bhāvanaḥ — a fonte de todas as manifestações.

Tradução

E mesmo assim, os elementos criados não repousam em Mim. Observe Minha opulência mística! Embora Eu seja o mantenedor de todas as entidades vivas e embora esteja em toda a parte, não faço parte desta manifestação cósmica, pois Meu Eu é a própria fonte da criação.

Comentário

O Senhor diz que tudo repousa nEle (mat-sthāni sarva-bhūtāni). Ninguém deve dar a isto uma interpretação errada. O Senhor não está diretamente envolvido com a manutenção e sustentação desta manifestação material. Às vezes, vemos um quadro em que Atlas segura o globo em seus ombros; ele parece muito cansado, segurando este grande planeta terrestre. Mas com relação a Kṛṣṇa sustentar este Universo criado, não se deve fazer dEle semelhante imagem. Ele diz que, embora tudo repouse nEle, Ele está à parte. Os sistemas planetários estão flutuando no espaço, e este espaço é a energia do Senhor Supremo. Mas Ele é diferente do espaço. Sua situação é outra. Por isso, o Senhor diz: “Embora eles estejam situados em Minha energia inconcebível, como Suprema Personalidade de Deus, Eu estou à parte deles”. Esta é a inconcebível opulência do Senhor.

O dicionário védico Nirukti diz que yujyate ’nena durghaṭeṣu kāryeṣu: “O Senhor Supremo executa passatempos inconcebivelmente maravilhosos, manifestando Sua energia”. Sua pessoa é cheia de diferentes energias poderosas, e Sua determinação é mesmo um fato. É assim que se deve entender a Personalidade de Deus. Talvez pensemos em fazer algo, mas existem tantos obstáculos, e às vezes não é possível fazer como queremos. Mas quando Kṛṣṇa quer fazer algo, por Seu simples desejo, tudo é executado tão perfeitamente que ninguém pode imaginar como aquilo está sendo feito. O Senhor explica este fato: embora Ele seja o mantenedor e o sustentador da manifestação material inteira, Ele não toca esta manifestação material. Apenas por Sua vontade suprema, tudo é criado, tudo é sustentado, tudo é mantido e tudo é aniquilado. Não há diferença entre Sua mente e Ele mesmo (mas há diferença entre nós e nossa atual mente material), porque Ele é espírito absoluto. O Senhor está simultaneamente presente em tudo; no entanto, o homem comum não pode compreender como Ele também está presente em pessoa. Embora seja diferente desta manifestação material, tudo repousa nEle. Isto é explicado aqui como yogam aiśvaram, o poder místico da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

yathākāśa-sthito nityaṁ
vāyuḥ sarvatra-go mahān
tathā sarvāṇi bhūtāni
mat-sthānīty upadhāraya

Sinônimos

yathā — assim como; ākāśa-sthitaḥ — situado no céu; nityam — sempre; vāyuḥ — o vento; sarvatra-gaḥ — soprando em toda a parte; mahān — grande; tathā — da mesma forma; sarvāṇi bhūtāni — todos os seres criados; mat-sthāni — situados em Mim; iti — assim; upadhāraya — tente compreender.

Tradução

Compreenda que, assim como o vento poderoso, que sopra em toda a parte, sempre permanece no céu, todos os seres criados repousam em Mim.

Comentário

O homem comum não consegue conceber como é que a enorme criação material repousa nEle. Mas o Senhor está dando um exemplo que pode nos ajudar a entender. O céu talvez seja a maior manifestação que podemos conceber. E no céu, o vento ou o ar é a maior manifestação do mundo cósmico. O movimento do ar influencia os movimentos de tudo. Mas embora seja grande, mesmo assim, o vento está dentro do céu; não está além do céu. Da mesma forma, todas as manifestações cósmicas maravilhosas existem pela suprema vontade de Deus, e todas elas estão subordinadas a essa vontade suprema. Como em geral dizemos, nem uma folha de grama se move sem a vontade da Suprema Personalidade de Deus. Logo, tudo está se movendo sob Sua vontade: por Sua vontade, tudo está sendo criado, tudo está sendo mantido e tudo está sendo aniquilado. Não obstante, Ele está à parte de tudo, assim como o céu está sempre alheio às atividades do vento.

Nos Upaniṣads, declara-se que yad-bhīṣā vātaḥ pavate: “É por temor ao Senhor Supremo que o vento sopra”. (Taittirīya Upaniṣad 2.8.1) No Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad (3.8.9) afirma-se: etasya vā akṣarasya praśāsane gārgi sūrya-candramasau vidhṛtau tiṣṭhata etasya vā akṣarasya praśāsane gārgi dyāv-āpṛthivyau vidhṛtau tiṣṭhataḥ. “Pela ordem suprema, sob a superintendência da Suprema Personalidade de Deus, a Lua, o Sol e os outros grandes planetas estão se movendo.” No Brahma-saṁhitā (5.52), também se afirma:

yac-cakṣur eṣa savitā sakala-grahāṇāṁ
rājā samasta-sura-mūrtir aśeṣa-tejāḥ
yasyājñayā bhramati sambḥrta-kāla-cakro
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Esta é uma descrição do movimento do Sol. Diz-se que o Sol é considerado um dos olhos do Senhor Supremo e que ele tem imensa potência para difundir calor e luz. Mesmo assim, pela ordem e pela vontade suprema de Govinda, ele está se movendo na órbita que lhe foi designada. Assim, podemos encontrar nos textos védicos evidência de que esta manifestação material, que nos parece grande e muito maravilhosa, está sob o completo controle da Suprema Personalidade de Deus. Isto será mais explicado nos versos posteriores deste capítulo.

Texto

sarva-bhūtāni kaunteya
prakṛtiṁ yānti māmikām
kalpa-kṣaye punas tāni
kalpādau visṛjāmy aham

Sinônimos

sarva-bhūtāni — todas as entidades criadas; kaunteya — ó filho de Kuntī; prakṛtim — natureza; yānti — entram em; māmikām — Minha; kalpa-kṣaye — no final do milênio; punaḥ — outra vez; tāni — todas aquelas; kalpa-ādau — no começo do milênio; visṛjāmi — crio; aham — Eu.

Tradução

Ó filho de Kuntī, no final do milênio todas as manifestações materiais entram na Minha natureza, e no começo do próximo milênio, através de Minha potência, Eu volto a criá-las.

Comentário

A criação, manutenção e aniquilação desta manifestação cósmica material dependem inteiramente da vontade suprema da Personalidade de Deus. “No final do milênio” significa na morte de Brahmā. Brahmā vive cem anos, e um dia dele equivale a quatro bilhões e 300 milhões de nossos anos terrestres. Sua noite tem a mesma duração. Seu mês consiste em trinta desses dias e noites, e seu ano, em doze meses. Depois de cem desses anos, quando Brahmā morre, ocorre a devastação ou aniquilação; isto significa que a energia manifestada pelo Senhor Supremo volta a ser absorvida nEle mesmo. E também, quando há necessidade do mundo cósmico manifestar-se, isto se faz por Sua vontade. Bahu syām: “Embora Eu seja um, vou tornar-Me muitos”. Este é o aforismo védico (Chāndogya Upaniṣad 6.2.3). Ele Se expande nesta energia material, e toda a manifestação cósmica volta a acontecer.

Texto

prakṛtiṁ svām avaṣṭabhya
visṛjāmi punaḥ punaḥ
bhūta-grāmam imaṁ kṛtsnam
avaśaṁ prakṛter vaśāt

Sinônimos

prakṛtim — a natureza material; svām — de Meu próprio Eu; avaṣṭabhya — entrando em; visṛjāmi — Eu crio; punaḥ punaḥ — repetidas vezes; bhūta-grāmam — todas as manifestações cósmicas; imam — estas; kṛtsnam — no total; avaśam — automaticamente; prakṛteḥ — da força da natureza; vaśāt — sob a obrigação.

Tradução

A ordem cósmica inteira está sujeita a Mim. Sob Minha vontade, ela manifesta-se automaticamente repetidas vezes, e sob Minha vontade, no final ela é aniquilada.

Comentário

Este mundo material é a manifestação da energia inferior da Suprema Personalidade de Deus. Isto já foi explicado diversas vezes. Na criação, a energia material é solta como o mahat-tattva, no qual o Senhor entra como a Sua primeira encarnação puruṣa, o Mahā-Viṣṇu. Ele descansa no Oceano Causal e exala inúmeros universos, e em cada universo o Senhor volta a entrar como Garbhodakaśāyī Viṣṇu. Desse modo, cada universo é criado. Depois, Ele torna a manifestar-Se como Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, e este Viṣṇu entra em tudo — mesmo dentro do átomo diminuto. Aqui se explica este fato. Ele entra em tudo.

Mas, quanto às entidades vivas, elas são fecundadas dentro desta natureza material e, como resultado de suas ações passadas, assumem diferentes posições. Assim começam as atividades deste mundo material. As atividades das diferentes espécies de seres vivos principiam desde o exato momento da criação. Ninguém deve achar que tudo tenha evoluído. As diferentes espécies de vida aparecem imediatamente no universo criado. Homens, animais, feras, aves — tudo é criado ao mesmo tempo, porque quaisquer que fossem os desejos que as entidades vivas acalentavam na última aniquilação, eles voltam a se manifestar. Aqui, a palavra avaśam indica claramente que as entidades vivas nada têm a ver com este processo. O estado de existência que tinham na criação anterior simplesmente manifesta-se outra vez, e tudo isto ocorre apenas pela vontade dEle. Esta é a potência inconcebível da Suprema Personalidade de Deus. E depois de criar as diferentes espécies de vida, Ele não tem nenhuma ligação com elas. A criação se processa para que as várias entidades vivas convivam com suas várias tendências, mas o Senhor não Se envolve com ela.

Texto

na ca māṁ tāni karmāṇi
nibadhnanti dhanañ-jaya
udāsīna-vad āsīnam
asaktaṁ teṣu karmasu

Sinônimos

na — nunca; ca — também; mām — a Mim; tāni — todas estas; karmāṇi — atividades; nibadhnanti — atam; dhanañjaya — ó conquistador de riquezas; udāsīna-vat — como neutro; āsīnam — situado; asaktam — sem atração; teṣu — por aquelas; karmasu — atividades.

Tradução

Ó Dhanañjaya, todos esses trabalhos não podem atar-Me. Eu estou sempre desapegado de todas essas atividades materiais como um observador neutro.

Comentário

Não se deve pensar que, nesta passagem, a Suprema Personalidade de Deus não tem ocupação. Em Seu mundo espiritual, Ele vive ocupado. No Brahma-saṁhitā (5.6), afirma-se que ātmārāmasya tasyāsti prakṛtyā na samāgamaḥ: “Ele sempre Se envolve em Suas atividades eternas, bem-aventuradas e espirituais, mas nada tem a ver com estas atividades materiais”. As atividades materiais estão sendo executadas por Suas diferentes potências. O Senhor é sempre neutro no que se refere às atividades materiais do mundo criado. Menciona-se aqui esta neutralidade por intermédio da palavra udāsīna-vat. Embora exerça controle sobre cada minúcia das atividades materiais, Ele situa-Se como se fosse neutro. Pode-se dar o exemplo de um juiz da corte suprema sentado em seu tribunal. Por sua ordem, tantas coisas acontecem — alguém está sendo enforcado, outro está sendo encarcerado e há ainda outro que está recebendo uma grande quantidade de bens — mas mesmo assim ele se mantém neutro, pois nada tem a ver com todo esse ganho e perda. Da mesma forma, o Senhor é sempre neutro, embora Ele tenha Sua mão em todas as esferas de atividades. No Vedānta-sūtra (2.1.34) afirma-se que vaiṣamya-nairghṛṇye na: Ele não Se submete às dualidades deste mundo material. Ele é transcendental a estas dualidades. Tampouco está apegado à criação e aniquilação deste mundo material. De acordo com suas ações passadas, os seres vivos aceitam suas diferentes formas nas várias espécies de vida, e o Senhor não interfere neles.

Texto

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sa-carācaram
hetunānena kaunteya
jagad viparivartate

Sinônimos

mayā — por Mim; adhyakṣeṇa — pela superintendência; prakṛtiḥ — natureza material; sūyate — manifesta; sa — ambos; cara-acaram — o móvel e o inerte; hetunā — pela razão; anena — por esta; kaunteya — ó filho de Kuntī; jagat — a manifestação cósmica; viparivartate — está funcionando.

Tradução

Esta natureza material, que é uma das Minhas energias, funciona sob Minha direção, ó filho de Kuntī, produzindo todos os seres móveis e imóveis. Obedecendo-lhe ao comando, esta manifestação é criada e aniquilada repetidas vezes.

Comentário

Aqui se afirma claramente que o Senhor Supremo, embora alheio a todas as atividades do mundo material, permanece o diretor supremo. O Senhor Supremo é a vontade suprema e o sustentáculo desta manifestação material, mas a administração está sendo conduzida pela natureza material. Kṛṣṇa também declara no Bhagavad-gītā que de todas as entidades vivas em diferentes formas e espécies, “Eu sou o pai”. O pai introduz no ventre da mãe a semente que produzirá a criança, e da mesma forma, o Senhor Supremo, com Seu mero olhar, injeta todas as entidades vivas no ventre da natureza material, e elas saem em suas diferentes formas e espécies, conforme seus últimos desejos e atividades. Todas essas entidades vivas, embora nascidas sob o olhar do Senhor Supremo, recebem seus diferentes corpos conforme seus atos e desejos passados. Assim, o Senhor não está diretamente vinculado a esta criação material. Tudo o que Ele faz é lançar Seu olhar à natureza material; com isto, a natureza material é ativada, e tudo se cria num instante. Porque lança Seu olhar à natureza material, sem dúvida o Senhor Supremo age, mas o fato é que Ele nada tem a ver com a manifestação do mundo material de maneira direta. No smṛti dá-se este exemplo: quando existe diante de alguém uma flor perfumada, a fragrância é tocada por seu poder olfativo, mesmo assim, o olfato e a flor estão separados um do outro. Existe uma conexão semelhante entre o mundo material e a Suprema Personalidade de Deus; na verdade, Ele nada tem a ver com este mundo material, mas Ele cria por meio de Seu olhar e é Ele quem dita as ordens. Em resumo, a natureza material, sem a superintendência da Suprema Personalidade de Deus, nada pode fazer. Todavia, a Suprema Personalidade de Deus está alheio a todas as atividades materiais.

Texto

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

Sinônimos

avajānanti — zombam; mām — de Mim; mūḍhāḥ — os homens tolos; mānuṣīm — numa forma humana; tanum — um corpo; āśritam — assumindo; param — transcendental; bhāvam — natureza; ajānantaḥ — não conhecendo; mama — Minha; bhūta — de tudo o que existe; mahā-īśvaram — o proprietário supremo.

Tradução

Os tolos zombam de Mim quando venho sob a forma humana. Eles não conhecem Minha natureza transcendental como o Supremo Senhor de tudo o que existe.

Comentário

Através das outras explicações dos versos anteriores deste capítulo, fica evidente que a Suprema Personalidade de Deus, embora apareça como um ser humano, não é um homem comum. A Personalidade de Deus, que conduz a criação, manutenção e aniquilação da manifestação cósmica completa, não poderia enquadrar-Se na categoria de ser humano. Todavia, há muitos tolos que consideram Kṛṣṇa meramente um homem poderoso e nada mais. Na verdade, Ele é a Suprema Personalidade original, como o confirma o Brahma-saṁhitā (īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ); Ele é o Senhor Supremo.

Há muitos īśvaras, controladores, e um parece maior do que o outro. Na administração corriqueira dos afazeres do mundo material, encontramos um funcionário ou encarregado, e acima dele há um secretário, e acima dele um ministro, e acima dele um presidente. Cada um deles é controlador, mas um é controlado pelo outro. No Brahma-saṁhitā, afirma-se que Kṛṣṇa é o controlador supremo; sem dúvida, há muitos controladores, tanto no mundo material quanto no mundo espiritual, mas Kṛṣṇa é o controlador supremo (īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ), e Seu corpo é sac-cid-ānanda, não-material.

Corpos materiais não podem executar os atos maravilhosos descritos nos versos anteriores. O corpo dEle é eterno, bem-aventurado e pleno em conhecimento. Ele não é um homem comum, embora os tolos zombem dEle, e considerem-nO como tal. Aqui, Seu corpo é chamado mānuṣīm porque Ele age tal qual um homem, um amigo de Arjuna, um político envolvido com a Batalha de Kurukṣetra. De muitas maneiras, Ele está agindo exatamente como um homem comum, mas na verdade Seu corpo é sac-cid-ānanda vigraha — bem-aventurança eterna e conhecimento absoluto. Os textos védicos também confirmam isto. Sac-cid-ānanda-rūpāya kṛṣṇāya: “Ofereço minhas reverências à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, que é a eterna e bem-aventurada forma plena de conhecimento”. (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.1) Na linguagem védica, também há outras descrições. Tam ekaṁ govindam: “Você é Govinda, o prazer dos sentidos e das vacas”. Sac-cid-ānanda-vigraham: “E Sua forma é transcendental, plena em conhecimento, bem-aventurança e eternidade”. (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.38)

Apesar das qualidades transcendentais do corpo do Senhor Kṛṣṇa, tais como bem-aventurança e conhecimento plenos, há muitos pretensos estudiosos e comentadores do Bhagavad-gītā que querem fazer de Kṛṣṇa um homem comum. Talvez o estudioso tenha nascido como um ser extraordinário devido a suas boas ações anteriores, mas tal concepção acerca de Śrī Kṛṣṇa deve-se a um pobre fundo de conhecimento. Por isso esta pessoa é chamada mūḍha, pois só os tolos consideram Kṛṣṇa um ser humano comum. Para os tolos Kṛṣṇa é um ser humano comum porque eles não conhecem as atividades confidenciais do Senhor Supremo nem Suas diferentes energias. Eles não sabem que o corpo de Kṛṣṇa é um símbolo de conhecimento e bem-aventurança completos, que Ele é o proprietário de tudo o que existe e que pode conceder liberação a qualquer pessoa. Eles zombam de Kṛṣṇa por não conhecerem Suas inúmeras qualificações transcendentais.

Tampouco sabem que o aparecimento da Suprema Personalidade de Deus neste mundo material é uma manifestação de Sua energia interna. Kṛṣṇa é o senhor da energia material. Como foi explicado em várias passagens (mama māyā duratyayā), Ele declara que a energia material, embora muito poderosa, está sob Seu controle, e quem se rende a Ele pode escapar ao controle desta energia material. Se uma alma rendida a Kṛṣṇa pode escapar à influência da energia material, então, como é possível que o Senhor Supremo, que conduz a criação, manutenção e aniquilação de toda a natureza cósmica, tenha um corpo material como o nosso? Logo, esta concepção acerca de Kṛṣṇa é tolice completa. Entretanto, esses tolos não conseguem conceber que Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, mesmo aparecendo como um homem comum, possa ser o controlador de todos os átomos e dessa gigantesca manifestação, a forma universal. O maior e o mais diminuto estão além do que conseguem conceber, por isso, eles não podem imaginar que alguém na forma humana possa controlar ao mesmo tempo o infinito e o diminuto. Na verdade, embora controle o infinito e o finito, Ele está à parte de toda esta manifestação. Em relação à Sua yogam aiśvaram, Sua inconcebível energia transcendental, afirma-se claramente que Ele pode controlar ao mesmo tempo o infinito e o finito e que pode permanecer à parte deles. Embora os tolos não possam imaginar como Kṛṣṇa, que aparece como um ser humano, possa controlar o infinito e o finito, aqueles que são devotos puros aceitam isto, pois sabem que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Por isso, eles Lhe oferecem rendição completa e ocupam-se em consciência de Kṛṣṇa, serviço devocional ao Senhor.

O aparecimento do Senhor como ser humano gera muitas controvérsias entre os impersonalistas e os personalistas. Mas se consultarmos o Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam, os textos através dos quais se pode compreender autorizadamente a ciência de Kṛṣṇa, então conseguiremos saber que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Ele não é um homem comum, embora tivesse aparecido nesta Terra como um ser humano comum. No Śrīmad-Bhāgavatam, Primeiro Canto, Primeiro Capítulo, ao perguntarem sobre as atividades de Kṛṣṇa, os sábios, encabeçados por Śaunaka, disseram:

kṛtavān kila karmāṇi
saha rāmeṇa keśavaḥ
ati-martyāni bhagavān
gūḍhaḥ kapaṭa-māṇuṣaḥ

“O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, juntamente com Balarāma, agiu como um ser humano, e com esse disfarce, executou muitos atos sobre-humanos.” (Bhāg. 1.1.20) O aparecimento do Senhor como homem confunde os tolos. Nenhum ser humano poderia realizar os atos maravilhosos que Kṛṣṇa executou enquanto esteve presente nesta Terra. Ao aparecer diante de Seu pai e de Sua mãe, Vasudeva e Devakī, Kṛṣṇa tinha quatro braços, mas após as orações dos dois, Ele Se transformou numa criança comum. Como afirma o Bhāgavatam (10.3.46), babhūva prākṛtaḥ śiśuḥ: Ele Se tornou exatamente como uma criança comum, um ser humano comum. Também aqui se assinala que o aparecimento do Senhor como um ser humano comum é um dos aspectos de Seu corpo transcendental. No Décimo Primeiro Capítulo do Bhagavad-gītā também se declara que Arjuna orou para que Kṛṣṇa lhe mostrasse Sua forma de quatro braços (tenaiva rūpeṇa catur-bhujena). Após Kṛṣṇa revelar esta forma a Arjuna, este pediu a Kṛṣṇa que reassumisse Sua forma humana com aparência original (mānuṣaṁ rūpam). Estas diferentes características do Senhor Supremo com certeza não existem no ser humano comum.

Alguns daqueles que zombam de Kṛṣṇa e que estão influenciados pela filosofia māyāvādī citam o seguinte verso do Śrīmad-Bhāgavatam (3.29.21) para provar que Kṛṣṇa é apenas um homem comum. Ahaṁ sarveṣu bhūteṣu bhūtātmāvasthitaḥ sadā: “O Supremo está presente em toda entidade viva”. Para analisarmos mais atentamente este verso específico, seria melhor que recorrêssemos aos ācāryas vaiṣṇavas, tais como Jīva Gosvāmī e Viśvanātha Cakravartī µhākura, em vez de aceitarmos a interpretação feita por pessoas desautorizadas que zombam de Kṛṣṇa. Jīva Gosvāmī, comentando este verso, diz que Kṛṣṇa, em Sua expansão plenária como Paramātmā, está situado como a Superalma das entidades móveis e imóveis. Portanto, qualquer devoto neófito que apenas presta atenção à arcā-mūrti, a forma do Senhor Supremo no templo, e não respeita outras entidades vivas está inutilmente adorando no templo a forma do Senhor. Há três categorias de devotos do Senhor, e o neófito está na plataforma inferior. O devoto neófito dá mais atenção à Deidade no templo do que a outros devotos, por isso, Viśvanātha Cakravartī µhākura adverte que este tipo de mentalidade deve ser corrigido. O devoto deve ter a visão de que, como Kṛṣṇa está presente no coração de todos como Paramātmā, cada corpo representa o templo do Senhor Supremo; logo, assim como oferece respeito ao templo do Senhor, ele deve também prestar o devido respeito a todo e cada corpo em que mora o Paramātmā. Todos devem, portanto, receber o devido respeito e ninguém deve ser negligenciado.

Há também muitos impersonalistas que zombam da adoração prestada no templo. Dizem que, como Deus está em toda a parte, por que deve alguém limitar-se à adoração no templo? Mas se Deus está em toda a parte, acaso Ele não está no templo ou na Deidade? Embora os personalistas e impersonalistas lutem perpetuamente entre si, um devoto em perfeita consciência de Kṛṣṇa sabe que embora Kṛṣṇa seja a Suprema Personalidade, Ele é onipenetrante, como se confirma no Brahma-saṁhitā. Embora Sua morada pessoal seja Goloka Vṛndāvana, onde Ele sempre permanece, através de Suas diferentes manifestações de energia, e através de Sua expansão plenária, Ele é onipresente e Se encontra em todas as partes da criação material e espiritual.

Texto

moghāśā mogha-karmāṇo
mogha-jñānā vicetasaḥ
rākṣasīm āsurīṁ caiva
prakṛtiṁ mohinīṁ śritāḥ

Sinônimos

mogha-āśāḥ — frustrados em suas esperanças; mogha-karmāṇaḥ — frustrados nas atividades fruitivas; mogha-jñānāḥ — frustrados em conhecimento; vicetasaḥ — perplexos; rākṣasīm — demoníaca; āsurīm — ateísta; ca — e; eva — decerto; prakṛtim — natureza; mohinīm — confundidora; śritāḥ — refugiando-se em.

Tradução

Aqueles que estão assim perplexos deixam-se atrair por opiniões demoníacas e ateístas. Estando mergulhados nessa ilusão, suas esperanças de liberação, suas atividades fruitivas e seu cultivo de conhecimento são todos destroçados.

Comentário

Há muitos devotos que querem se fazer passar por conscientes de Kṛṣṇa e praticantes do serviço devocional, mas no íntimo não aceitam a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, como a Verdade Absoluta. Eles nunca saborearão o fruto do serviço devocional — voltar ao Supremo. De modo semelhante, aqueles que se ocupam em atividades fruitivas piedosas e que em última análise desejam liberação deste enredamento material, também, jamais terão êxito, porque fazem pouco da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Em outras palavras, as pessoas que ridicularizam Kṛṣṇa devem ser consideradas demoníacas ou ateístas. Como se descreve no Sétimo Capítulo do Bhagavad-gītā, esses malfeitores demoníacos jamais se rendem a Kṛṣṇa. Por isso, quando especulam, tentando chegar à Verdade Absoluta, suas especulações mentais levam-nos à falsa conclusão de que a entidade viva comum e Kṛṣṇa são a mesma coisa. Munidos dessa falsa convicção, eles pensam que o corpo de qualquer ser humano está no momento simplesmente coberto pela natureza material e que, logo que se libere deste corpo material, não haverá diferença entre Deus e ela mesma. Esta tentativa de tornar-se uno com Kṛṣṇa será frustrada, porque é ilusão. Cultivar conhecimento espiritual por meio desse processo ateísta e demoníaco é sempre fútil. Isto é o que este verso revela. Para tais pessoas, o cultivo do conhecimento da literatura védica, como o Vedānta-sūtra e os Upaniṣads, é sempre um fracasso.

É uma grande ofensa, portanto, considerar Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, como um homem comum. Aqueles que tomam essa linha de conduta com certeza estão iludidos porque não podem entender a forma eterna de Kṛṣṇa. O Bṛhad-viṣṇu-smṛti afirma claramente:

yo vetti bhautikaṁ dehaṁ
kṛṣṇasya paramātmanaḥ
sa sarvasmād bahiṣ-kāryaḥ
śrauta-smārta-vidhānataḥ
mukhaṁ tasyāvalokyāpi
sa-celaṁ snānam ācaret

“Quem considera o corpo de Kṛṣṇa como sendo material deve ser afastado de todos os rituais e atividades do śruti e do smṛti. E se acaso alguém vir sua face, deverá imediatamente tomar banho no Ganges para livrar-se da contaminação.” As pessoas zombam de Kṛṣṇa porque têm inveja da Suprema Personalidade de Deus. O destino delas é com certeza aceitar repetidos nascimentos nas espécies de vida ateísta e demoníaca. Seu verdadeiro conhecimento permanecerá perpetuamente sob ilusão, e aos poucos ingressarão na região mais escura da criação.

Texto

mahātmānas tu māṁ pārtha
daivīṁ prakṛtim āśritāḥ
bhajanty ananya-manaso
jñātvā bhūtādim avyayam

Sinônimos

mahā-ātmānaḥ — as grandes almas; tu — mas; mām — a Mim; pārtha — ó filho de Pṛthā; daivīm — divina; prakṛtim — natureza; āśritāḥ — tendo-se refugiado em; bhajanti — prestam serviço; ananya-manasaḥ — sem desvio da mente; jñātvā — conhecendo; bhūta — da criação; ādim — a origem; avyayam — inexaurível.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, aqueles que não se iludem, as grandes almas, estão sob a proteção da natureza divina. Eles se ocupam completamente em serviço devocional porque sabem que Eu sou a original e inexaurível Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

Este verso descreve com muita clareza o mahātmā. O primeiro sinal do mahātmā é que ele está situado na natureza divina. A natureza material já não o controla mais. E como se efetiva isto? A explicação está no Sétimo Capítulo: quem se rende à Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, imediatamente livra-se do controle da natureza material. Esta é a qualificação. A pessoa pode livrar-se do controle da natureza material logo que se entregue de corpo e alma à Suprema Personalidade de Deus. Esta é a fórmula preliminar. Sendo potência marginal, logo que se liberta do controle da natureza material, a entidade viva fica sob a orientação da natureza espiritual. A orientação da natureza espiritual chama-se daivī prakṛti, natureza divina. Então, quando alguém, rendendo-se à Suprema Personalidade de Deus, recebe essa distinção, ele passa a ser uma grande alma, um mahātmā.

O mahātmā não desvia sua atenção para assuntos alheios a Kṛṣṇa, porque ele sabe perfeitamente bem que Kṛṣṇa é a Pessoa Suprema original, a causa de todas as causas. Quanto a isto, não há dúvidas. Tal mahātmā, ou grande alma, progride, associando-se com outros mahātmās, devotos puros. Os devotos puros nem mesmo se sentem atraídos aos outros aspectos de Kṛṣṇa, tais como o Mahā-Viṣṇu de quatro braços, mas apenas à forma de Kṛṣṇa que apresenta dois braços. Eles não sentem atração por outras características de Kṛṣṇa, nem se interessam por quaisquer formas exibidas por semideuses ou seres humanos. Eles meditam apenas em Kṛṣṇa em consciência de Kṛṣṇa e vivem ocupados no inabalável serviço ao Senhor em consciência de Kṛṣṇa.

Texto

satataṁ kīrtayanto māṁ
yatantaś ca dṛḍha-vratāḥ
namasyantaś ca māṁ bhaktyā
nitya-yuktā upāsate

Sinônimos

satatam — sempre; kīrtayantaḥ — cantando; mām — sobre Mim; yatantaḥ — esforçando-se completamente; ca — também; dṛḍha-vratāḥ — com determinação; namasyantaḥ — oferecendo reverências; ca — e; mām — a Mim; bhaktyā — com devoção; nitya-yuktāḥ — perpetuamente ocupados; upāsate — adoram.

Tradução

Sempre cantando Minhas glórias, esforçando-se com muita determinação, prostrando-se diante de Mim, estas grandes almas adoram-Me perpetuamente com devoção.

Comentário

Não se pode fabricar um mahātmā carimbando um homem comum. Aqui se descrevem seus sintomas: o mahātmā vive ocupado em cantar as glórias do Supremo Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus. Ele não tem outra tarefa. Ele está sempre ocupado na glorificação do Senhor. Em outras palavras, ele não é um impersonalista. Quando se fala em glorificação, deve-se glorificar o Senhor Supremo louvando Seu santo nome, Sua forma eterna, Suas qualidades transcendentais e Seus passatempos incomuns. Deve-se glorificar tudo isso; portanto, o mahātmā tem um grande apego à Suprema Personalidade de Deus.

Quem se apega ao aspecto impessoal do Senhor Supremo, o brahmajyoti, não é descrito como mahātmā no Bhagavad-gītā. No próximo verso, ele recebe uma descrição diferente. Como se descreve no Śrīmad-Bhāgavatam, o mahātmā vive ocupado em diferentes atividades do serviço devocional ouvindo e cantando sobre Viṣṇu, e não sobre um semideus ou sobre algum ser humano. Isto é devoção: śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ e smaraṇam, lembrar-se dEle. Tal mahātmā tem como firme determinação acabar conseguindo a associação do Senhor Supremo em qualquer uma das cinco rasas transcendentais. Para obter tal sucesso, ele ocupa todas as atividades — mentais, corporais e vocais, tudo — no serviço do Senhor Supremo, Śrī Kṛṣṇa. Isto se chama plena consciência de Kṛṣṇa.

No serviço devocional, há certas atividades resolutas, tais como jejuar em certos dias, como no décimo primeiro dia da lua, Ekādaśī, e no dia do aparecimento do Senhor. Os grandes ācāryas recomendam todas estas regras e regulações àqueles que estão de fato interessados em ingressar no mundo transcendental para associarem-se com a Suprema Personalidade de Deus. Os mahātmās, as grandes almas, observam com rigor todas estas regras e regulações, e por isso eles com certeza alcançarão o resultado desejado.

Como se descreve no segundo verso deste capítulo, não só este serviço devocional é fácil, mas pode também ser executado alegremente. Ninguém precisa submeter-se a severas penitências e austeridades. Guiado por um mestre espiritual experiente, o devoto pode praticar o serviço devocional em sua vida, em qualquer posição, seja como chefe de família, seja como sannyāsī, seja como brahmacārī; em qualquer posição e em qualquer lugar do mundo, ele pode executar este serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus e assim tornar-se um verdadeiro mahātmā, uma grande alma.

Texto

jñāna-yajñena cāpy anye
yajanto mām upāsate
ekatvena pṛthaktvena
bahudhā viśvato-mukham

Sinônimos

jñāna-yajñena — pelo cultivo do conhecimento; ca — também; api — decerto; anye — outros; yajantaḥ — sacrificando; mām — a Mim; upāsate — adoram; ekatvena — em unidade; pṛthaktvena — em dualidade; bahudhā — em diversidade; viśvataḥ-mukham — e na forma universal.

Tradução

Outros, que se ocupam em sacrifício através do cultivo de conhecimento, adoram o Senhor Supremo como o único e inigualável, diversificado em muitos e na forma universal.

Comentário

Este verso é o resumo dos versos anteriores. O Senhor diz a Arjuna que aqueles que estão puros em consciência de Kṛṣṇa e não conhecem nada além de Kṛṣṇa chamam-se mahātmās; entretanto, há outras pessoas que não estão exatamente na posição de mahātmā, mas que também prestam diferentes adorações a Kṛṣṇa. Alguns deles já foram descritos, tais como os aflitos, os que estão destituídos de bens, os inquisitivos e aqueles que estão empenhados no cultivo de conhecimento. Mas há outros cuja situação é inferior, e que se dividem em três categorias: (1) aquele que adora a si mesmo como uno com o Senhor Supremo; (2) aquele que inventa alguma forma do Senhor Supremo e a adora; e (3) aquele que aceita a forma universal, a viśva-rūpa da Suprema Personalidade de Deus, e a adora. Dos três acima, os mais baixos, aqueles que adoram a si mesmos como o Senhor Supremo, considerando-se monistas, são os mais predominantes. Eles julgam-se o Senhor Supremo, e com esta mentalidade adoram a si mesmos. Este também é um tipo de adoração a Deus, pois eles podem compreender que não são o corpo material, mas são de fato alma espiritual; pelo menos, esse sentimento é proeminente. De um modo geral, os impersonalistas prestam esta adoração ao Senhor Supremo. A segunda classe inclui os adoradores dos semideuses, aqueles que na imaginação consideram qualquer forma como a forma do Senhor Supremo. E a terceira classe inclui aqueles que não podem conceber nada além da manifestação deste universo material. Eles consideram o Universo como a estrutura ou entidade suprema e adoram-no. O Universo é também uma forma do Senhor.

Texto

ahaṁ kratur ahaṁ yajñaḥ
svadhāham aham auṣadham
mantro ’ham aham evājyam
aham agnir ahaṁ hutam

Sinônimos

aham — Eu; kratuḥ — ritual védico; aham — Eu; yajñaḥ — sacrifício smṛti; svadhā — oblação; aham — Eu; aham — Eu; auṣadham — erva medicinal; mantraḥ — canto transcendental; aham — Eu; aham — Eu; eva — decerto; ājyam — manteiga derretida; aham — Eu; agniḥ — fogo; aham — Eu; hutam — oferenda.

Tradução

Mas Eu é que sou o ritual, sou o sacrifício, a oferenda aos ancestrais, a erva medicinal, o canto transcendental. Sou a manteiga, o fogo e a oferenda.

Comentário

O sacrifício védico conhecido como Jyotiṣṭoma também é Kṛṣṇa, e Ele é também o mahā-yajña mencionado no smṛti. As oblações feitas ao Pitṛloka ou o sacrifício executado para agradar o Pitṛloka, considerados como uma espécie de medicamento sob a forma de manteiga clarificada, também são Kṛṣṇa. Os mantras cantados nessa ocasião também são Kṛṣṇa. E muitos outros artigos feitos com produtos lácteos para oferecer nos sacrifícios também são Kṛṣṇa. O fogo também é Kṛṣṇa porque o fogo é um dos cinco elementos materiais e por isso é tido como energia separada de Kṛṣṇa. Em outras palavras, em sua totalidade, os sacrifícios védicos recomendados na divisão karma-kāṇḍa dos Vedas também são Kṛṣṇa. Isto é, deve-se entender que aqueles que se ocupam em prestar a Kṛṣṇa serviço devocional já executaram todos os sacrifícios recomendados nos Vedas.

Texto

pitāham asya jagato
mātā dhātā pitāmahaḥ
vedyaṁ pavitram oṁ-kāra
ṛk sāma yajur eva ca

Sinônimos

pitā — pai; aham — Eu; asya — deste; jagataḥ — Universo; mātā — mãe; dhātā — sustentador; pitāmahaḥ — avô; vedyam — o que deve ser conhecido; pavitram — o que purifica; oṁ-kāraḥ — a sílaba oṁ; ṛk — o Ṛg Veda; sāma — o Sāma Veda; yajuḥ — o Yajur Veda; eva — decerto; ca — e.

Tradução

Eu sou o pai deste Universo, a mãe, o sustentáculo e o avô. Sou o objeto do conhecimento, o purificador e a sílaba oṁ. Também sou o Ṛg, o Sāma e o Yajur Vedas.

Comentário

Todas as manifestações cósmicas, móveis e inertes, afloram em conseqüência das diferentes atividades da energia de Kṛṣṇa. Na existência material, criamos diferentes relacionamentos com diferentes entidades vivas que não passam de energia marginal de Kṛṣṇa; sob a ação de prakṛti, algumas delas aparecem como nosso pai, mãe, avô, criador, etc., mas na verdade são partes integrantes de Kṛṣṇa. Nesse caso, estas entidades vivas que parecem ser nosso pai, mãe, etc. são exatamente Kṛṣṇa. Neste verso, a palavra dhātā significa “criador”. Não apenas nosso pai e mãe são partes integrantes de Kṛṣṇa, mas o criador, o avô e a avó, etc., também são Kṛṣṇa. De fato, qualquer entidade viva, sendo parte integrante de Kṛṣṇa, é Kṛṣṇa. Todos os Vedas, portanto, têm como objetivo apenas Kṛṣṇa. Todo o conhecimento que conseguimos extrair dos Vedas é apenas um passo progressivo que nos leva a compreendermos Kṛṣṇa. Aquele tema que nos ajuda a purificar nossa posição constitucional é especialmente Kṛṣṇa. Da mesma maneira, a entidade viva que tem curiosidade para compreender todos os princípios védicos é também parte integrante de Kṛṣṇa e nesse caso também é Kṛṣṇa. Em todos os mantras védicos, a palavra oṁ, chamada praṇava, é uma vibração sonora transcendental e também é Kṛṣṇa. E porque em todos os hinos dos quatro Vedas — Sāma, Yajur, Ṛg e Atharva —, o praṇava, ou oṁkāra, sobressai-se deveras, conclui-se que ele é Kṛṣṇa.

Texto

gatir bhartā prabhuḥ sākṣī
nivāsaḥ śaraṇaṁ suhṛt
prabhavaḥ pralayaḥ sthānaṁ
nidhānaṁ bījam avyayam

Sinônimos

gatiḥ — meta; bhartā — sustentador; prabhuḥ — Senhor; sākṣī — testemunha; nivāsaḥ — morada; śaraṇam — refúgio; su-hṛt — o amigo mais íntimo; prabhavaḥ — criação; pralayaḥ — dissolução; sthānam — base; nidhānam — lugar onde se descansa; bījam — semente; avyayam — imperecível.

Tradução

Eu sou a meta, o sustentador, o senhor, a testemunha, a morada, o refúgio e o amigo mais querido. Sou a criação e a aniquilação, a base de tudo, o lugar onde se descansa e a semente eterna.

Comentário

Gati significa o destino ao qual queremos chegar. Mas a meta última é Kṛṣṇa, embora as pessoas não saibam disso. Quem não conhece Kṛṣṇa segue a trilha errada, e sua marcha aparentemente progressiva é parcial ou alucinatória. Há muitos que estabelecem como seu destino diferentes semideuses, e pela execução rígida dos métodos severos destinados aos respectivos semideuses, alcançam diferentes planetas conhecidos como Candraloka, Sūryaloka, Indraloka, Maharloka, etc. Mas todos estes lokas, ou planetas, sendo criações de Kṛṣṇa, ao mesmo tempo são e não são Kṛṣṇa. Tais planetas, sendo manifestações da energia de Kṛṣṇa, também são Kṛṣṇa, mas na verdade servem apenas para que se adiante um passo rumo à compreensão acerca de Kṛṣṇa. Aproximar-se das diferentes energias de Kṛṣṇa é aproximar-se de Kṛṣṇa de maneira indireta. Todos devem aproximar-se de Kṛṣṇa diretamente, pois isso poupará tempo e energia. Por exemplo, se existe a possibilidade de subir ao topo de um edifício com o auxílio de um elevador, por que alguém iria pelas escadas, degrau por degrau? Tudo repousa na energia de Kṛṣṇa; portanto, sem o refúgio em Kṛṣṇa nada pode existir. Kṛṣṇa é o governante supremo porque tudo Lhe pertence e tudo existe em Sua energia. Kṛṣṇa, estando situado nos corações de todos, é a testemunha suprema. As residências, regiões ou planetas em que vivemos também são Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é o abrigo final, e portanto todos devem abrigar-se em Kṛṣṇa, seja para proteção, seja para mitigar suas misérias. E sempre que tivermos que aceitar proteção, é bom sabermos que nossa proteção deve ser uma força viva. Kṛṣṇa é a entidade viva suprema. E como Kṛṣṇa é a fonte da qual somos gerados, ou o pai supremo, ninguém pode ser um melhor amigo do que Kṛṣṇa, nem tampouco pode alguém ser um melhor benquerente. Kṛṣṇa é a fonte que origina a criação e o repouso último após a aniquilação. Kṛṣṇa é, portanto, a eterna causa de todas as causas.

Texto

tapāmy aham ahaṁ varṣaṁ
nigṛhṇāmy utsṛjāmi ca
amṛtaṁ caiva mṛtyuś ca
sad asac cāham arjuna

Sinônimos

tapāmi — forneço calor; aham — Eu; aham — Eu; varṣam — chuva; nigṛhṇāmi — retenho; utsṛjāmi — envio; ca — e; amṛtam — imortalidade; ca — e; eva — decerto; mṛtyuḥ — morte; ca — e; sat — espírito; asat — matéria; ca — e; aham — Eu; arjuna — ó Arjuna.

Tradução

Ó Arjuna, Eu forneço calor e retenho e envio a chuva. Eu sou a imortalidade e sou também a morte personificada. Tanto o espírito quanto a matéria estão em Mim.

Comentário

Kṛṣṇa, através de Suas diferentes energias, difunde calor e luz através da eletricidade e do Sol. Durante o verão, é Kṛṣṇa quem impede a chuva de cair do céu, e depois, durante a estação das chuvas, Ele envia incessantes torrentes de chuva. A energia que nos sustenta, prolongando a duração de nossas vidas, é Kṛṣṇa, e no final Kṛṣṇa vem até nós como a morte. Analisando todas estas diferentes energias de Kṛṣṇa, pode-se verificar que para Kṛṣṇa não há distinção entre matéria e espírito, ou, em outras palavras, Ele é tanto matéria quanto espírito. Na fase adiantada da consciência de Kṛṣṇa, portanto, não se fazem tais distinções, pois se vê Kṛṣṇa em tudo.

Como Kṛṣṇa é tanto matéria quanto espírito, a gigantesca forma universal que compreende todas as manifestações materiais também é Kṛṣṇa, e os passatempos que Ele executa em Vṛndāvana como Śyāmasundara de dois braços, tocando flauta, são os da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

trai-vidyā māṁ soma-pāḥ pūta-pāpā
yajñair iṣṭvā svar-gatiṁ prārthayante
te puṇyam āsādya surendra-lokam
aśnanti divyān divi deva-bhogān

Sinônimos

trai-vidyāḥ — os conhecedores dos três Vedas; mām — a Mim; soma-pāḥ — os que bebem o suco de soma; pūta — purificados; pāpāḥ — de pecados; yajñaiḥ — com sacrifícios; iṣṭvā — adorando; svaḥ-gatim — passagem para o céu; prārthayante — oram por; te — eles; puṇyam — piedoso; āsādya — alcançando; sura-indra — de Indra; lokam — o mundo; aśnanti — gozam; divyān — celestiais; divi — no céu; deva-bhogān — os prazeres dos deuses.

Tradução

Aqueles que, buscando os planetas celestiais, estudam os Vedas e bebem o suco soma, adoram-Me indiretamente. Purificados de reações pecaminosas, eles nascem no piedoso planeta celestial de Indra, onde gozam de prazeres divinos.

Comentário

A palavra trai-vidyāḥ refere-se aos três Vedas — Sāma, Yajur e Ṛg. O brāhmaṇa que estudou estes três Vedas chama-se tri-vedī. Qualquer um que seja muito interessado no conhecimento proveniente destes três Vedas é respeitado na sociedade. Infelizmente, há muitos grandes eruditos nos Vedas que não sabem o propósito último de estudá-los. Por isso, nesta passagem Kṛṣṇa declara que Ele é a meta última para os tri-vedīs. Os verdadeiros tri-vedīs abrigam-se sob os pés de lótus de Kṛṣṇa e ocupam-se no serviço devocional puro para satisfazer o Senhor. O serviço devocional começa quando se canta o mantra Hare Kṛṣṇa e ao mesmo tempo se tenta entender Kṛṣṇa em verdade. Infelizmente, aqueles que são apenas estudantes formais dos Vedas ficam mais interessados em oferecer sacrifícios aos diversos semideuses, tais como Indra e Candra. Com esse empreendimento, os adoradores dos diferentes semideuses na certa purificam-se da contaminação das qualidades inferiores da natureza e desse modo elevam-se aos sistemas planetários superiores ou planetas celestiais conhecidos como Maharloka, Janaloka, Tapoloka, etc. Quando situado nos sistemas planetários superiores, pode-se dar aos sentidos prazeres centenas de milhares de vezes superiores àqueles obtidos neste planeta.

Texto

te taṁ bhuktvā svarga-lokaṁ viśālaṁ
kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti
evaṁ trayī-dharmam anuprapannā
gatāgataṁ kāma-kāmā labhante

Sinônimos

te — eles; tam — esse; bhuktvā — desfrutando; svarga-lokam — céu; viśālam — imenso; kṣīṇe — estando esgotados; puṇye — os resultados de suas atividades piedosas; martya-lokam — na terra mortal; viśanti — caem; evam — assim; trayī — dos três Vedas; dharmam — doutrinas; anuprapannāḥ — seguindo; gata-āgatam — morte e nascimento; kāma-kāmāḥ — desejando prazer dos sentidos; labhante — alcançam.

Tradução

Após desfrutarem desse imenso prazer celestial dos sentidos e tendo se esgotado os resultados de suas atividades piedosas, eles regressam a este planeta mortal. Logo, aqueles que buscam o prazer dos sentidos sujeitando-se aos princípios dos três Vedas conseguem apenas repetidos nascimentos e mortes.

Comentário

Aquele que é promovido aos sistemas planetários superiores goza de uma duração maior de vida e de condições mais favoráveis ao gozo dos sentidos, mas não lhe é permitido ficar lá para sempre. Ao terminarem os frutos resultantes de atividades piedosas, ele é reenviado a esta Terra. Aquele que não alcançou a perfeição do conhecimento, como se indica no Vedānta-sūtra (janmādy asya yataḥ), ou, em outras palavras, aquele que deixa escapar a oportunidade de compreender Kṛṣṇa, a causa de todas as causas, não atinge a meta última da vida e com isso sujeita-se ao processo em que rotineiramente é promovido aos planetas superiores e depois volta a descer, como se estivesse numa roda-gigante que ora sobe, ora desce. O fato é que, em vez de elevar-se ao mundo espiritual, onde deixa de existir qualquer possibilidade de descer, ele simplesmente permanece em sistemas planetários superiores e inferiores, girando no ciclo de nascimentos e mortes. É melhor ir para o mundo espiritual, onde se desfruta de uma vida eterna, cheia de bem-aventurança e conhecimento, e jamais se volta a esta miserável existência material.

Texto

ananyāś cintayanto māṁ
ye janāḥ paryupāsate
teṣāṁ nityābhiyuktānāṁ
yoga-kṣemaṁ vahāmy aham

Sinônimos

ananyāḥ — não tendo outro objetivo; cintayantaḥ — concentrando-se; mām — em Mim; ye — aquelas que; janāḥ — pessoas; paryupāsate — adoram corretamente; teṣām — deles; nitya — sempre; abhiyuktānām — fixos em devoção; yoga — necessidades; kṣemam — proteção; vahāmi — trago; aham — Eu.

Tradução

Mas aqueles que sempre Me adoram com devoção exclusiva, meditando em Minha forma transcendental — para eles eu trago o que lhes falta e preservo o que eles têm.

Comentário

Alguém que não consegue ficar um momento sequer sem consciência de Kṛṣṇa não pára de pensar em Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia, pois se ocupa no serviço devocional, ouvindo, cantando, lembrando, oferecendo orações, adorando, servindo aos pés de lótus do Senhor, prestando outros serviços, cultivando amizade e rendendo-se inteiramente ao Senhor. Todas essas atividades são muito auspiciosas e cheias de potência espiritual, que propiciam ao devoto a perfeita auto-realização, tanto que seu único desejo é conseguir a associação da Suprema Personalidade de Deus. Este devoto sem dúvida não sente nenhuma dificuldade em aproximar-se do Senhor. Isto se chama yoga. Pela misericórdia do Senhor, este devoto jamais retorna a essa condição de vida material. Kṣema refere-se à misericordiosa proteção do Senhor. O Senhor ajuda o devoto a alcançar a consciência de Kṛṣṇa através da yoga, e, quando ele desenvolve plena consciência de Kṛṣṇa, o Senhor o impede de cair numa vida condicionada miserável.

Texto

ye ’py anya-devatā-bhaktā
yajante śraddhayānvitāḥ
te ’pi mām eva kaunteya
yajanty avidhi-pūrvakam

Sinônimos

ye — aqueles que; api — também; anya — de outros; devatā — deuses; bhaktāḥ — devotos; yajante — adoram; śraddhayā anvitāḥ — com fé; te — eles; api — também; mām — a Mim; eva — apenas; kaunteya — ó filho de Kuntī; yajanti — adoram; avidhi-pūrvakam — de modo errado.

Tradução

Aqueles que são devotos de outros deuses e que os adoram com fé na verdade adoram apenas a Mim, ó filho de Kuntī, mas não Me prestam a adoração correta.

Comentário

“As pessoas que se ocupam em adorar os semideuses não são muito inteligentes, embora indiretamente essa adoração seja oferecida a Mim”, diz Kṛṣṇa. Por exemplo, quando um homem, em vez de regar a raiz, joga água nas folhas e galhos de uma árvore, ele age sem conhecimento suficiente ou sem observar os princípios reguladores. Da mesma forma, o processo de se prestar serviço a diferentes partes do corpo, é fornecer alimento ao estômago. Os semideuses são, por assim dizer, diferentes funcionários e diretores do governo do Senhor Supremo. Devem-se seguir as leis feitas pelo governo, e não pelos funcionários ou diretores. Igualmente, todos devem oferecer sua adoração apenas ao Senhor Supremo. Isto satisfará automaticamente os diferentes funcionários e diretores do Senhor. Os funcionários e diretores estão ocupados como representantes do governo, e tentar suborná-los é ilegal. Isto é aqui definido como avidhi-pūrvakam. Em outras palavras, Kṛṣṇa não aprova a desnecessária adoração aos semideuses.

Texto

ahaṁ hi sarva-yajñānāṁ
bhoktā ca prabhur eva ca
na tu mām abhijānanti
tattvenātaś cyavanti te

Sinônimos

aham — Eu; hi — seguramente; sarva — de todos; yajñānām — sacrifícios; bhoktā — o desfrutador; ca — e; prabhuḥ — o Senhor; eva — também; ca — e; na — não; tu — mas; mām — a Mim; abhijānanti — conhecem; tattvena — em realidade; ataḥ — portanto; cyavanti — caem; te — eles.

Tradução

Eu sou o único desfrutador e senhor de todos os sacrifícios. Portanto, aqueles que não reconhecem Minha verdadeira natureza transcendental acabam caindo.

Comentário

Aqui se afirma com clareza que há muitos tipos de execuções de yajñas recomendados nos textos védicos, mas de fato todos eles destinam-se a satisfazer o Senhor Supremo. Yajña significa Viṣṇu. O Segundo Capítulo do Bhagavad-gītā diz explicitamente que se deve trabalhar apenas para satisfazer Yajña, ou Viṣṇu. A forma perfeita de civilização humana, conhecida como varṇāśrama-dharma, presta-se especificamente a satisfazer Viṣṇu. Por isso, neste verso Kṛṣṇa diz: “Eu sou o desfrutador de todos os sacrifícios porque sou o mestre supremo”. Entretanto, pessoas menos inteligentes, ignorando este fato, adoram semideuses em troca de algum benefício temporário. Por isso, elas caem na existência material, e não alcançam a meta desejada da vida. Se, todavia, alguém precisa satisfazer algum desejo material, será melhor que ore ao Senhor Supremo (embora isto não seja devoção pura), e assim alcançará o resultado desejado.

Texto

yānti deva-vratā devān
pitṝn yānti pitṛ-vratāḥ
bhūtāni yānti bhūtejyā
yānti mad-yājino ’pi mām

Sinônimos

yānti — vão; deva-vratāḥ — adoradores de semideuses; devān — aos semideuses; pitṝn — aos ancestrais; yānti — vão; pitṛ-vratāḥ — adoradores de ancestrais; bhūtāni — aos fantasmas e espíritos; yānti — vão; bhūta-ijyāḥ — adoradores de fantasmas e espíritos; yānti — vão; mat — Meus; yājinaḥ — devotos; api — mas; mām — a Mim.

Tradução

Aqueles que adoram os semideuses nascerão entre os semideuses; aqueles que adoram os ancestrais irão ter com os ancestrais; aqueles que adoram os fantasmas e espíritos nascerão entre tais seres; e aqueles que Me adoram viverão comigo.

Comentário

Se alguém tiver algum desejo de ir à Lua, ao Sol ou a qualquer outro planeta, poderá atingir o destino desejado, seguindo princípios védicos específicos recomendados para este propósito, tais como o processo conhecido tecnicamente como darśa-paurṇamāsī. Estes são descritos vividamente na porção dos Vedas que trata das atividades fruitivas, a qual recomenda que se preste adoração específica aos semideuses situados em diferentes planetas celestiais. Da mesma maneira, podem-se alcançar os planetas Pitā executando-se um yajña específico. Pode-se também ir a muitos planetas habitados por fantasmas e tornar-se Yakṣa, Rakṣa ou Piśāca. A adoração aos Piśācas chama-se “artes negras” ou “magia negra”. Há muitos homens que praticam esta magia negra e acham que é espiritualismo, mas essas atividades são inteiramente materialistas. Da mesma forma, um devoto puro, que só adora a Suprema Personalidade de Deus, sem dúvida alguma alcança os planetas Vaikuṇṭha e Kṛṣṇaloka. Através deste importante verso fica muito fácil compreender que, se pela simples adoração aos semideuses podem-se alcançar os planetas celestiais, ou pela adoração aos Pitās alcançam-se os planetas Pitā, ou pela prática das artes negras alcançam-se os planetas habitados por fantasmas, por que o devoto puro não pode, com sua adoração, alcançar o planeta de Kṛṣṇa ou Viṣṇu? Infelizmente, muitas pessoas não têm nenhuma informação sobre estes planetas sublimes onde moram Kṛṣṇa e Viṣṇu, e porque não os conhecem, elas caem. Até mesmo os impersonalistas caem do brahmajyoti. O movimento da consciência de Kṛṣṇa está, portanto, distribuindo valiosa informação à sociedade humana inteira, notificando-lhe que, pelo simples fato de se cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, é possível tornar-se perfeito nesta vida e retornar ao lar, retornar ao Supremo.

Texto

patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyaṁ
yo me bhaktyā prayacchati
tad ahaṁ bhakty-upahṛtam
aśnāmi prayatātmanaḥ

Sinônimos

patram — uma folha; puṣpam — uma flor; phalam — uma fruta; toyam — água; yaḥ — quem quer que; me — a Mim; bhaktyā — com devoção; prayacchati — ofereça; tat — isso; aham — Eu; bhakti-upahṛtam — oferecido com devoção; aśnāmi — aceito; prayata-ātmanaḥ — de uma pessoa em consciência pura.

Tradução

Se alguém Me oferecer, com amor e devoção, uma folha, uma flor, frutas ou água, Eu as aceitarei.

Comentário

É essencial que a pessoa inteligente esteja em consciência de Kṛṣṇa, ocupada no serviço transcendental amoroso do Senhor, a fim de conseguir uma morada permanente e bem-aventurada, onde desfrute de felicidade eterna. O processo pelo qual se consegue resultado tão maravilhoso é muito fácil e pode ser tentado mesmo pelo indivíduo mais pobre, e não se exige dele nenhuma espécie de qualificação. A única qualificação exigida neste contexto é que a pessoa seja um devoto puro do Senhor. Não importa o que ela é ou qual sua situação atual. O processo é tão simples que mesmo uma folha ou um pouco dágua ou uma fruta podem ser oferecidos ao Senhor Supremo com amor genuíno e o Senhor ficará contente em aceitá-los. Portanto, ninguém pode ser omitido da consciência de Kṛṣṇa, porque ela é tão fácil e universal. Quem seria tão tolo a ponto de não querer ser consciente de Kṛṣṇa por este método simples e assim alcançar a perfeição mais elevada, numa vida de eternidade, bem-aventurança e conhecimento? Kṛṣṇa quer apenas serviço amoroso e nada mais. De Seu devoto puro, Kṛṣṇa aceita até mesmo uma pequena flor. De um não-devoto, Ele não quer nenhum tipo de oferenda. Ele não precisa que lhe dêem algo, porque Ele é auto-suficiente, e mesmo assim Ele aceita a oferenda feita por Seu devoto, permitindo que haja entre eles uma troca de amor e afeição. Desenvolver consciência de Kṛṣṇa é a mais elevada perfeição da vida. Neste verso, menciona-se bhakti duas vezes para expressar mais enfaticamente que bhakti, ou o serviço devocional, é o único meio de alguém aproximar-se de Kṛṣṇa. Nenhuma outra condição, tal como tornar-se um brāhmaṇa, um estudioso erudito, um homem muito rico ou um grande filósofo, pode induzir Kṛṣṇa a aceitar alguma oferenda. Sem o princípio básico de bhakti, nada pode induzir o Senhor a concordar em aceitar algo de alguém. Bhakti nunca é eventual. O processo é eterno. É ação direta em serviço ao todo absoluto.

Aqui, o Senhor Kṛṣṇa, tendo estabelecido que Ele é o único desfrutador, o Senhor primordial e o verdadeiro objeto de todas as oferendas sacrificatórias, revela quais são as classes de sacrifícios que Ele deseja que Lhe ofereçam. Se alguém deseja ocupar-se em serviço devocional ao Supremo para purificar-se e alcançar a meta da vida — o serviço transcendental amoroso a Deus — então, deve procurar saber o que o Senhor deseja dele. Quem ama a Kṛṣṇa Lhe dará tudo o que Ele quiser e evitará oferecer algo indesejável ou inoportuno. Logo, carne, peixe e ovos não devem ser oferecidos a Kṛṣṇa. Se Ele desejasse esse tipo de oferenda, Ele teria Se manifestado nesse sentido. Em vez disso, Ele pede claramente que Lhe dêem folhas, frutas, flores e água, e a respeito desta oferenda Ele diz que “Eu a aceitarei”. Portanto, convém sabermos que Ele não aceitará carne, peixe nem ovos. Legumes, cereais, frutas, leite e água são os alimentos apropriados para os seres humanos e são prescritos pelo próprio Senhor Kṛṣṇa. Qualquer outra substância que comermos não Lhe poderá ser oferecida, pois Ele não a aceitará. Logo, não podemos estar agindo no nível da devoção amorosa se oferecemos semelhantes alimentos.

No Terceiro Capítulo, verso treze, Śrī Kṛṣṇa explica que, só os restos de sacrifício são puros e próprios para serem consumidos por aqueles que procuram progredir na vida e libertar-se das garras do enredamento material. Aqueles que não oferecem seu alimento, Ele diz no mesmo verso, comem apenas pecado. Em outras palavras, cada porção que eles levam à boca está apenas aprofundando seu envolvimento nas complexidades da natureza material. Mas o preparo de pratos vegetarianos simples e deliciosos que são oferecidos diante do quadro ou da Deidade do Senhor Kṛṣṇa, enquanto o devoto, após ter-se prostrado, ora para que Ele aceite essa humilde oferenda, capacita-o a empreender firme avanço na vida, purificar o corpo e criar tecidos cerebrais finos que propiciarão um pensamento claro. Acima de tudo, a oferenda deve ser feita com uma atitude de amor. Kṛṣṇa não precisa de alimento, pois Ele já possui tudo o que existe, não obstante, Ele aceitará a oferenda daquele que deseja Lhe fazer essa manifestação de carinho. O elemento importante, ao preparar, ao servir e ao oferecer, é agir com amor a Kṛṣṇa.

Os filósofos impersonalistas, que querem defender a idéia de que a Verdade Absoluta não tem sentidos, não podem compreender este verso do Bhagavad-gītā. Para eles, ou é uma metáfora ou uma prova do caráter mundano de Kṛṣṇa, que é o orador do Bhagavad-gītā. Mas, na verdade, Kṛṣṇa, a Divindade Suprema, tem sentidos, e se diz que Seus sentidos são intercambiáveis; em outras palavras, um sentido pode executar a função de qualquer outro. Isto é o que significa dizer que Kṛṣṇa é absoluto. Faltando-Lhe sentidos, dificilmente se poderia considerá-lO pleno de todas as opulências. No Sétimo Capítulo, Kṛṣṇa explicou que Ele fecunda as entidades vivas na natureza material. Isto ocorre quando Ele lança Seu olhar sobre a natureza material. E também no presente caso, o fato de Kṛṣṇa ouvir as palavras de amor que o devoto profere ao oferecer alimentos é em tudo idêntico ao fato de Ele comer e realmente saborear. Deve-se enfatizar este ponto: devido à Sua posição absoluta, para Ele, ouvir é totalmente idêntico a comer e a saborear. Só o devoto, que aceita Kṛṣṇa como Ele Se descreve a Si mesmo e não dá nenhuma interpretação pessoal, pode compreender que a Suprema Verdade Absoluta é capaz de comer alimentos e de desfrutá-los.

Texto

yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam

Sinônimos

yat — tudo o que; karoṣi — faz; yat — tudo o que; aśnāsi — come; yat — tudo o que; juhoṣi — oferece; dadāsi — dá; yat — tudo o que; yat — todas as; tapasyasi — austeridades que executa; kaunteya — ó filho de Kuntī; tat — isto; kuruṣva — faça; mat — para Mim; arpaṇam — como uma oferenda.

Tradução

Tudo o que você fizer, tudo o que comer, tudo o que oferecer ou der para os outros, e quaisquer austeridades que você executar — faça isto, ó filho de Kuntī, como uma oferenda a Mim.

Comentário

Assim, é dever de todos organizar sua vida de tal modo que não se esqueçam de Kṛṣṇa em circunstância alguma. Todos têm que trabalhar para sobreviver, e nesta passagem Kṛṣṇa recomenda que se deve trabalhar para Ele. Todos têm que comer algo para subsistir; portanto, devem-se aceitar os restos do alimento oferecido a Kṛṣṇa. Qualquer homem civilizado tem que executar algumas cerimônias ritualísticas religiosas; por isso, Kṛṣṇa recomenda que “Faça-o para Mim”, e isto se chama arcana. Todos têm a tendência de dar algo em caridade; Kṛṣṇa diz: “Dê-o a Mim”, e isto quer dizer que todo o dinheiro excedente deve ser utilizado a ajudar o movimento da consciência de Kṛṣṇa. Hoje em dia, as pessoas estão muito inclinadas ao processo de meditação, que não é prático nesta era, mas se alguém procura meditar em Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia, cantando o mantra Hare Kṛṣṇa em suas contas, com certeza é o maior meditador e o maior yogī, como atesta o Sexto Capítulo do Bhagavad-gītā.

Texto

śubhāśubha-phalair evaṁ
mokṣyase karma-bandhanaiḥ
sannyāsa-yoga-yuktātmā
vimukto mām upaiṣyasi

Sinônimos

śubha — de auspiciosos; aśubha — e inauspiciosos; phalaiḥ — resultados; evam — assim; mokṣyase — você se libertará; karma — do trabalho; bandhanaiḥ — do cativeiro; sannyāsa — da renúncia; yoga — a yoga; yukta-ātmā — tendo a mente estabelecida firmemente em; vimuktaḥ — liberado; mām — a Mim; upaiṣyasi — você alcançará.

Tradução

Desse modo, você ficará livre do cativeiro do trabalho e de seus resultados auspiciosos e inauspiciosos. Com a mente fixa em Mim neste princípio de renúncia, você se libertará e virá a Mim.

Comentário

Quem aceita orientação superior e age em consciência de Kṛṣṇa chama-se yukta. O termo técnico é yukta-vairāgya. Sobre isto, há a seguinte explicação feita por Rūpa Gosvāmī:

anāsaktasya viṣayān
yathārham upayuñjataḥ
nirbandhaḥ kṛṣṇa-sambandhe
yuktaṁ vairāgyam ucyate

(Bhakti-rasāmṛta-sindhu, 1.2.255)

Rūpa Gosvāmī diz que enquanto estivermos neste mundo material, teremos que agir, não podemos parar de agir. Portanto, se executamos ações e entregamos os frutos a Kṛṣṇa, isto se chama yukta-vairāgya. Típicas da verdadeira renúncia, estas atividades limpam o espelho da mente, e, à medida que vai progredindo em realização espiritual, o executor rende-se por completo à Suprema Personalidade de Deus. Por isso, ele acaba se liberando, e aqui se especifica que liberação é esta. Por meio desta liberação, ele não se torna uno com o brahmajyoti, mas em vez disto entra no planeta do Senhor Supremo. Está claramente mencionado aqui: mām upaiṣyasi, “ele vem a Mim”, de volta ao lar, de volta ao Supremo. Há cinco fases diferentes de liberação, e aqui especifica-se que o devoto que sempre viveu sob a direção do Senhor Supremo, como mencionado, evoluiu ao ponto em que, após abandonar este corpo, poderá voltar ao Supremo e ocupar-se diretamente na associação do Senhor Supremo.

Alguém cujo único interesse é dedicar sua vida no serviço do Senhor é um sannyāsī de verdade. Tal devoto sempre se julga um servo eterno, dependente da vontade suprema do Senhor. Nesse caso, tudo o que faz é para o benefício do Senhor. Qualquer ação que execute é para servir ao Senhor. Ele não dá muita atenção às atividades fruitivas ou aos deveres prescritos mencionados nos Vedas. Para as pessoas comuns, é obrigatório executar os deveres prescritos mencionados nos Vedas, porém, embora um devoto puro que esteja inteiramente ocupado no serviço do Senhor às vezes pareça ir contra os deveres védicos prescritos, a verdade não é exatamente esta.

As autoridades vaiṣṇavas dizem, portanto, que mesmo a pessoa mais inteligente não pode compreender os planos e atividades de um devoto puro. As palavras precisas são tāṅra vākya, kriyā, mudrā vijñeha nā bujhaya (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 23.39). Quem está sempre ocupado nesse serviço ao Senhor ou vive pensando e refletindo em como servir o Senhor deve ser desde já considerado completamente liberado, e garante-se que no futuro retornará ao lar, retornará ao Supremo. Ele está acima de toda a crítica materialista, assim como Kṛṣṇa está acima de toda a crítica.

Texto

samo ’haṁ sarva-bhūteṣu
na me dveṣyo ’sti na priyaḥ
ye bhajanti tu māṁ bhaktyā
mayi te teṣu cāpy aham

Sinônimos

samaḥ — igualmente disposto; aham — Eu; sarva-bhūteṣu — para com todas as entidades vivas; na — ninguém; me — para Mim; dveṣyaḥ — odioso; asti — é; na — nem; priyaḥ — querido; ye — aqueles que; bhajanti — prestam serviço transcendental; tu — mas; mām — para Mim; bhaktyā — com devoção; mayi — estão em Mim; te — estas pessoas; teṣu — nelas; ca — também; api — decerto; aham — Eu.

Tradução

Não invejo ninguém, nem tampouco sou parcial com alguém. Sou igual para com todos. Porém, todo aquele que Me presta serviço com devoção é um amigo, e está em Mim, e Eu também sou seu amigo.

Comentário

Aqui, talvez alguém conteste que se Kṛṣṇa é igual com todos e ninguém é Seu amigo favorito, então, por que Ele tem um interesse especial pelos devotos que sempre se ocupam no Seu serviço transcendental? Mas isto não é discriminação; é natural. Qualquer homem neste mundo material pode ser muito dado a fazer caridades, mas ele tem um interesse especial por seus próprios filhos. O Senhor afirma que toda entidade viva — em qualquer forma — é Seu filho, e por isso Ele provê a todos com um abundante suprimento das necessidades da vida. Ele é como uma nuvem que derrama chuva por toda a parte, não importa se vai cair na pedra, na terra ou na água. Mas aos Seus devotos Ele dedica uma atenção especial. Esses devotos são mencionados aqui: eles estão sempre em consciência de Kṛṣṇa, e por isso estão sempre transcendentalmente situados em Kṛṣṇa. A própria expressão “consciência de Kṛṣṇa” sugere que aqueles que estão nessa consciência são transcendentalistas ativos, situados nEle. Aqui, o Senhor diz distintamente que mayi te: “Eles estão em Mim”. E naturalmente como resultado, o Senhor também está neles. Isto é recíproco. Isto também explica as palavras ye yathā māṁ prapadyante tāṁs tathaiva bhajāmy aham: “Quem se rende a Mim, na mesma proporção recebe os Meus cuidados”. Existe esta reciprocidade transcendental porque tanto o Senhor quanto o devoto são conscientes. Quando um diamante é encravado num anel de ouro, o anel fica muito bonito. O ouro é valorizado, e ao mesmo tempo o diamante é valorizado. O Senhor e a entidade viva brilham eternamente, e ao inclinar-se para o serviço do Senhor Supremo, a entidade viva parece ouro. O Senhor é um diamante, e essa combinação é muito bonita. As entidades vivas num estado puro chamam-se devotos. O Senhor Supremo torna-Se devoto de Seus devotos. Se uma relação recíproca não está presente entre o devoto e o Senhor, então, não há filosofia personalista. Na filosofia impessoal, não há reciprocidade entre o Supremo e a entidade viva, mas na filosofia personalista, sim.

Dá-se freqüentemente o exemplo de que o Senhor é como uma árvore-dos-desejos, e tudo o que se quer desta árvore Ele fornece. Mas aqui a explicação é mais completa. Aqui se declara que o Senhor é parcial com os devotos. Esta é a manifestação da misericórdia especial do Senhor para com os devotos. Ninguém deve considerar que a reciprocidade do Senhor está sob a lei do karma. Ela pertence à plataforma transcendental em que agem o Senhor e Seus devotos. O serviço devocional ao Senhor não é uma atividade deste mundo material; ele faz parte do mundo espiritual, onde predominam a eternidade, a bem-aventurança e o conhecimento.

Texto

api cet su-durācāro
bhajate mām ananya-bhāk
sādhur eva sa mantavyaḥ
samyag vyavasito hi saḥ

Sinônimos

api — mesmo; cet — se; su-durācāraḥ — uma pessoa que cometa as ações mais abomináveis; bhajate — está ocupada em serviço devocional; mām — a Mim; ananya-bhāk — sem desvio; sādhuḥ — um santo; eva — decerto; saḥ — ele; mantavyaḥ — deve ser considerado; samyak — completamente; vyavasitaḥ — situado em determinação; hi — decerto; saḥ — ele.

Tradução

Mesmo que alguém cometa ações das mais abomináveis, se estiver ocupado no serviço devocional, deve ser considerado santo, porque está devidamente situado em sua determinação.

Comentário

A palavra su-durācāraḥ, usada neste verso, é muito significativa, e devemos compreendê-la apropriadamente. Quando é condicionada, a entidade viva tem duas espécies de atividades: uma é condicional e a outra, constitucional. Quanto à proteção do corpo ou ao acatamento às leis da sociedade e do Estado, com certeza há diferentes atividades relativas à vida condicional, mesmo para os devotos, e essas atividades chamam-se condicionais. Além destas, a entidade viva que está plenamente consciente de sua natureza espiritual e ocupa-se em consciência de Kṛṣṇa, ou no serviço devocional ao Senhor, realiza atividades que se denominam transcendentais. Essas atividades são executadas em sua posição constitucional, e chamam-se tecnicamente serviço devocional. Acontece que, no estado condicionado, às vezes o serviço devocional e o serviço condicionado ao corpo andam lado a lado. Mas nesse caso também, às vezes estas atividades opõem-se umas às outras. Na medida do possível, o devoto tem muita cautela em não fazer nada que possa abalar sua condição saudável. Ele sabe que a perfeição de suas atividades depende da sua progressiva realização na consciência de Kṛṣṇa. Entretanto, às vezes pode-se ver que um devoto consciente de Kṛṣṇa comete algum ato que social ou politicamente é tido como abominável. Mas essa queda passageira não o desqualifica. No Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que se alguém cai mas está sinceramente ocupado no serviço transcendental ao Senhor Supremo, o Senhor, estando situado em seu coração, purifica-o e perdoa tal abominação. A contaminação material é tão forte que mesmo um yogī plenamente ocupado no serviço do Senhor às vezes cai na armadilha. Porém, a consciência de Kṛṣṇa é tão forte que essa queda ocasional é corrigida de imediato. Por isso, o processo do serviço devocional é sempre um sucesso. Ninguém deve zombar de um devoto que acidentalmente afastou-se do caminho ideal, pois, como se explica no próximo verso, essas quedas ocasionais cessarão no devido tempo, logo que ele se situar em completa consciência de Kṛṣṇa.

Portanto, quem está em consciência de Kṛṣṇa e ocupa-se com determinação no processo de cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare deve ser considerado como estando na posição transcendental, mesmo que ele pareça ter caído por acaso ou acidentalmente. As palavras sādhur eva, “ele é santo”, são muito enfáticas. Elas são uma advertência aos não-devotos, para que não zombem de um devoto por ter tido uma queda acidental; ele ainda deve ser considerado santo, mesmo que tenha acidentalmente caído. E a palavra mantavyaḥ dá ainda maior ênfase. Se a pessoa não seguir esta regra e zombar da queda acidental do devoto, então, estará desobedecendo à ordem do Senhor Supremo. A única qualificação do devoto é estar firme e exclusivamente ocupado em serviço devocional.

No Nṛsiṁha Purāṇa, há a seguinte afirmação:

bhagavati ca harāv ananya-cetā
bhṛśa-malino ’pi virājate manuṣyaḥ
na hi śaśa-kaluṣa-cchabiḥ kadācit
timira-parābhavatām upaiti candraḥ

O significado é que mesmo que alguém ocupado por completo no serviço devocional do Senhor às vezes cometa atos abomináveis, tal atitude deve ser considerada como as manchas da Lua, que se assemelham à forma de um coelho. Essas manchas não impedem a difusão do luar. Da mesma forma, o fato de um devoto acidentalmente sair do caminho do caráter santo não o torna abominável.

Por outro lado, não se deve interpretar que um devoto no serviço devocional transcendental pode agir de todas as maneiras abomináveis; este verso refere-se apenas a um acidente devido ao forte poder das ligações materiais. O serviço devocional é mais ou menos uma declaração de guerra contra a energia ilusória. Enquanto não se for bastante forte para combater a energia ilusória, poderá haver quedas acidentais. Mas quando o devoto é forte o suficiente, ele deixa de sujeitar-se a essas quedas, como já se explicou. Ninguém deve se aproveitar deste verso para cometer tolices e achar que continua sendo devoto. Se, com o serviço devocional, ele não melhorar seu caráter, então, deve-se entender que ele não é um devoto elevado.

Texto

kṣipraṁ bhavati dharmātmā
śaśvac-chāntiṁ nigacchati
kaunteya pratijānīhi
na me bhaktaḥ praṇaśyati

Sinônimos

kṣipram — muito em breve; bhavati — torna-se; dharma-ātmā — virtuoso; śaśvat-śāntim — paz duradoura; nigacchati — alcança; kaunteya — ó filho de Kuntī; pratijānīhi — declare; na — jamais; me — Meu; bhaktaḥ — devoto; praṇaśyati — perece.

Tradução

Ele logo se torna virtuoso e alcança a paz duradoura. Ó filho de Kuntī, declare ousadamente que o Meu devoto jamais perece.

Comentário

Ninguém deve distorcer o significado disto. No Sétimo Capítulo, o Senhor diz que quem se ocupa em atividades perversas não pode tornar-se devoto do Senhor. Quem não é devoto do Senhor não tem boa qualificação de espécie alguma. Fica, então, a pergunta: Como pode alguém acidental ou deliberadamente ocupado em atividades abomináveis ser um devoto puro? É justo que se levante essa questão. Os malfeitores, como foi declarado no Sétimo Capítulo, que nunca ingressam no serviço devocional ao Senhor, não têm boas qualificações, como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam. Em geral, um devoto que esteja ocupado nos nove tipos de atividades devocionais dedica-se ao processo que consiste em tirar do coração toda a contaminação material. Ele coloca a Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração, e todas as contaminações são naturalmente eliminadas. O pensamento contínuo no Senhor Supremo torna-o puro por natureza. Segundo os Vedas, há uma certa regulação de que, se alguém cai de sua posição elevada, deve submeter-se a determinados processos ritualísticos para purificar-se. Mas aqui não se impõe esta condição, pois o processo purificador já está no coração do devoto, devido à sua constante lembrança da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, o canto de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare deve continuar sem interrupção. Isto protegerá o devoto de todas as quedas acidentais. Assim, ele permanecerá perpetuamente livre de todas as contaminações materiais.

Texto

māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim

Sinônimos

mām — em Mim; hi — decerto; pārtha — ó filho de Pṛthā; vyapāśritya — em especial refugiando-se em; ye — aqueles que; api — também; syuḥ — são; pāpa-yonayaḥ — nascidos de família inferior; striyaḥ — mulheres; vaiśyāḥ — comerciantes; tathā — também; śūdrāḥ — homens de classe inferior; te api — mesmo eles; yānti — vão; parām — para o supremo; gatim — destino.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, todos os que se refugiam em Mim, mesmo que sejam de nascimento inferior ou as mulheres, os vaiśyas [comerciantes] ou os śūdras [trabalhadores braçais], podem alcançar o destino supremo.

Comentário

Aqui, o Senhor Supremo é bem claro ao afirmar que no serviço devocional não há distinção entre as classes inferiores e superiores de pessoas. No conceito de vida material, prevalecem essas divisões, mas elas não existem para quem se ocupa no serviço transcendental amoroso do Senhor. Todos se candidatam a chegar ao destino supremo. No Śrīmad-Bhāgavatam (2.4.18), afirma-se que até mesmo os mais baixos, que são chamados caṇḍālas (comedores de cachorro), podem purificar-se, associando-se com devotos puros. Portanto, o serviço devocional e a orientação de um devoto puro são tão fortes que não há discriminação entre as classes inferiores e superiores; qualquer um pode adotar esse processo. Refugiando-se no devoto puro, a pessoa mais simples pode purificar-se, seguindo a orientação apropriada. Conforme os diferentes modos da natureza material, os homens são classificados no modo da bondade (brāhmaṇas), no modo da paixão (kṣatriyas, ou administradores), no modo em que há uma mistura de paixão e ignorância (vaiśyas, ou comerciantes) e no modo da ignorância (śūdras, ou trabalhadores braçais). Inferiores a estes estão os caṇḍālas, que nascem em famílias pecaminosas. Em geral, as classes superiores evitam associar-se com aqueles nascidos nas famílias pecaminosas. Mas o processo do serviço devocional é tão forte que o devoto puro do Senhor Supremo pode capacitar as pessoas de todas as classes inferiores a atingir a mais elevada perfeição da vida. Isto só é possível quando alguém aceita refugiar-se em Kṛṣṇa. Como aqui o indica a palavra vyapāśritya, é necessário refugiar-se completamente em Kṛṣṇa. Então, pode-se ser muito superior aos grandes jñānīs e yogīs.

Texto

kiṁ punar brāhmaṇāḥ puṇyā
bhaktā rājarṣayas tathā
anityam asukhaṁ lokam
imaṁ prāpya bhajasva mām

Sinônimos

kim — quanto; punaḥ — de novo; brāhmaṇāḥ — os brāhmaṇas; puṇyāḥ — virtuosos; bhaktāḥ — devotos; rāja-ṛṣayaḥ — reis santos; tathā — também; anityam — temporário; asukham — cheio de misérias; lokam — planeta; imam — este; prāpya — ganhando; bhajasva — ocupe-se em serviço amoroso; mām — a Mim.

Tradução

E o que dizer do destino dos brāhmaṇas virtuosos, dos devotos e dos reis santos. Portanto, como você veio a este mundo miserável e temporário, ocupe-se em prestar serviço amoroso a Mim.

Comentário

Neste mundo material, as pessoas recebem denominações ou classificações, mas, afinal de contas, este mundo não é um lugar onde se possa viver feliz. Aqui, afirma-se claramente que anityam asukhaṁ lokam: este mundo é temporário e cheio de misérias, e não serve para ser habitado por um cavalheiro sensato. A Suprema Personalidade de Deus declara que este mundo é temporário e cheio de misérias. Alguns filósofos, especialmente os filósofos māyāvādīs, dizem que este mundo é falso, mas através do Bhagavad-gītā podemos compreender que o mundo não é falso; é temporário. Há uma diferença entre temporário e falso. Este mundo é temporário, mas existe outro mundo, que é eterno. Este mundo é miserável, mas o outro mundo é eterno e bem-aventurado.

Arjuna nasceu numa família real e santa. A ele, também, o Senhor diz: “Adote o Meu serviço devocional e bem depressa volte ao Supremo, volte ao lar”. Ninguém deve ficar neste mundo temporário, que é cheio de misérias. Todos devem refugiar-se no âmago da Suprema Personalidade de Deus para poderem ser eternamente felizes. O serviço devocional ao Senhor Supremo é o único processo pelo qual se podem resolver todos os problemas de todas as classes de homens. Todos devem, portanto, adotar a consciência de Kṛṣṇa e tornar sua vida perfeita.

Texto

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi yuktvaivam
ātmānaṁ mat-parāyaṇaḥ

Sinônimos

mat-manāḥ — sempre pensando em Mim; bhava — torne-se; mat — Meu; bhaktaḥ — devoto; mat — Meu; yājī — adorador; mām — a Mim; namaskuru — ofereça reverências; mām — a Mim; eva — completamente; eṣyasi — você virá; yuktvā — estando absorta; evam — assim; ātmānam — sua alma; mat-parāyaṇaḥ — devotada a Mim.

Tradução

Ocupe sua mente em pensar sempre em Mim, torne-se Meu devoto, ofereça-Me reverências e Me adore. Estando absorto por completo em Mim, com certeza você virá a Mim.

Comentário

Neste verso, indica-se claramente que a consciência de Kṛṣṇa é o único meio de alguém se libertar das garras deste mundo material contaminado. Às vezes, comentadores inescrupulosos distorcem o sentido do que se afirma de maneira explícita aqui: que todo o serviço devocional deve ser oferecido à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Infelizmente, comentadores inescrupulosos desviam a mente do leitor para aquilo que não é absolutamente exequível. Esses comentadores não sabem que não existe diferença entre a mente de Kṛṣṇa e Kṛṣṇa. Kṛṣṇa não é um ser humano comum; Ele é a Verdade Absoluta. Seu corpo, Sua mente e Ele mesmo são, de fato, a mesma coisa. Afirma-se no Kūrma Purāṇa, e Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī cita em seus comentários Anubhāṣya sobre o Caitanya-caritāmṛta (Quinto Capítulo, Ādi-līlā, versos 41-48) que deha-dehi-vibhedo ’yaṁ neśvare vidyate kvacit. Isto significa que não há diferença entre o próprio Senhor Supremo, Kṛṣṇa, e Seu corpo. Mas como não conhecem esta ciência de Kṛṣṇa, os comentadores ocultam Kṛṣṇa e fazem distinção entre Sua personalidade, Sua mente ou Seu corpo. Embora isto demonstre ignorância da ciência de Kṛṣṇa, certos homens lucram com o desencaminhar das pessoas.

Existem alguns que são demoníacos; eles também pensam em Kṛṣṇa, mas com inveja, assim como o rei Kaṁsa, o tio de Kṛṣṇa. Ele também vivia pensando em Kṛṣṇa, mas pensava em Kṛṣṇa como seu inimigo. Estava sempre em ansiedade, imaginando quando Kṛṣṇa viria matá-lo. Esta espécie de pensamento não nos ajudará. Devemos pensar em Kṛṣṇa com amor devocional. Isto é bhakti. Deve-se cultivar continuamente o conhecimento acerca de Kṛṣṇa. O que é este cultivo favorável? Ele consiste em se aprender com um mestre autêntico. Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e explicamos diversas vezes que Seu corpo não é material, mas é conhecimento eterno e bem-aventurado. Este tipo de conversa sobre Kṛṣṇa ajudará a pessoa a tornar-se um devoto. Aceitar outra compreensão acerca de Kṛṣṇa, recorrendo à fonte errada, acabará sendo inútil.

Devemos, portanto, ocupar nossa mente na forma eterna, na forma primordial de Kṛṣṇa; tendo no coração a convicção de que Kṛṣṇa é o Supremo, devemos prestar adoração. Há centenas de milhares de templos na Índia onde se adora Kṛṣṇa e onde se pratica o serviço devocional. Quem se entrega a esta prática deve oferecer reverências a Kṛṣṇa. Deve curvar a cabeça diante da Deidade e deve ocupar sua mente, seu corpo, suas atividades — tudo. Com isto, o devoto não se desviará de sua absorção em Kṛṣṇa. Isto o ajudará a transferir-se a Kṛṣṇaloka. A pessoa não deve se deixar desviar pelos comentadores inescrupulosos. Ela deve ocupar-se nos nove diferentes processos do serviço devocional, começando com ouvir e cantar sobre Kṛṣṇa. O serviço devocional puro é a conquista máxima da sociedade humana.

O Sétimo e o Oitavo Capítulos do Bhagavad-gītā explicaram o serviço devocional puro ao Senhor que é livre de conhecimento especulativo, yoga mística e atividades fruitivas. Aqueles que não estão puramente santificados podem se sentir atraídos a diferentes aspectos do Senhor, tais como o brahmajyoti impessoal e o Paramātmā localizado, mas o devoto puro adota o serviço direto ao Senhor Supremo.

Há um belo poema sobre Kṛṣṇa em que se afirma claramente que qualquer pessoa que esteja ocupada na adoração aos semideuses não é inteligente e não pode em tempo algum conseguir a recompensa suprema: Kṛṣṇa. No começo, talvez o devoto às vezes saia da linha, mas mesmo assim deve ser considerado superior a todos os outros filósofos e yogīs. Quem sempre se ocupa em consciência de Kṛṣṇa deve ser considerado um santo perfeito. Suas atividades não-devocionais ocasionais diminuirão, e ele sem dúvida logo estará situado em completa perfeição. Na verdade, o devoto puro não tem nenhuma oportunidade de cair, porque a Divindade Suprema cuida pessoalmente de Seus devotos puros. Portanto, quem é inteligente deve adotar o processo direto da consciência de Kṛṣṇa e viver feliz neste mundo material. E chegará o dia em que receberá a recompensa suprema de Kṛṣṇa.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Nono Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata do Conhecimento Mais Confidencial.