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CAPÍTULO SEIS

Dhya-na-Yoga

Texto

śrī-bhagavān uvāca
anāśritaḥ karma-phalaṁ
kāryaṁ karma karoti yaḥ
sa sannyāsī ca yogī ca
na niragnir na cākriyaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor disse; anāśritaḥ — sem se refugiar; karma-phalam — no resultado do trabalho; kāryam — obrigatório; karma — trabalho; karoti — executa; yaḥ — aquele que; saḥ — ele; sannyāsī — na ordem renunciada; ca — também; yogī — místico; ca — também; na — não; niḥ — sem; agniḥ — fogo; na — nem; ca — também; akriyaḥ — sem dever.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Aquele que não está apegado aos frutos de seu trabalho e que trabalha conforme sua obrigação está na ordem de vida renunciada e é um místico verdadeiro, e não aquele que não acende nenhum fogo nem cumpre dever algum.

Comentário

Neste capítulo, o Senhor explica que o processo ióguico óctuplo é um meio de controlar a mente e os sentidos. Todavia, para as pessoas em geral, isto é muito difícil de executar, especiamente nesta era de Kali. Embora o sistema ióguico óctuplo seje recomendado neste capítulo, o Senhor enfatiza que o processo de karma-yoga, ou agir em consciência de Kṛṣṇa, é melhor. Neste mundo, todos agem para manter sua família e parafernália, mas ninguém é desinteressado, pois trabalha-se em troca de algum prazer pessoal, seja individual seja coletivo. O critério da perfeição é agir em consciência de Kṛṣṇa, e não com a intenção de gozar os frutos do trabalho. Agir em consciência de Kṛṣṇa é o dever de cada ser vivo porque constitucionalmente todos somos partes integrantes do Supremo. As partes do corpo trabalham para a satisfação do corpo todo. Os membros do corpo não agem para a própria satisfação mas sim para a satisfação do todo completo. Do mesmo modo, a entidade viva que age para a satisfação do todo supremo e não para a satisfação pessoal é um sannyāsī perfeito, um yogī perfeito.

Os sannyāsīs às vezes pensam artificialmente que se tornaram liberados de todos os deveres materiais, e por isso deixam de executar agnihotra yajñas (sacrifícios de fogo), mas na verdade eles são interesseiros porque sua meta é tornar-se uno com o Brahman impessoal. Esse desejo é superior a qualquer desejo material, mas não é desinteressado. Igualmente, o yogī místico que pratica o sistema de yoga com os olhos semicerrados, cessando todas as atividades materiais, deseja alguma satisfação para seu eu pessoal.

Mas quem age em consciência de Kṛṣṇa trabalha para a satisfação do todo, sem nenhum interesse pessoal. O devoto consciente de Kṛṣṇa não deseja obter nenhuma satisfação pessoal. Para avaliar o grau de seu sucesso toma-se como critério a satisfação de Kṛṣṇa, e assim ele torna-se um perfeito sannyāsī, ou um perfeito yogī. O Senhor Caitanya, o mais elevado símbolo da renúncia perfeita, entoa a seguinte oração:

na dhanaṁ na janaṁ na sundarīṁ
kavitāṁ vā jagad-īśa kāmaye
mama janmani janmanīśvare
bhavatād bhaktir ahaitukī tvayi

“Ó Senhor Onipotente, não desejo acumular riquezas nem desfrutar de belas mulheres. Tampouco quero qualquer quantidade de seguidores. Tudo o que desejo é a misericórdia sem causa do Seu serviço devocional em minha vida, nascimento após nascimento.”

Texto

yaṁ sannyāsam iti prāhur
yogaṁ taṁ viddhi pāṇḍava
na hy asannyasta-saṅkalpo
yogī bhavati kaścana

Sinônimos

yam — o que; sannyāsam — renúncia; iti — assim; prāhuḥ — dizem; yogam — união com o Supremo; tam — isso; viddhi — você deve saber; pāṇḍava — ó filho de Pāṇḍu; na — nunca; hi — decerto; asannyasta — sem desistir; saṅkalpaḥ — desejo de auto-satisfação; yogī — um transcendentalista místico; bhavati — torna-se; kaścana — ninguém.

Tradução

Fique sabendo que aquilo que se chama renúncia é o mesmo que yoga, ou a união com o Supremo, ó filho de Pāṇḍu, pois nunca pode tornar-se um yogī quem não renuncia ao gozo dos sentidos.

Comentário

A verdadeira sannyāsa-yoga ou bhakti significa que a pessoa deve procurar conhecer sua posição constitucional como entidade viva, e agir apropriadamente. O ser vivo não tem identidade separada independente. Ele é a energia marginal do Supremo. Quando está aprisionado na energia material, é condicionado, e quando é consciente de Kṛṣṇa, ou está consciente da energia espiritual, então, está em seu natural e verdadeiro estado de vida. Portanto, quando alguém está em conhecimento completo, cessa todo o gozo dos sentidos materiais, ou renuncia a todas as espécies de atividades que produzem o gozo dos sentidos. Isto é praticado pelos yogīs que eliminam dos sentidos o apego material. Mas quem é consciente de Kṛṣṇa não deixa que apareça a oportunidade de ocupar seus sentidos em algo que não seja para o propósito de Kṛṣṇa. Portanto, ele é ao mesmo tempo um sannyāsī e um yogī. O propósito do conhecimento e da restrição dos sentidos, como prescritos nos processos de jñāna e de yoga, cumpre-se automaticamente na consciência de Kṛṣṇa. Se alguém não for capaz de abandonar as atividades de sua natureza egoísta, então, jñāna e yoga não surtirão efeito algum. O verdadeiro objetivo é que a entidade viva abandone toda a satisfação egoísta e esteja preparada para satisfazer o Supremo. O devoto consciente de Kṛṣṇa não deseja nenhuma espécie de gozo pessoal. Ele sempre se preocupa em dar prazer ao Supremo. Quem não tem nenhuma informação sobre o Supremo fatalmente ocupa-se em buscar a própria satisfação, pois ninguém pode permanecer na plataforma de inatividade. Todos os propósitos se cumprem perfeitamente através da prática da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

ārurukṣor muner yogaṁ
karma kāraṇam ucyate
yogārūḍhasya tasyaiva
śamaḥ kāraṇam ucyate

Sinônimos

ārurukṣoḥ — aquele que apenas iniciou em yoga; muneḥ — do sábio; yogam — o sistema ióguico óctuplo; karma — trabalho; kāraṇam — o meio; ucyate — diz-se que é; yoga — a yoga óctupla; ārūḍhasya — daquele que alcançou; tasya — dele; eva — decerto; śamaḥ — cessação de todas as atividades materiais; kāraṇam — o meio; ucyate — diz-se que é.

Tradução

Afirma-se que para quem é neófito no sistema ióguico óctuplo, o trabalho é o meio; e para quem já está elevado em yoga, a cessação de todas as atividades materiais é considerada o meio.

Comentário

O processo de unir-se ao Supremo chama-se yoga. Pode ser comparado a uma escada em que se atinge a percepção espiritual máxima. Esta escada começa da mais baixa condição material da entidade viva e vai até à perfeita auto-realização em vida espiritual pura. Conforme vários graus de elevação, diferentes partes da escada são conhecidas por diferentes nomes. Mas no todo, a escada inteira chama-se yoga e pode se dividir em três partes, a saber, jñāna-yoga, dhyāna-yoga e bhakti-yoga. O começo da escada chama-se a fase yogārurukṣu, e o degrau mais elevado chama-se yogārūḍha.

Quanto ao sistema ióguico óctuplo, as tentativas que, no começo, são feitas por alguém que deseja praticar a meditação através dos princípios reguladores da vida e com a prática de diferentes posturas sentadas (que são mais ou menos exercícios corpóreos), são consideradas atividades materiais fruitivas. Todas essas atividades levam à obtenção do perfeito equilíbrio mental para que desse modo seja possível o controle dos sentidos. Quando alguém é exímio na prática da meditação, ele cessa todas as atividades mentais perturbadoras.

Entretanto, quem é consciente de Kṛṣṇa está situado desde o início na plataforma de meditação porque sempre pensa em Kṛṣṇa. E, estando ocupado constantemente no serviço a Kṛṣṇa, considera-se que ele cessou todas as atividades materiais.

Texto

yadā hi nendriyārtheṣu
na karmasv anuṣajjate
sarva-saṅkalpa-sannyāsī
yogārūḍhas tadocyate

Sinônimos

yadā — quando; hi — decerto; na — não; indriya-artheṣu — em gozo dos sentidos; na — nunca; karmasu — em atividades fruitivas; anuṣajjate — a pessoa se ocupa necessariamente; sarva-saṅkalpa — de todos os desejos materiais; sannyāsī — renunciante; yoga-ārūḍhaḥ — elevado em yoga; tadā — então; ucyate — diz-se que é.

Tradução

Diz-se que alguém está elevado em yoga quando, tendo renunciado a todos os desejos materiais, não age em troca do gozo dos sentidos nem se ocupa em atividades fruitivas.

Comentário

Quando alguém se ocupa por completo no serviço transcendental amoroso ao Senhor, ele fica satisfeito consigo mesmo, e assim não se entrega mais ao gozo dos sentidos, nem a atividades fruitivas. Caso contrário, ele vai ocupar-se no gozo dos sentidos, pois ninguém pode viver sem exercer alguma ocupação. Sem consciência de Kṛṣṇa, ele deve estar sempre dedicando-se a atividades egocêntricas ou a ampliar suas atividades, mas nunca saindo do campo do seu interesse. Mas quem é consciente de Kṛṣṇa pode fazer tudo para a satisfação de Kṛṣṇa e desse modo se desapega completamente do gozo dos sentidos. Aquele que não tem essa compreensão deve tentar, de maneira mecânica, livrar-se dos desejos materiais antes de se elevar ao degrau mais alto da escada da yoga.

Texto

uddhared ātmanātmānaṁ
nātmānam avasādayet
ātmaiva hy ātmano bandhur
ātmaiva ripur ātmanaḥ

Sinônimos

uddharet — deve-se libertar; ātmanā — pela mente; ātmānam — a alma condicionada; na — nunca; ātmānam — a alma condicionada; avasādayet — pôr em degradação; ātmā — a mente; eva — decerto; hi — mesmo; ātmanaḥda alma condicionada; bandhuḥ — amigo; ātmā — mente; eva — decerto; ripuḥ — inimigo; ātmanaḥ — da alma condicionada.

Tradução

Com a ajuda de sua mente, a pessoa deve liberar-se, e não degradar-se. A mente é a amiga da alma condicionada, e é também a sua inimiga.

Comentário

A palavra ātmā denota o corpo, a mente e a alma — dependendo das diferentes circunstâncias. No sistema de yoga, a mente e a alma condicionada têm uma importância especial. Como a mente é o ponto central da prática de yoga, aqui ātmā refere-se à mente. O propósito do sistema de yoga é controlar a mente e afastá-la do apego aos objetos dos sentidos. Nesta passagem, enfatiza-se que a mente deve ser treinada de tal maneira que possa livrar a alma condicionada do lodaçal da ignorância. Na existência material, a pessoa sujeita-se à influência da mente e dos sentidos. De fato, a alma pura está enredada no mundo material porque a mente envolve-se com o falso ego, que deseja assenhorear-se da natureza material. Portanto, a mente deve ser treinada para que não se deixe atrair pelo brilho da natureza material, e aí então a alma condicionada conseguirá salvar-se. Não se deve cair vítima da atração aos objetos dos sentidos. Quanto mais alguém se deixa atrair pelos objetos dos sentidos, mais se enreda na existência material. A melhor maneira de se desvencilhar é sempre ocupar a mente na consciência de Kṛṣṇa. A palavra hi é usada para enfatizar este ponto, isto é, que a pessoa deve fazer isso. Também se diz:

mana eva manuṣyāṇāṁ
kāraṇaṁ bandha-mokṣayoḥ
bandhāya viṣayāsaṅgo
muktyai nirviṣayaṁ manaḥ

“Para o homem, a mente é a causa do cativeiro e a mente é a causa da liberação. A mente absorta nos objetos dos sentidos é a causa do cativeiro, e a mente desapegada dos objetos dos sentidos é a causa da liberação.” (Amṛta-bindu Upaniṣad 2) Portanto, a mente que está sempre ocupada em consciência de Kṛṣṇa é a causa da suprema liberação.

Texto

bandhur ātmātmanas tasya
yenātmaivātmanā jitaḥ
anātmanas tu śatrutve
vartetātmaiva śatru-vat

Sinônimos

bandhuḥ — amigo; ātmā — a mente; ātmanaḥ — da entidade viva; tasya — dele; yena — por quem; ātmā — a mente; eva — decerto; ātmanā — pela entidade viva; jitaḥ — vencida; anātmanaḥ — de quem não conseguiu controlar a mente; tu — mas; śatrutve — devido à inimizade; varteta — permanece; ātmā eva — a própria mente; śatru-vat — como inimigo.

Tradução

Para aquele que conquistou a mente, a mente é o melhor dos amigos; mas para quem fracassou neste empreendimento, sua mente continuará sendo seu maior inimigo.

Comentário

A finalidade de praticar a yoga óctupla é controlar a mente a fim de fazer dela uma aliada no cumprimento da missão humana. Se a mente não for controlada, a prática de yoga (para exibição) é mera perda de tempo. Quem não pode controlar a mente vive sempre com o maior inimigo, e assim arruína sua vida e a sua missão na vida . A posição constitucional do ser vivo é executar ordens superiores. Enquanto sua mente continuar um inimigo imbatível, ele terá de servir aos ditames da luxúria, ira, avareza, ilusão, etc. Mas quando conquista a mente, ele, por sua própria vontade, acata a ordem da Personalidade de Deus, que está situado no coração de todos como Paramātmā. A verdadeira prática de yoga consiste em ver o Paramātmā dentro do coração e então seguir Suas ordens. Para quem adota diretamente a consciência de Kṛṣṇa, a rendição perfeita às determinações impostas pelo Senhor é algo que advém com muita naturalidade.

Texto

jitātmanaḥ praśāntasya
paramātmā samāhitaḥ
śītoṣṇa-sukha-duḥkheṣu
tathā mānāpamānayoḥ

Sinônimos

jita-ātmanaḥ — daquele que conquistou a mente; praśāntasya — que alcançou a tranqüilidade através deste controle da mente; parama-ātmā — a Superalma; samāhitaḥ — aproximou-se completamente; śīta — no frio; uṣṇa — calor; sukha — felicidade; duḥkheṣu — e tristeza; tathā — também; māna — em honra; apamānayoḥ — e desonra.

Tradução

Quem conquistou a mente já alcançou a Superalma, pois vive com tranqüilidade. Para ele, felicidade e tristeza, calor e frio, honra e desonra são a mesma coisa.

Comentário

Na verdade, cada ser vivo é obrigado a acatar as ordens da Suprema Personalidade de Deus, que está situado no coração de todos como Paramātmā. Quando a mente se deixa arrastar pela energia externa e ilusória, a pessoa fica enredada em atividades materiais. Portanto, logo que a mente é controlada através de um dos sistemas de yoga, deve-se considerar que a pessoa já alcançou o seu destino. Todos devem acatar as ordens superiores. Quando a mente de alguém se fixa na natureza superior, tudo o que lhe resta é seguir as determinações impostas pelo Supremo. A mente deve aceitar e seguir a uma ordem superior. O efeito conseqüente do controle da mente, é o acatamento automática das ordens do Paramātmā, ou Superalma. Porque esta posição transcendental é de imediato atingida por alguém que esteja em consciência de Kṛṣṇa, o devoto do Senhor não é afetado pelas dualidades da existência material, a saber, tristeza e felicidade, frio e calor, etc. Este é o estado de samādhi vivido na prática, ou a absorção no Supremo.

Texto

jñāna-vijñāna-tṛptātmā
kūṭa-stho vijitendriyaḥ
yukta ity ucyate yogī
sama-loṣṭrāśma-kāñcanaḥ

Sinônimos

jñāna — por conhecimento adquirido; vijñāna — e conhecimento realizado; tṛpta — satisfeita; ātmā — uma entidade viva; kūṭa-sthaḥ — situada espiritualmente; vijita-indriyaḥ — sensualmente controlada; yuktaḥ — competente para a auto-realização; iti — assim; ucyate — diz-se; yogī — o místico; sama — equilibrado; loṣṭra — seixos; aśma — pedra; kāñcanaḥ — ouro.

Tradução

Diz-se que alguém está estabelecido em auto-realização e se chama um yogī [ou místico], quando está plenamente satisfeito em virtude do conhecimento e da percepção adquiridos. Ele está situado na transcendência, e é autocontrolado. Ele vê tudo — sejam seixos, pedras ou ouro — com igualdade.

Comentário

Ter conhecimento teórico sem percepção da Verdade Suprema é inútil. Quanto a isto, faz-se a seguinte afirmação:

ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi
na bhaved grāhyam indriyaiḥ
sevonmukhe hi jihvādau
svayam eva sphuraty adaḥ

“Através dos sentidos materialmente contaminados, ninguém pode compreender a natureza transcendental do nome, forma, qualidade e passatempos de Śrī Kṛṣṇa. Só quando alguém se torna espiritualmente impregnado com o serviço transcendental ao Senhor, é que o nome, a forma, a qualidade e os passatempos transcendentais do Senhor lhe são revelados.” (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.234)

Este Bhagavad-gītā é a ciência da consciência de Kṛṣṇa. Ninguém pode tornar-se consciente de Kṛṣṇa através da simples erudição mundana. Deve-se ser bastante afortunado para associar-se com aquele que está em consciência pura. Quem é consciente de Kṛṣṇa tem pela graça de Kṛṣṇa conhecimento realizado, porque ele está satisfeito com o serviço devocional puro. Através do conhecimento realizado, tornamo-nos perfeitos. Através do conhecimento transcendental, a pessoa pode permanecer firme em suas convicções, porém, pelo mero conhecimento acadêmico, ela pode facilmente deixar-se iludir e confundir por evidentes contradições. A alma realizada tem verdadeiro autocontrole, porque é rendida a Kṛṣṇa. Ela é transcendental porque nada tem a ver com a erudição mundana. Para ela, a erudição mundana e a especulação mental, que, para outros, podem estar em nível de igualdade com o ouro, não valem mais do que seixos ou pedras.

Texto

suhṛn-mitrāry-udāsīna-
madhyastha-dveṣya-bandhuṣu
sādhuṣv api ca pāpeṣu
sama-buddhir viśiṣyate

Sinônimos

su-hṛt — aos benquerentes por natureza; mitra — benfeitores afetuosos; ari — inimigos; udāsīna — neutros entre os beligerantes; madhyastha — mediadores entre os beligerantes; dveṣya — os invejosos; bandhuṣu — e os parentes ou benquerentes; sādhuṣu — aos piedosos; api — bem como; ca — e; pāpeṣu — aos pecadores; sama-buddhiḥ — tendo inteligência equânime; viśiṣyate — está mais avançado.

Tradução

Considera-se ainda mais avançado quem vê os benquerentes honestos, os benfeitores afetuosos, os neutros, os mediadores, os invejosos, os amigos e os inimigos, os piedosos e os pecadores — todos com uma mente equânime.

Texto

yogī yuñjīta satatam
ātmānaṁ rahasi sthitaḥ
ekākī yata-cittātmā
nirāśīr aparigrahaḥ

Sinônimos

yogī — um transcendentalista; yuñjīta — deve se concentrar na consciência de Kṛṣṇa; satatam — constantemente; ātmānam — a si mesmo (por corpo, mente e ego); rahasi — num lugar isolado; sthitaḥ — estando situado; ekākī — sozinho; yata-citta-ātmā — sempre cuidadoso na mente; nirāśīḥ — sem ser atraído por nada mais; aparigrahaḥ — livre do sentimento de posse.

Tradução

O transcendentalista deve sempre ocupar seu corpo, mente e ego em atividades relacionadas com o Supremo; ele deve viver sozinho num lugar isolado e deve sempre com todo o cuidado controlar sua mente. Ele deve estar livre de desejos e sentimentos de posse.

Comentário

Kṛṣṇa é compreendido em diferentes graus como Brahman, Paramātmā e a Suprema Personalidade de Deus. Em resumo, consciência de Kṛṣṇa significa estar sempre ocupado no serviço transcendental amoroso ao Senhor. Mas aqueles que estão apegados ao Brahman impessoal ou à Superalma localizada também são parcialmente conscientes de Kṛṣṇa, porque o Brahman impessoal é o raio espiritual de Kṛṣṇa e a Superalma é a expansão onipenetrante parcial de Kṛṣṇa. Logo, o impersonalista e o meditador também são indiretamente conscientes de Kṛṣṇa. Uma pessoa diretamente consciente de Kṛṣṇa é o transcendentalista mais elevado porque tal devoto sabe o que significa Brahman e Paramātmā. Seu conhecimento acerca da Verdade Absoluta é perfeito, ao passo que o impersonalista e o yogī que medita, são imperfeitos em sua consciência de Kṛṣṇa.

No entanto, todos eles são aqui instruídos a ocuparem-se constantemente em suas atividades específicas para que, mais cedo ou mais tarde, possam chegar à perfeição máxima. O primeiro dever de um transcendentalista é sempre manter a mente fixa em Kṛṣṇa. Deve-se pensar sempre em Kṛṣṇa e não esquecê-lO nem mesmo por um momento. Concentrar a mente no Supremo chama-se samādhi, ou transe. Para concentrar a mente, é necessário ficar sempre isolado, evitando ser perturbado por objetos externos. Deve-se ter muito cuidado em aceitar condições favoráveis e rejeitar situações desfavoráveis que afetem o processo de busca da
compreensão. E, com perfeita determinação, não se deve ambicionar coisas materiais desnecessárias que nos enredem em sentimentos de posse.

Todas estas perfeições e precauções são executadas com esmero quando se está diretamente em consciência de Kṛṣṇa, porque consciência de Kṛṣṇa direta significa auto-abnegação, onde se deixa pouca chance para o cultivo de posses materiais. Śrīla Rūpa Gosvāmī dá a seguinte explicação da consciência de Kṛṣṇa:

anāsaktasya viṣayān
yathārham upayuñjataḥ
nirbandhaḥ kṛṣṇa-sambandhe
yuktaṁ vairāgyam ucyate
prāpañcikatayā buddhyā
hari-sambandhi-vastunaḥ
mumukṣubhiḥ parityāgo
vairāgyaṁ phalgu kathyate

“Quando a pessoa não se apega a nada, mas ao mesmo tempo tudo o que aceita utiliza em relação a Kṛṣṇa, ela está corretamente situada acima do sentimento de posse. Por outro lado, aquele que rejeita tudo sem entender a relação destas coisas com Kṛṣṇa, não é tão completo em sua renúncia.” (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 2.255-256)

Quem é consciente de Kṛṣṇa sabe muito bem que tudo pertence a Kṛṣṇa, e assim vive livre dos sentimentos de posse pessoal. É por isso que ele não está interessado em algo que apenas lhe traga benefício pessoal. Ele sabe como aceitar coisas favoráveis à consciência de Kṛṣṇa e como rejeitar coisas desfavoráveis à consciência de Kṛṣṇa. Ele vive afastado das coisas materiais porque é sempre transcendental, e está sempre só, não tendo nada a ver com pessoas que não estão em consciência de Kṛṣṇa. Portanto, a pessoa em consciência de Kṛṣṇa é um yogī perfeito.

Texto

śucau deśe pratiṣṭhāpya
sthiram āsanam ātmanaḥ
nāty-ucchritaṁ nāti-nīcaṁ
cailājina-kuśottaram
tatraikāgraṁ manaḥ kṛtvā
yata-cittendriya-kriyaḥ
upaviśyāsane yuñjyād
yogam ātma-viśuddhaye

Sinônimos

śucau — numa santificada; deśe — terra; pratiṣṭhāpya — colocando; sthiram — firme; āsanam — assento; ātmanaḥ — seu próprio; na — não; ati — muito; ucchritam — alto; na — nem; ati — muito; nīcam — baixo; caila-ajina — de pano macio e pele de veado; kuśa — e grama kuśa; uttaram — cobertura; tatra — então; eka-agram — com uma só atenção; manaḥ — mente; kṛtvā — fazendo; yata-citta — controlando a mente; indriya — sentidos; kriyaḥ — e atividades; upaviśya — sentando-se; āsane — no assento; yuñjyāt — deve executar; yogam — a prática de yoga; ātma — o coração; viśuddhaye — para aclarar.

Tradução

Para praticar yoga, é necessário dirigir-se a um lugar isolado e forrar o chão com grama kuśa, e depois, cobri-la com a pele de um veado e um pano macio. O assento não deve ser nem muito alto nem muito baixo e deve estar situado num lugar sagrado. O yogī deve então sentar-se nele mui firmemente e praticar yoga para purificar o coração, controlando a mente, os sentidos e as atividades, e fixando a mente num único ponto.

Comentário

“Lugar sagrado” refere-se a lugares de peregrinação. Na Índia — os yogīs, os transcendentalistas ou os devotos — todos deixam o lar e residem em lugares sagrados, tais como Prayāga, Mathurā, Vṛndāvana, Hṛṣīkeśa e Hardwar e em solidão praticam yoga onde correm rios sagrados como o Yamunā e o Ganges. Mas muitas vezes isto não é possível, especialmente para os ocidentais. As supostas sociedades de yoga das grandes cidades talvez consigam um bom rendimento material, mas elas não são nada adequadas para a verdadeira prática de yoga. Quem não é autocontrolado e não tem uma mente tranqüila, não pode praticar meditação. Por isso, no Bṛhan-nāradīya Purāṇa afirma-se que em Kali-yuga (a atual yuga, ou era), quando as pessoas em geral vivem pouco, demoram muito a compreender o que é vida espiritual e estão sempre perturbadas por várias ansiedades, o melhor meio de obter compreensão espiritual é cantar o santo nome do Senhor.

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

“Nesta era de desavenças e hipocrisia, o único meio de liberação é cantar o santo nome do Senhor. Não há outra maneira. Não há outra maneira. Não há outra maneira.”

Texto

samaṁ kāya-śiro-grīvaṁ
dhārayann acalaṁ sthiraḥ
samprekṣya nāsikāgraṁ svaṁ
diśaś cānavalokayan
praśāntātmā vigata-bhīr
brahmacāri-vrate sthitaḥ
manaḥ saṁyamya mac-citto
yukta āsīta mat-paraḥ

Sinônimos

samam — eretos; kāya — corpo; śiraḥ — cabeça; grīvam — e pescoço; dhārayan — mantendo; acalam — imóvel; sthiraḥ — fixo; samprekṣya — olhando; nāsikā — do nariz; agram — para a ponta; svam — próprio; diśaḥ — em todos os lados; ca — também; anavalokayan — não olhando; praśānta — não agitada; ātmā — mente; vigata-bhīḥ — sem medo; brahmacāri-vrate — no voto de celibato; sthitaḥ — situado; manaḥ — mente; saṁyamya — dominando por completo; mat — em Mim (Kṛṣṇa); cittaḥ — concentrando a mente; yuktaḥ — o verdadeiro yogī; āsīta — deve sentar-se; mat — a Mim; paraḥ — a meta última.

Tradução

Deve-se manter o corpo, pescoço e cabeça eretos, conservando-os em linha reta, e deve-se olhar fixamente para a ponta do nariz. Assim, com a mente plácida e subjugada, sem medo, livre por completo da vida sexual, deve-se meditar em Mim dentro do coração e ver a Mim como a meta última da vida.

Comentário

O objetivo da vida é conhecer Kṛṣṇa, que está situado no coração de cada ser vivo como Paramātmā, a forma de Viṣṇu de quatro braços. Pratica-se o processo de yoga para descobrir e ver esta forma localizada de Viṣṇu, e não com alguma outra finalidade. A viṣṇu-mūrti localizada é a representação plenária de Kṛṣṇa que mora em nosso coração. Quem não está se preparando para compreender esta viṣṇu-mūrti ocupa-se inutilmente em yoga simulada e com certeza está perdendo seu tempo. Kṛṣṇa é a meta última da vida, e a viṣṇu-mūrti situada no coração é o objeto da prática de yoga. Para perceber esta viṣṇu-mūrti dentro do coração, é necessário observar completa abstinência da vida sexual; por isso, deve-se deixar o lar e viver sozinho num lugar isolado, permanecendo sentado como se mencionou acima. Ninguém pode desfrutar de vida sexual diariamente em casa ou em outro lugar e participar de uma presumível aula de yoga e dessa maneira tornar-se um yogī. Deve-se praticar o controle da mente e a privação de todas as espécies de gozo dos sentidos, cujo elemento predominante é a vida sexual. Nas regras de celibato escritas pelo grande sábio Yājñavalkya afirma-se:

karmaṇā manasā vācā
sarvāvasthāsu sarvadā
sarvatra maithuna-tyāgo
brahmacaryaṁ pracakṣate

“O voto de brahmacarya presta-se a ajudar alguém a abster-se por completo da vida sexual em atos, palavras e mente — em todas as ocasiões, em todas as circunstâncias e em todos os lugares.” Ninguém pode realizar a correta prática da yoga entregando-se à vida sexual. Por isso, ensina-se brahmacarya desde a infância, quando não se tem conhecimento sobre vida sexual. Com a idade de cinco anos, as crianças são enviadas ao gurukula, ou a casa do mestre espiritual, e o mestre treina os meninos na disciplina severa que fará deles verdadeiros brahmacārīs. Sem essa prática, ninguém pode progredir em nenhuma yoga, seja ela dhyāna, jñāna ou bhakti. Entretanto, aquele que segue as regras e regulações da vida de casado, tendo relações sexuais apenas com sua esposa (e isso também sob regulação), também é chamado brahmacārī. Este chefe de família, que praticamente vive como um brahmacārī controlado, pode ser aceito na escola bhakti, mas as escolas jñāna e dhyāna não admitem nem mesmo tais chefes de família. Elas exigem abstinência completa, e não fazem concessão alguma. Na escola bhakti, o chefe de família em regime de brahmacārī pode ter uma vida sexual controlada porque o culto de bhakti-yoga é tão poderoso que ele perde automaticamente a atração sexual, por se ocupar no superior serviço ao Senhor. No Bhagavad-gītā (2.59), afirma-se:

viṣayā vinivartante
nirāhārasya dehinaḥ
rasa-varjaṁ raso ’py asya
paraṁ dṛṣṭvā nivartate

Os outros são forçados a abster-se do gozo dos sentidos, mas o devoto do Senhor abstém-se automaticamente porque já saboreia um gosto superior. A não ser o devoto, nenhuma outra pessoa conhece esse gosto superior.

Vigata-bhīḥ. Quem não está em plena consciência de Kṛṣṇa não pode ser destemido. A alma condicionada sente medo porque tem memória esvaecida, ou seja, porque se esqueceu de sua eterna relação com Kṛṣṇa. O Bhāgavatam (11.2.37) diz que bhayaṁ dvitīyābhiniveśataḥ syād īśād apetasya viparyayo ’smṛtiḥ. A consciência de Kṛṣṇa é a única base para o destemor. Portanto, a prática perfeita é possível para alguém que é consciente de Kṛṣṇa. E como a meta última da prática de yoga é ver o Senhor dentro de si, quem é consciente de Kṛṣṇa já é o melhor dos yogīs. Os princípios do sistema de yoga mencionados nesta passagem são diferentes daqueles das populares “sociedades de yoga”.

Texto

yuñjann evaṁ sadātmānaṁ
yogī niyata-mānasaḥ
śāntiṁ nirvāṇa-paramāṁ
mat-saṁsthām adhigacchati

Sinônimos

yuñjan — praticando; evam — como se mencionou acima; sadā — constantemente; ātmānam — corpo, mente e alma; yogī — o transcendentalista místico; niyata-mānasaḥ — com a mente regulada; śāntim — paz; nirvāṇa-paramām — cessação da existência material; mat-saṁsthām — o céu espiritual (o reino de Deus); adhigacchati — alcança.

Tradução

Praticando este constante controle do corpo, da mente e das atividades, o transcendentalista místico, com sua mente regulada, alcança o reino de Deus [ou a morada de Kṛṣṇa] através da cessação da existência material.

Comentário

Explica-se aqui com clareza a meta final da prática de yoga. Esta prática não se presta a alcançar alguma espécie de condição material favorável; ela serve para possibilitar a cessação de toda a existência material. Segundo a linha traçada no Bhagavad-gītā, aquele que busca uma melhora na saúde ou aspira à perfeição material não é um yogī. Tampouco a cessação da existência material equivale a entrar no “vazio”, o qual não passa de um mito. Não há vazio em lugar algum dentro da criação do Senhor. Ao contrário, a cessação da existência material capacita-nos a entrar no céu espiritual, a morada do Senhor. O Bhagavad-gītā também descreve de maneira explícita a morada do Senhor como aquele lugar onde não há necessidade de Sol, Lua ou eletricidade. Todos os planetas no reino espiritual são auto-iluminados como o Sol no céu material. O reino de Deus está em toda parte, mas o céu espiritual e seus planetas são chamados paraṁ dhāma, ou moradas superiores.

Um yogī consumado, que compreende o Senhor Kṛṣṇa na íntegra, como está claramente descrito aqui pelo próprio Senhor, (mat-cittaḥ, mat-paraḥ, mat-sthānam), pode atingir a verdadeira paz, e no final alcança Sua morada suprema, Kṛṣṇaloka, conhecida como Goloka Vṛndāvana. O Brahma-saṁhitā (5.37) afirma claramente que goloka eva nivasaty akhilātma-bhūtaḥ: apesar de o Senhor residir sempre em Sua morada chamada Goloka, através de Suas energias espirituais superiores, Ele é o Brahman onipenetrante e também o Paramātmā localizado. Ninguém pode alcançar o céu espiritual (Vaikuṇṭha) ou ingressar na eterna morada do Senhor (Goloka Vṛndāvana) sem a apropriada compreensão acerca de Kṛṣṇa e de Sua expansão plenária Viṣṇu. Portanto, quem trabalha em consciência de Kṛṣṇa é um yogī perfeito, porque sua mente está sempre absorta nas atividades de Kṛṣṇa (sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayoḥ). Nos Vedas também (Śvetāśvatara Upaniṣad 3.8), aprendemos que tam eva viditvāti mṛtyum eti: “Somente compreendendo a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é que alguém pode ultrapassar o caminho de nascimentos e mortes”. Em outras palavras, a perfeição do sistema de yoga é conseguir liberar-se da existência material e não algum ato de mágica ou ginástica para enganar o povo inocente.

Texto

nāty-aśnatas tu yogo ’sti
na caikāntam anaśnataḥ
na cāti-svapna-śīlasya
jāgrato naiva cārjuna

Sinônimos

na — nunca; ati — demais; aśnataḥ — daquele que come; tu — mas; yogaḥ — ligação com o Supremo; asti — há; na — nem; ca — também; ekāntam — excessivamente; anaśnataḥ — abstendo-se de comer; na — nem; ca — também; ati — demais; svapna-śīlasya — daquele que dorme; jāgrataḥ — ou aquele que permanece em vigília demais; na — não; eva — nunca; ca — e; arjuna — ó Arjuna.

Tradução

Não há possibilidade de alguém tornar-se um yogī, ó Arjuna, se comer em demasia ou comer muito pouco, se dormir demais ou se não dormir o bastante.

Comentário

Nesta passagem, recomenda-se aos yogīs que regulem a dieta e o sono. Comer em demasia significa comer mais do que é necessário para manter-se vivo. Os homens não precisam comer animais, porque existe amplo suprimento de grãos, vegetais, frutas e leite. Segundo o Bhagavad-gītā, considera-se que este alimento simples está no modo da bondade. Alimento animal é para aqueles que estão no modo da ignorância. Portanto, aqueles que se entregam ao consumo de produtos animais, de bebida, de fumo e de alimento que não é primeiro oferecido a Kṛṣṇa sofrerão reações pecaminosas por comerem apenas substâncias poluídas. Bhuñjate te tv aghaṁ pāpā ye pacanty ātma-kāraṇāt. Qualquer um que coma para o prazer dos sentidos, ou cozinhe para si mesmo, sem oferecer seu alimento a Kṛṣṇa, come apenas pecado. Quem come pecado ou come mais do que lhe é designado não pode executar yoga perfeita. É melhor que se comam apenas os restos do alimento oferecido a Kṛṣṇa. O devoto consciente de Kṛṣṇa não come nada que não seja oferecido primeiro a Kṛṣṇa. Por isso, somente ele pode atingir a perfeição na prática de yoga. Tampouco pode praticar yoga aquele que artificialmente se abstém de comer, inventando seu próprio processo de jejum. O devoto de Kṛṣṇa observa jejum conforme recomendado nas escrituras. Ele não jejua nem come mais do que o necessário, e assim é competente para executar a prática da yoga. Quem come mais do que é necessário sonha muito enquanto dorme, e conseqüentemente dormirá em excesso. Não se deve dormir mais do que seis horas por dia. Alguém que, nas vinte e quatro horas, dorme mais de seis horas, com certeza está influenciado pelo modo da ignorância. A pessoa no modo da ignorância é preguiçosa e tende a dormir bastante. Tal pessoa não pode executar yoga.

Texto

yuktāhāra-vihārasya
yukta-ceṣṭasya karmasu
yukta-svapnāvabodhasya
yogo bhavati duḥkha-hā

Sinônimos

yukta — regulado; āhāra — comer; vihārasya — recreação; yukta — regulado; ceṣṭasya — daquele que trabalha para a subsistência; karmasu — no cumprimento dos deveres; yukta — regulado; svapna-avabodhasya — sono e vigília; yogaḥ — prática de yoga; bhavati — torna-se; duḥkha- — diminuir as dores.

Tradução

Aquele que é regulado em seus hábitos de comer, dormir, divertir-se e trabalhar pode mitigar todas as dores materiais, praticando o sistema de yoga.

Comentário

A extravagância em matéria de comer, dormir, defender-se e acasalar-se — que são necessidades do corpo — pode impedir o progresso na prática de yoga. Quanto ao ato de comer, ele só pode ser regulado quando se tem o costume de comer ou aceitar prasādam, alimento santificado. Oferecem-se ao Senhor Kṛṣṇa, segundo o Bhagavad-gītā (9.26), vegetais, flores, frutas, cereais, leite, etc. Desse modo, quem está em consciência de Kṛṣṇa fica logo treinado em não aceitar alimento que não sirva para o consumo humano, ou que não esteja na categoria da bondade. Quanto ao sono, o devoto de Kṛṣṇa está sempre alerta no cumprimento de seus deveres na consciência de Kṛṣṇa e por isso considera uma grande perda o tempo gasto em sono desnecessário. Avyartha-kālatvam: quem é consciente de Kṛṣṇa não consegue passar um minuto de sua vida sem se ocupar no serviço do Senhor. Por isso, dormir é mantido a um mínimo. Ele toma como exemplo Śrīla Rūpa Gosvāmī, que vivia ocupado no serviço de Kṛṣṇa e que não podia dormir mais de duas horas por dia, e às vezes nem mesmo isso. µhākura Haridāsa nem mesmo aceitava prasādam ou dormia um momento sequer até terminar sua rotina diária de cantar em suas contas trezentos mil nomes. Com relação ao trabalho, alguém que seja consciente de Kṛṣṇa não faz nada que não esteja ligado ao interesse de Kṛṣṇa, e assim seu trabalho é sempre regulado e não é manchado pela gratificação dos sentidos. Como fica fora de cogitação o prazer dos sentidos, não há lazer material para alguém em consciência de Kṛṣṇa. E porque ele é regulado em todo o seu trabalho, fala, sono, vigília e todas as outras atividades corpóreas, para ele não existe miséria material.

Texto

yadā viniyataṁ cittam
ātmany evāvatiṣṭhate
nispṛhaḥ sarva-kāmebhyo
yukta ity ucyate tadā

Sinônimos

yadā — quando; viniyatam — particularmente disciplinadas; cittam — a mente e suas atividades; ātmani — na transcendência; eva — decerto; avatiṣṭhate — situa-se; nispṛhaḥ — sem desejo; sarva — por todas as espécies de; kāmebhyaḥ — gozo dos sentidos materiais; yuktaḥ — bem situado em yoga; iti — assim; ucyate — diz-se que é; tadā — nesse momento.

Tradução

Quando o yogī, pela prática da yoga, disciplina suas atividades mentais e se situa em transcendência — desprovido de todos os desejos materiais — diz-se que ele está bem estabelecido em yoga.

Comentário

As atividades do yogī distinguem-se daquelas de uma pessoa comum pela maneira característica de ele refrear todas as espécies de desejos materiais — entre os quais se destaca o sexo. O yogī perfeito está tão bem disciplinado nas atividades da mente que já não pode ser perturbado por nenhum tipo de desejo material. Esta fase de perfeição pode ser atingida automaticamente por quem está em consciência de Kṛṣṇa, como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (9.4.18-20):

sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayor
vacāṁsi vaikuṇṭha-guṇānuvarṇane
karau harer mandira-mārjanādiṣu
śrutiṁ cakārācyuta-sat-kathodaye
mukunda-liṅgālaya-darśane dṛśau
tad-bhṛtya-gātra-sparśe ’ṅga-saṅgamam
ghrāṇaṁ ca tat-pāda-saroja-saurabhe
śrīmat-tulasyā rasanāṁ tad-arpite
pādau hareḥ kṣetra-padānusarpaṇe
śiro hṛṣīkeśa-padābhivandane
kāmaṁ ca dāsye na tu kāma-kāmyayā
yathottama-śloka-janāśrayā ratiḥ

“O rei Ambarīṣa antes de tudo ocupou sua mente nos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa; então, ele consecutivamente ocupou suas palavras em descrever as qualidades transcendentais do Senhor; suas mãos em limpar o templo do Senhor; seus ouvidos em ouvir as atividades do Senhor; seus olhos em ver as formas transcendentais do Senhor; seu corpo em tocar os corpos dos devotos; seu sentido olfativo em cheirar os aromas das flores de lótus oferecidas ao Senhor; sua língua em saborear as folhas de tulasī oferecidas aos pés de lótus do Senhor; suas pernas em caminhar aos lugares de peregrinação e ao templo do Senhor; sua cabeça em oferecer reverências ao Senhor; e seus desejos em cumprir a missão do Senhor. Todas essas atividades transcendentais são deveras condizentes com um devoto puro.”

Esta etapa transcendental talvez nem seja mencionada nas opiniões emitidas pelos seguidores do caminho impersonalista, mas se torna muito fácil e prática para alguém em consciência de Kṛṣṇa, como evidência esta descrição das ocupações de Mahārāja Ambarīṣa. Se a mente não se fixa nos pés de lótus do Senhor através da lembrança constante, estas ocupações transcendentais não são práticas. No serviço devocional ao Senhor, portanto, tais atividades prescritas chamam-se arcana, ou ocupar todos os sentidos no serviço ao Senhor. Os sentidos e a mente precisam de ocupação. A simples abnegação não é prática. Portanto, para as pessoas em geral — especialmente para aquelas que não estão na ordem de vida renunciada — a ocupação transcendental dos sentidos e da mente como se descreve acima é o processo perfeito para o sucesso transcendental, que se chama yukta no Bhagavad-gītā.

Texto

yathā dīpo nivāta-stho
neṅgate sopamā smṛtā
yogino yata-cittasya
yuñjato yogam ātmanaḥ

Sinônimos

yathā — como; dīpaḥ — uma lamparina; nivāta-sthaḥ — num lugar sem vento; na — não; iṅgate — tremula; — esta; upamā — comparação; smṛtā — é considerada; yoginaḥ — do yogī; yata-cittasya — cuja mente é controlada; yuñjataḥ — constantemente ocupada; yogam — em meditação; ātmanaḥ — sobre a transcendência.

Tradução

Assim como uma lamparina não tremula num lugar sem vento, do mesmo modo, o transcendentalista, que tem a mente controlada, permanece sempre fixo em sua meditação no Eu transcendental.

Comentário

Quem é verdadeiramente consciente de Kṛṣṇa, sempre absorto na transcendência, sob a meditação constante e não perturbada no seu Senhor adorável, é tão firme como uma lamparina num lugar sem vento.

Texto

yatroparamate cittaṁ
niruddhaṁ yoga-sevayā
yatra caivātmanātmānaṁ
paśyann ātmani tuṣyati
sukham ātyantikaṁ yat tad
buddhi-grāhyam atīndriyam
vetti yatra na caivāyaṁ
sthitaś calati tattvataḥ
yaṁ labdhvā cāparaṁ lābhaṁ
manyate nādhikaṁ tataḥ
yasmin sthito na duḥkhena
guruṇāpi vicālyate
taṁ vidyād duḥkha-saṁyoga-
viyogaṁ yoga-saṁjñitam

Sinônimos

yatra — naquele estado de coisas em que; uparamate — cessam (porque a pessoa sente felicidade transcendental); cittam — atividades mentais; niruddham — restringindo-se da matéria; yoga-sevayā — pela execução de yoga; yatra — em que; ca — também; eva — decerto; ātmanā — através da mente pura; ātmānam — o Eu; paśyan — compreendendo a posição de; ātmani — no Eu; tuṣyati — a pessoa se satisfaz; sukham — felicidade; ātyantikam — suprema; yat — que; tat — essa; buddhi — pela inteligência; grāhyam — acessível; atīndriyam — transcendental; vetti — a pessoa conhece; yatra — onde; na — nunca; ca — também; eva — decerto; ayam — ele; sthitaḥ — situado; calati — move-se; tattvataḥ — da verdade; yam — aquele que; labdhvā — pela obtenção; ca — também; aparam — qualquer outro; lābham — ganho; manyate — considera; na — nunca; adhikam — mais; tataḥ — do que este; yasmin — em que; sthitaḥ — estando situado; na — nunca; duḥkhena — pelas misérias; guruṇā api — embora muito difícil; vicālyate — agita-se; tam — isto; vidyāt — você deve saber; duḥkha-saṁyoga — das misérias do contato material; viyogam — extermínio; yoga-saṁjñitam — chamado transe em yoga.

Tradução

Na etapa de perfeição chamada transe, ou samādhi, a mente abstém-se por completo das atividades mentais materiais pela prática da yoga. Caracteriza esta perfeição o fato de se poder ver o Eu com a mente pura e sentir prazer e regozijo no Eu. Neste estado jubiloso, o yogī situa-se em felicidade transcendental ilimitada, percebida através de sentidos transcendentais. Nesse caso, ele jamais se afasta da verdade, e, ao obter isto, vê que não há ganho maior. Situando-se em tal posição, ele nunca se deixa abalar, mesmo em meio às maiores dificuldades. Esta é a verdadeira maneira de alguém livrar-se de todas as misérias surgidas do contato material.

Comentário

Pela prática de yoga, é possível se desapegar aos poucos dos conceitos materiais. Esta é a característica primária do princípio de yoga. E depois disto, há o transe, ou samādhi, e isto significa que o yogī percebe a Superalma através da mente e da inteligência transcendentais, sem se deixar influenciar por falsas noções que identificam o eu com o Eu Supremo. A prática de yoga é mais ou menos baseada nos princípios do sistema de Patañjali. Alguns comentadores desautorizados tentam identificar a alma individual com a Superalma, e os monistas acham que a liberação consiste nisto, mas não compreendem o verdadeiro propósito do sistema de yoga de Patañjali. No sistema de Patañjali, aceita-se o prazer transcendental, mas os monistas, com medo de pôr em risco a teoria da unidade, não concordam com este prazer transcendental. O não-dualista não admite a dualidade de conhecimento e conhecedor, mas neste verso aceita-se o prazer transcendental — percebido através de sentidos transcendentais. E isto é corroborado pelo próprio Patañjali Muni, o famoso representante do sistema de yoga. Em seus Yoga-sūtras (4.34), o grande sábio declara: puruṣārtha-śūnyānāṁ guṇānāṁ pratiprasavaḥ kaivalyaṁ svarūpa-pratiṣṭhā vā citi-śaktir iti.

Esta citi-śakti, ou potência interna, é transcendental. Puruṣārtha significa a religiosidade material, o desenvolvimento econômico, o gozo dos sentidos e, por fim, a tentativa de tornar-se uno com o Supremo. Esta “unidade com o Supremo” é chamada kaivalyam pelos monistas. Mas segundo Patañjali, esta kaivalyam é uma potência interna, ou transcendental, pela qual a entidade viva passa a notar sua posição constitucional. Nas palavras do Senhor Caitanya, este estado de coisas chama-se ceto-darpaṇa-mārjanam, ou limpeza do espelho impuro da mente. Esta “limpeza” é de fato a liberação, ou bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇam. A teoria do nirvāṇa — também preliminar — corresponde a este princípio. No Bhāgavatam (2.10.6) isto se chama svarūpeṇa vyavasthitiḥ. Neste verso, o Bhagavad-gītā também confirma esta situação.

Depois de nirvāṇa, ou cessação material, há a manifestação de atividades espirituais, ou serviço devocional ao Senhor, conhecido como consciência de Kṛṣṇa. Nas palavras do Bhāgavatam, svarūpeṇa vyavasthitiḥ: esta é a “verdadeira vida da entidade viva”. Māyā, ou ilusão, é uma condição em que a vida espiritual sofre os efeitos da infecção material. Liberar-se desta infecção material não significa destruir a posição original e eterna da entidade viva. Com suas palavras kaivalyaṁ svarūpa-pratiṣṭhā vā citi-śaktir iti, Patañjali também aceita isto. Esta citi-śakti, ou prazer transcendental, é a verdadeira vida. Confirma-se isto no Vedānta-sūtra (1.1.12) como ānanda-mayo ’bhyāsāt. Este prazer transcendental natural é a meta última da yoga e se alcança facilmente pela execução do serviço devocional, ou bhakti-yoga. A bhakti-yoga será vividamente descrita no Sétimo Capítulo do Bhagavad-gītā.

No sistema de yoga, conforme se descreve neste capítulo, há duas espécies de samādhi, chamadas samprajñāta-samādhi e asamprajñāta-samādhi. Quando alguém se situa numa posição transcendental, por meio de várias investigações filosóficas, diz-se que alcançou samprajñāta-samādhi. No asamprajñāta-samādhi, não há mais ligação alguma com o prazer mundano, pois a pessoa é então transcendental a toda espécie de felicidade derivada dos sentidos. Uma vez situado nessa posição transcendental, o yogī jamais se afasta dela. Enquanto não conseguir alcançar esta posição, o yogī estará mal-sucedido. A prática simulada da yoga de hoje em dia, que envolve vários prazeres dos sentidos, é contraditória. Um yogī que se entrega ao sexo e à intoxicação é uma farsa. Nem mesmo aqueles yogīs que se sentem atraídos pelas siddhis (perfeições) do processo de yoga estão numa situação perfeita. Se os yogīs são atraídos pelos subprodutos da yoga, então, não podem alcançar a fase de perfeição, como se declara neste verso. Portanto, aqueles que se entregam à prática exibicionista de ginásticas ou siddhis devem saber que dessa maneira perde-se o objetivo da yoga.

Nesta era, a melhor prática de yoga é a consciência de Kṛṣṇa, pois não é fraudulenta. Um devoto consciente de Kṛṣṇa está tão feliz em sua ocupação que não aspira a nenhuma outra felicidade. Especialmente nesta era de hipocrisia, existem muitos impedimentos à prática de haṭha-yoga, dhyāna-yoga e jñāna-yoga, mas não há problemas na execução de karma-yoga ou bhakti-yoga.

Enquanto se tem um corpo material, faz-se necessário atender às exigências do corpo, a saber, comer, dormir, defender-se e acasalar-se. Mas quem está em bhakti-yoga pura, ou em consciência de Kṛṣṇa, não instiga os sentidos enquanto atende às exigências do corpo. Ao contrário, ele aceita as necessidades básicas da vida, tirando o melhor proveito de um mau negócio, e goza felicidade transcendental em consciência de Kṛṣṇa. Ele não se deixa afetar por incidentes ocasionais — tais como acidentes, doenças, penúria, e até mesmo a morte de um ente muito querido — mas está sempre alerta para executar seus deveres em consciência de Kṛṣṇa, ou bhakti-yoga. Os acidentes nunca o desviam de seu dever. Como se afirma no Bhagavad-gītā (2.14): āgamāpāyino ’nityās tāṁs titikṣasva bhārata. Ele suporta todas essas ocorrências incidentais porque sabe que elas vêm e vão e não afetam seus deveres. Desse modo, ele consegue a mais alta perfeição na prática de yoga.

Texto

sa niścayena yoktavyo
yogo ’nirviṇṇa-cetasā
saṅkalpa-prabhavān kāmāṁs
tyaktvā sarvān aśeṣataḥ
manasaivendriya-grāmaṁ
viniyamya samantataḥ

Sinônimos

saḥ — este; niścayena — com firme determinação; yoktavyaḥ — deve ser praticado; yogaḥ — sistema de yoga; anirviṇṇa-cetasā — sem desvio; saṅkalpa — especulações mentais; prabhavān — nascidos de; kāmān — desejos materiais; tyaktvā — abandonando; sarvān — todos; aśeṣataḥ — por completo; manasā — pela mente; eva — decerto; indriya-grāmam — o conjunto completo dos sentidos; viniyamya — regulando; samantataḥ — de todos os lados.

Tradução

É necessário ocupar-se na prática de yoga com fé e determinação, e não se desviar do caminho. Deve-se, sem exceção, abandonar todos os desejos materiais nascidos da especulação mental, e desse modo controlar todos os sentidos por todos os lados, através da mente.

Comentário

O praticante de yoga deve ser determinado e, sem desviar-se, deve pacientemente prosseguir na sua prática. Ele deve estar seguro do sucesso final e seguir este curso com muita perseverança, não se desencorajando se houver alguma demora em atingir o sucesso. O sucesso é garantido para o praticante que persevera. Com relação à bhakti-yoga, Rūpa Gosvāmī diz:

utsāhān niścayād dhairyāt
tat-tat-karma-pravartanāt
saṅga-tyāgāt sato vṛtteḥ
ṣaḍbhir bhaktiḥ prasidhyati

“Com muito entusiasmo, perseverança e determinação, pode-se executar com êxito o processo de bhakti-yoga, seguindo os deveres prescritos na associação de devotos, e ocupando-se por completo em atividades caracterizadas pela bondade.” (Upadeśāmṛta 3)

Quanto à determinação, deve-se seguir o exemplo da pardoca que perdeu seus ovos nas ondas do oceano. Uma pardoca pôs seus ovos na praia, mas o grande oceano carregou os ovos em suas ondas. A pardoca ficou muito transtornada e pediu ao oceano que lhe devolvesse os ovos. O oceano nem mesmo levou em consideração o seu apelo. Então, a pardoca decidiu secar o oceano. Ela começou a pegar a água em seu pequeno bico, e todos riram de sua determinação impossível. Espalhou-se a notícia de sua atividade, até chegar aos ouvidos de Garuḍa, o gigantesco pássaro transportador do Senhor Viṣṇu. Ele se compadeceu de sua irmãzinha, e por isso ele foi ver a pardoca. Garuḍa ficou muito satisfeito com a determinação da pequena pardoca e prometeu ajudar. Então, Garuḍa imediatamente pediu ao oceano que devolvesse os ovos dela, senão ele pessoalmente assumiria a tarefa da pardoca. O oceano assustou-se com isso e devolveu os ovos. Assim, pela graça de Garuḍa, a pardoca ficou feliz.

Igualmente, praticar yoga, em especial a bhakti-yoga em consciência de Kṛṣṇa, pode parecer uma tarefa muito difícil. Mas seguindo-se os princípios com muita determinação, o Senhor certamente ajudará, pois Deus ajuda a quem se ajuda.

Texto

śanaiḥ śanair uparamed
buddhyā dhṛti-gṛhītayā
ātma-saṁsthaṁ manaḥ kṛtvā
na kiñcid api cintayet

Sinônimos

śanaiḥ — gradualmente; śanair — passo a passo; uparamet — deve-se conter; buddhyā — pela inteligência; dhṛti-gṛhītayā — levado pela convicção; ātma-saṁstham — colocado em transcendência; manaḥ — mente; kṛtvā — fazendo; na — não; kiñcit — nenhuma outra coisa; api — mesmo; cintayet — deve pensar em.

Tradução

Aos poucos, passo a passo, o yogī deve se situar em transe por meio da inteligência alimentada pela convicção plena, e assim a mente deve fixar-se no Eu apenas e não deve pensar em mais nada.

Comentário

Por meio de convicção e inteligência apropriadas, deve-se aos poucos cessar as atividades dos sentidos. Isto se chama pratyāhāra. A mente, sendo controlada pela convicção, meditação e cessação dos sentidos, deve situar-se em transe, ou samādhi. Nessa altura, o yogī já não corre nenhum risco de ocupar-se na concepção de vida material. Em outras palavras, embora se envolva com a matéria enquanto tiver um corpo material, ele não deve pensar em gozo dos sentidos. Não se deve pensar em nenhum prazer diferente do prazer do Eu Supremo. Alcança-se facilmente este estado pela prática direta da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

yato yato niścalati
manaś cañcalam asthiram
tatas tato niyamyaitad
ātmany eva vaśaṁ nayet

Sinônimos

yataḥ yataḥ — onde quer que; niścalati — torna-se muito agitada; manaḥ — a mente; cañcalam — inconstante; asthiram — instável; tataḥ tataḥ — de lá; niyamya — regulando; etat — esta; ātmani — no Eu; eva — decerto; vaśam — controle; nayet — deve colocar sob.

Tradução

Sempre que a mente divague devido à sua natureza instável e inconstante, deve-se com certeza coibi-la e trazê-la sob o controle do Eu.

Comentário

Por natureza, a mente é inconstante e instável. Mas o yogī auto-realizado tem que controlar a mente; a mente não deve controlá-lo. Quem controla a mente (e portanto os sentidos também) chama-se gosvāmī, ou svāmī, e quem é controlado pela mente chama-se go-dāsa, ou servo dos sentidos. Um gosvāmī conhece o critério da felicidade dos sentidos. Na felicidade transcendental dos sentidos, os sentidos ocupam-se a serviço de Hṛṣīkeśa, ou o supremo proprietário dos sentidos — Kṛṣṇa. Servir a Kṛṣṇa com sentidos purificados chama-se consciência de Kṛṣṇa. Esta é a maneira de deixar os sentidos completamente sob controle. Aliás, esta é a mais elevada perfeição da prática de yoga.

Texto

praśānta-manasaṁ hy enaṁ
yoginaṁ sukham uttamam
upaiti śānta-rajasaṁ
brahma-bhūtam akalmaṣam

Sinônimos

praśānta — pacífica, fixa nos pés de lótus de Kṛṣṇa; manasam — cuja mente; hi — decerto; enam — este; yoginam — o yogī; sukham — felicidade; uttamam — a mais elevada; upaiti — obtém; śānta-rajasam — sua paixão aquietada; brahma-bhūtam — liberação pela identificação com o Absoluto; akalmaṣam — libertado de todas as reações pecaminosas passadas.

Tradução

O yogī que tem a mente fixa em Mim alcança com certeza a mais elevada perfeição da felicidade transcendental. Ele está além do modo da paixão, percebe sua identidade qualitativa com o Supremo, e assim livra-se de todas as reações de seus atos passados.

Comentário

Brahma-bhūta é o estado em que se está livre da contaminação material e situado no serviço transcendental ao Senhor. Mad-bhaktiṁ labhate parām (Bg. 18.54). Ninguém pode permanecer na qualidade de Brahman, o Absoluto, enquanto a mente não se fixar nos pés de lótus do Senhor. Sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayoḥ. Ocupar-se sempre no serviço transcendental amoroso ao Senhor, ou permanecer em consciência de Kṛṣṇa, é estar realmente liberado do modo da paixão e de toda a contaminação material.

Texto

yuñjann evaṁ sadātmānaṁ
yogī vigata-kalmaṣaḥ
sukhena brahma-saṁsparśam
atyantaṁ sukham aśnute

Sinônimos

yuñjan — ocupando-se na prática de yoga; evam — assim; sadā — sempre; ātmānam — o eu; yogī — aquele que está em contato com o Eu Supremo; vigata — libertado de; kalmaṣaḥ — toda a contaminação material; sukhena — em felicidade transcendental; brahma-saṁsparśam — estando em contato constante com o Supremo; atyantam — a mais elevada; sukham — felicidade; aśnute — alcança.

Tradução

Assim, o yogī autocontrolado, constantemente ocupado na prática de yoga, livra-se de toda a contaminação material e alcança a etapa mais elevada — a felicidade perfeita no serviço transcendental amoroso do Senhor.

Comentário

Auto-realização significa conhecer a própria posição constitucional em relação ao Supremo. A alma individual é parte integrante do Supremo, e sua posição é prestar ao Senhor serviço transcendental. Este contato transcendental com o Supremo chama-se brahma-saṁsparśa.

Texto

sarva-bhūta-stham ātmānaṁ
sarva-bhūtāni cātmani
īkṣate yoga-yuktātmā
sarvatra sama-darśanaḥ

Sinônimos

sarva-bhūta-stham — situada em todos os seres; ātmānam — a Superalma; sarva — todas; bhūtāni — entidades; ca — também; ātmani — no Eu; īkṣate — vê; yoga-yukta-ātmā — aquele que está harmonizado com a consciência de Kṛṣṇa; sarvatra — em toda parte; sama-darśanaḥ — vendo com igualdade.

Tradução

O verdadeiro yogī Me observa em todos os seres e também vê todos os seres em Mim. De fato, a pessoa auto-realizada vê a Mim, o mesmíssimo Senhor Supremo, em toda a parte.

Comentário

Um yogī consciente de Kṛṣṇa enxerga com perfeição porque vê Kṛṣṇa, o Supremo, situado no coração de todos como a Superalma (Paramātmā). Īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati. Sob Seu aspecto Paramātmā, o Senhor está situado dentro do coração do cachorro e do brāhmaṇa. O yogī perfeito sabe que o Senhor é eternamente transcendental e não é afetado materialmente por Sua presença, quer num cachorro, quer num brāhmaṇa. Esta é a neutralidade suprema do Senhor. A alma individual também está situada no coração individual, mas não está presente em todos os corações. Esta é a diferença entre a alma individual e a Superalma. Alguém que não está de fato praticando yoga não pode ver com tanta clareza. Quem é consciente de Kṛṣṇa pode ver Kṛṣṇa no coração do crente e do descrente. O smṛti dá a seguinte confirmação disto: ātatatvāc ca mātṛtvāc ca ātmā hi paramo hariḥ. O Senhor, sendo a fonte de todos os seres, é como uma mãe ou o mantenedor. Assim como a mãe é neutra para com todas as crianças, o pai (ou mãe) supremo também age assim. Por conseguinte, a Superalma está em cada um dos seres vivos.

Externamente, também, cada ser vivo está situado na energia do Senhor. Como se explicará no Sétimo Capítulo, o Senhor tem primariamente duas energias — a espiritual (ou superior) e a material (ou inferior). A entidade viva, embora parte da energia superior, é condicionada à energia inferior; a entidade viva está sempre na energia do Senhor. Cada entidade viva está situada nEle de uma maneira ou de outra.

O yogī vê com igualdade porque vê que todas as entidades vivas, embora em diferentes situações conforme os resultados do trabalho fruitivo, permanecem servas do Senhor sob todas as circunstâncias. Enquanto está na energia material, a entidade viva serve os sentidos materiais; e ao passar para a energia espiritual, ela presta ao Senhor Supremo serviço direto. Em ambos os casos, a entidade viva é serva do Senhor. Esta visão de igualdade condiz perfeitamente com uma pessoa em consciência de Kṛṣṇa.

Texto

yo māṁ paśyati sarvatra
sarvaṁ ca mayi paśyati
tasyāhaṁ na praṇaśyāmi
sa ca me na praṇaśyati

Sinônimos

yaḥ — quem quer que; mām — a Mim; paśyati — vê; sarvatra — em toda parte; sarvam — tudo; ca — e; mayi — em Mim; paśyati — vê; tasya — para ele; aham — Eu; na — não; praṇaśyāmi — estou perdido; saḥ — ele; ca — também; me — para Mim; na — nem; praṇaśyati — está perdido.

Tradução

Para aquele que Me vê em toda a parte e vê tudo em Mim, Eu nunca estou perdido, nem ele estará jamais perdido para Mim.

Comentário

Quem está em consciência de Kṛṣṇa decerto vê o Senhor Kṛṣṇa em toda a parte, e vê tudo em Kṛṣṇa. Talvez se tenha a impressão de que ele vê todas as diversas manifestações da natureza material, mas em todo e qualquer caso, por ser consciente de Kṛṣṇa, ele sabe que tudo é uma manifestação da energia de Kṛṣṇa. Nada pode existir sem Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa é o Senhor de tudo. Este é o princípio básico da consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é o desenvolvimento do amor a Kṛṣṇa — uma posição transcendental até mesmo à liberação material. Nesta etapa da consciência de Kṛṣṇa, que ultrapassa a auto-realização, o devoto torna-se uno com Kṛṣṇa no sentido de que Kṛṣṇa torna-Se tudo para o devoto e o devoto torna-se pleno porque ama Kṛṣṇa. Existe então um relacionamento íntimo entre o Senhor e o devoto. Nesta fase, a entidade viva nunca pode ser aniquilada, nem a Personalidade de Deus jamais fica fora do campo visual do devoto. Fundir-se em Kṛṣṇa é suicídio espiritual. Um devoto não corre esse risco. Afirma-se no Brahma-saṁhitā (5.38):

premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena
santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti
yaṁ śyāmasundaram acintya-guṇa-svarūpaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, que é sempre visto pelo devoto cujos olhos estão untados com a polpa do amor. Ele é visto em Sua forma eterna de Śyāmasundara, situado no coração do devoto.”

Nesta fase, o Senhor Kṛṣṇa nunca desaparece da vista do devoto, tampouco o devoto jamais perde o Senhor de vista. O mesmo se aplica ao yogī que vê o Senhor como o Paramātmā dentro do coração. Esse yogī torna-se um devoto puro e não suporta viver um momento sem ver o Senhor dentro de si.

Texto

sarva-bhūta-sthitaṁ yo māṁ
bhajaty ekatvam āsthitaḥ
sarvathā vartamāno ’pi
sa yogī mayi vartate

Sinônimos

sarva-bhūta-sthitam — situado no coração de todos; yaḥ — aquele que; mām — a Mim; bhajati — serve em serviço devocional; ekatvam — em unidade; āsthitaḥ — situado; sarvathā — em todos os aspectos; vartamānaḥ — estando situado; api — apesar de; saḥ — ele; yogī — o transcendentalista; mayi — em Mim; vartate — permanece.

Tradução

Tal yogī que se ocupa no serviço de adoração à Superalma, sabendo que Eu e a Superalma somos um, sempre permanece em Mim em todas as circunstâncias.

Comentário

O yogī que pratica a meditação na Superalma vê dentro de si a porção plenária de Kṛṣṇa como Viṣṇu — com quatro mãos, segurando o búzio, disco, maça e flor de lótus. O yogī deve saber que Viṣṇu não é diferente de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa, nesta forma da Superalma, está situado no coração de todos. Ademais, não há diferença entre as inúmeras Superalmas presentes nos inúmeros corações das entidades vivas. Nem existe diferença entre alguém consciente de Kṛṣṇa sempre ocupado no serviço transcendental amoroso a Kṛṣṇa e um yogī perfeito ocupado em meditar na Superalma. O yogī em consciência de Kṛṣṇa — embora possa ocupar-se em várias atividades enquanto está na existência material — sempre permanece situado em Kṛṣṇa. Isto é confirmado no Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.2.187) de Śrīla Rūpa Gosvāmī: nikhilāsv apy avasthāsu jīvan-muktaḥ sa ucyate. O devoto do Senhor, sempre agindo em consciência de Kṛṣṇa, está automaticamente liberado. No Nārada-pañcarātra confirma-se isto da seguinte maneira:

dik-kālādy-anavacchinne
kṛṣṇe ceto vidhāya ca
tan-mayo bhavati kṣipraṁ
jīvo brahmaṇi yojayet

“Concentrando-se a atenção na forma transcendental de Kṛṣṇa, que é onipenetrante e está além do tempo e do espaço, a pessoa fica absorta em pensar em Kṛṣṇa e então alcança o estado feliz no qual desenvolve associação transcendental com Ele.”

A consciência de Kṛṣṇa é a etapa mais elevada do transe na prática de yoga. Esta mesma compreensão de que, como Paramātmā, Kṛṣṇa está presente no coração de todos, torna o yogī imaculado. Os Vedas (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.21) dão a seguinte confirmação desta potência inconcebível do Senhor: eko ’pi san bahudhā yo ’vabhāti. “Embora seja um, o Senhor, como se fosse muitos, está presente em inúmeros corações.” Igualmente, afirma-se no smṛti-śāstra:

eka eva paro viṣṇuḥ
sarva-vyāpī na saṁśayaḥ
aiśvaryād rūpam ekaṁ ca
sūrya-vat bahudheyate

“Viṣṇu é um só, e ainda assim Ele é certamente onipenetrante. Através de Sua potência inconcebível, apesar de Sua forma única, Ele está presente em toda parte, assim como o Sol aparece em muitos lugares ao mesmo tempo.”

Texto

ātmaupamyena sarvatra
samaṁ paśyati yo ’rjuna
sukhaṁ vā yadi vā duḥkhaṁ
sa yogī paramo mataḥ

Sinônimos

ātma — com seu eu; aupamyena — em comparação; sarvatra — em toda parte; samam — com igualdade; paśyati — vê; yaḥ — aquele que; arjuna — ó Arjuna; sukham — felicidade; — ou; yadi — se; — ou; duḥkham — infelicidade; saḥ — tal; yogī — transcendentalista; paramaḥ — perfeito; mataḥ — é considerado.

Tradução

O yogī perfeito é aquele que, através da comparação com o seu próprio eu, vê a verdadeira igualdade de todos os seres, quer se sintam felizes quer infelizes, ó Arjuna!

Comentário

Quem é consciente de Kṛṣṇa é um yogī perfeito; por meio de sua própria experiência pessoal, ele conhece a felicidade e a aflição de todos. O ser vivo sofre porque se esqueceu da relação existente entre ele e Deus. E ele passa a ser feliz quando conhece Kṛṣṇa como o desfrutador supremo de todas as atividades do ser humano, o proprietário de todas as terras e planetas, e o amigo mais sincero de todas as entidades vivas. O yogī perfeito sabe que a entidade viva condicionada aos modos da natureza material sujeita-se às três classes de misérias materiais porque se esqueceu da relação que existe entre ela e Kṛṣṇa. E porque é feliz, o devoto consciente de Kṛṣṇa tenta distribuir em toda parte o conhecimento acerca de Kṛṣṇa. Como o yogī perfeito tenta difundir a importância de tornar-se consciente de Kṛṣṇa, ele é o melhor filantropo do mundo, e é o servo mais querido do Senhor. Na ca tasmān manuṣyeṣu kaścin me priya-kṛttamaḥ (Bg. 18.69). Em outras palavras, o devoto do Senhor sempre cuida do bem-estar de todas as entidades vivas, e dessa maneira ele de fato é o amigo de todos. Ele é o melhor yogī porque, ao desejar aperfeiçoamento na yoga, não pensa no benefício pessoal, mas busca ajudar os outros. Ele não inveja seus semelhantes, as entidades vivas. Este é o contraste entre um devoto puro do Senhor e um yogī interessado apenas em sua elevação pessoal. O yogī que se retirou para um lugar isolado a fim de meditar perfeitamente, talvez não seja tão completo como um devoto que está envidando todos os esforços para mostrar a cada homem a consciência de Kṛṣṇa.

Texto

arjuna uvāca
yo ’yaṁ yogas tvayā proktaḥ
sāmyena madhusūdana
etasyāhaṁ na paśyāmi
cañcalatvāt sthitiṁ sthirām

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; yaḥ ayam — este sistema; yogaḥ — misticismo; tvayā — por Você; proktaḥ — descrito; sāmyena — geralmente; madhusūdana — ó matador do demônio Madhu; etasya — deste; aham — eu; na — não; paśyāmi — vejo; cañcalatvāt — por ser inquieta; sthitim — situação; sthirām — estável.

Tradução

Arjuna disse: Ó Madhusūdana, o sistema de yoga que Você resumiu parece-me inviável e impraticável, pois a mente é inquieta e instável.

Comentário

Arjuna, sentindo-se incapaz, rejeita aqui o sistema de misticismo que, utilizando inicialmente as palavras śucau deśe e no final yogī paramaḥ, o Senhor Kṛṣṇa descreve para ele. Nesta era de Kali, não é possível que um homem comum deixe o lar e vá às montanhas ou florestas para praticar yoga num lugar isolado. Na era atual, as pessoas, embora vivam por pouco tempo, empreendem uma amarga luta pela sobrevivência. Se as pessoas não levam a sério a auto-realização através de meios simples e práticos, que se dizer então de elas adotarem este difícil sistema de yoga, que regula o modo de vida, a maneira de sentar, a escolha de um lugar e o desapego da mente das ocupações materiais? Como homem prático, Arjuna pensava que seria impossível seguir este sistema de yoga, embora contasse com diversas condições favoráveis. Ele pertencia à família real e era muito elevado em termos de numerosas qualidades; era um grande guerreiro, podia viver muito e, acima de tudo, era o amigo mais íntimo do Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Cinco mil anos atrás, Arjuna tinha condições mais propícias do que nós temos agora, entretanto, ele se recusou a aceitar este sistema de yoga. De fato, não há registro algum na história, de que ele tenha praticado alguma vez este sistema de yoga. Portanto, de um modo geral, este sistema deve ser considerado impossível nesta era de Kali. É claro que ele talvez seja possível para alguns raríssimos homens, mas para as pessoas em geral, é um empreendimento impossível. Se isto vigorava há cinco mil anos, então que dizer dos dias atuais? Aqueles que, em diferentes escolas e sociedades, estão imitando este sistema de yoga, embora aparentem satisfação, estão com certeza perdendo seu tempo. Eles têm completa ignorância da meta desejada.

Texto

cañcalaṁ hi manaḥ kṛṣṇa
pramāthi balavad dṛḍham
tasyāhaṁ nigrahaṁ manye
vāyor iva su-duṣkaram

Sinônimos

cañcalam — flutuante; hi — decerto; manaḥ — mente; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; pramāthi — turbulenta; bala-vat — forte; dṛḍham — obstinada; tasya — seu; aham — eu; nigraham — o domínio; manye — penso; vāyoḥ — do vento; iva — como; su-duṣkaram — difícil.

Tradução

A mente é inquieta, turbulenta, obstinada e muito forte, ó Kṛṣṇa, parece-me que subjugá-la é mais difícil do que controlar o vento.

Comentário

A mente é tão forte e obstinada que, às vezes, supera a inteligência, embora o que se espera é que a mente seja subserviente à inteligência. Para um homem que vive o cotidiano e que tem de combater tantos elementos opositores, decerto é muito difícil controlar a mente. Valendo-se de artifícios, talvez a pessoa estabeleça mentalmente uma relação equilibrada com amigos e inimigos, mas em última análise homem nenhum no mundo pode agir assim, pois isto é mais difícil do que controlar o vento tempestuoso. Na literatura védica (Kaṭha Upaniṣad 1.3.3-4), afirma-se:

ātmānaṁ rathinaṁ viddhi
śarīraṁ ratham eva ca
buddhiṁ tu sārathiṁ viddhi
manaḥ pragraham eva ca
indriyāṇi hayān āhur
viṣayāṁs teṣu gocarān
ātmendriya-mano-yuktaṁ
bhoktety āhur manīṣiṇaḥ

“O indivíduo é o passageiro no carro do corpo material, e a inteligência é o condutor. A mente é o instrumento de direção, e os sentidos são os cavalos. Dessa forma, o eu goza ou sofre na associação com a mente e os sentidos. Esta idéia é defendida pelos grandes pensadores.” Supõe-se que a inteligência dirija a mente, mas a mente é tão forte e obstinada que muitas vezes domina até mesmo a própria inteligência da pessoa, assim como uma infecção aguda pode superar a eficácia do remédio. Presume-se que tal mente forte seja controlada pela prática de yoga, mas tal prática nunca é viável para uma pessoa que, como Arjuna, tem de enfrentar o mundo. E que se pode dizer do homem moderno? A analogia usada aqui é apropriada: ninguém pode capturar a ventania. E é ainda mais difícil capturar a mente turbulenta. A maneira mais fácil de controlar a mente, como o Senhor Caitanya sugeriu, é cantar com toda a humildade “Hare Kṛṣṇa”, o grande mantra da libertação. O método prescrito é sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayoḥ: deve-se ocupar a mente por completo em Kṛṣṇa. Só então não restarão outras ocupações para agitar a mente.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
asaṁśayaṁ mahā-bāho
mano durnigrahaṁ calam
abhyāsena tu kaunteya
vairāgyeṇa ca gṛhyate

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Personalidade de Deus disse; asaṁśayam — sem dúvida; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; manaḥ — a mente; durnigraham — difícil de refrear; calam — flutuante; abhyāsena — pela prática; tu — mas; kaunteya — ó filho de Kuntī; vairāgyeṇa — pelo desapego; ca — também; gṛhyate — pode ser controlada assim.

Tradução

O Senhor Śrī Kṛṣṇa disse: Ó poderosíssimo filho de Kuntī, é sem dúvida muito difícil refrear a mente inquieta, mas isso é possível pela prática adequada e pelo desapego.

Comentário

A Personalidade de Deus admite aqui a dificuldade de controlar a mente obstinada, conforme expresso por Arjuna. Porém Ele ao mesmo tempo sugere que através da prática e do desapego, isso será possível. Qual é esta prática? Na era atual, ninguém pode seguir as regras e regulações estritas segundo as quais deve-se refugiar num lugar sagrado, focalizar a mente na Superalma, refrear os sentidos e a mente, observar celibato, ficar sozinho, etc. Entretanto, pela prática da consciência de Kṛṣṇa, podemos nos ocupar em nove tipos de serviço devocional ao Senhor. A primeira e mais importante destas ocupações devocionais é ouvir sobre Kṛṣṇa. Este é um poderosíssimo método transcendental que elimina da mente todas as dúvidas. Quanto mais ouvimos sobre Kṛṣṇa, mais nos iluminamos e nos desapegamos de tudo o que afasta a mente de Kṛṣṇa. Impedindo que a mente se interesse por atividades não devotadas ao Senhor, é muito fácil aprender vairāgya. Vairāgya significa desapegar-se da matéria e ocupar a mente no espírito. O desapego espiritual impessoal é mais difícil do que fazer a mente se apegar às atividades de Kṛṣṇa. Isto é prático porque, ouvindo sobre Kṛṣṇa, logo nos apegamos ao Espírito Supremo. Este apego chama-se pareśānubhava, satisfação espiritual. É exatamente como o sentimento de satisfação que um homem faminto experimenta a cada bocado de alimento que come. Quanto mais come quando tem fome, mais ele sente satisfação e força. De modo semelhante, pela execução do serviço devocional sentimos satisfação transcendental crescente, à medida que a mente se desapega dos objetivos materiais. É como curar uma doença por meio de tratamento hábil e dieta adequada. Ouvir sobre as atividades transcendentais do Senhor Kṛṣṇa é, portanto, um tratamento eficaz para a mente desvairada, e comer o alimento oferecido a Kṛṣṇa é a dieta apropriada para o paciente. Este tratamento é o processo da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

asaṁyatātmanā yogo
duṣprāpa iti me matiḥ
vaśyātmanā tu yatatā
śakyo ’vāptum upāyataḥ

Sinônimos

asaṁyata — desenfreada; ātmanā — pela mente; yogaḥ — auto-realização; duṣprāpaḥ — difícil de obter; iti — assim; me — Minha; matiḥ — opinião; vaśya — controlada; ātmanā — pela mente; tu — mas; yatatā — enquanto se esforça; śakyaḥ — prática; avāptum — para conseguir; upāyataḥ — pelos meios apropriados.

Tradução

Para alguém cuja mente é desenfreada, a auto-realização é tarefa difícil. Mas aquele cuja mente é controlada e que se empenha com meios apropriados com certeza terá sucesso. Esta é a Minha opinião.

Comentário

A Suprema Personalidade de Deus declara que aquele que não aceita o tratamento adequado para que a mente afaste-se da ocupação material terá muita dificuldade em obter sucesso na auto-realização. Quem tenta praticar yoga enquanto ocupa a mente no prazer material é como alguém que tenta acender uma fogueira enquanto joga água nela. A prática de yoga sem controle da mente é perda de tempo. Esta exibição de yoga talvez dê algum lucro material, mas é inútil no que tange à realização espiritual. Portanto, deve-se controlar a mente ocupando-a sempre no serviço transcendental amoroso do Senhor. Quem não se ocupa em consciência de Kṛṣṇa não pode controlar a mente com firmeza. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa facilmente consegue o resultado da prática de yoga sem que, para isso, precise dedicar-se a algum outro empreendimento, mas um praticante de yoga não pode obter sucesso sem tornar-se consciente de Kṛṣṇa.

Texto

arjuna uvāca
ayatiḥ śraddhayopeto
yogāc calita-mānasaḥ
aprāpya yoga-saṁsiddhiṁ
kāṁ gatiṁ kṛṣṇa gacchati

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; ayatiḥ — o transcendentalista malogrado; śraddhayā — com fé; upetaḥ — ocupado; yogāt — do vínculo místico; calita — desviado; mānasaḥ — que tem tal mente; aprāpya — deixando de alcançar; yoga-saṁsiddhim — a mais elevada perfeição em misticismo; kām — que; gatim — destino; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; gacchati — alcança.

Tradução

Arjuna disse: Ó Kṛṣṇa, qual é o destino do transcendentalista malogrado, que no começo adota com fé o processo da auto-realização, mas que mais tarde desiste devido à mentalidade mundana e desse modo acaba não alcançando a perfeição no misticismo?

Comentário

O caminho da auto-realização ou do misticismo é descrito no Bhagavad-gītā. O princípio básico da auto-realização é o conhecimento de que a entidade viva não é este corpo material, mas é diferente dele, e sua felicidade está ligada à vida eterna, à bem-aventurança e ao conhecimento, que são transcendentais, acima do corpo e da mente. Busca-se a auto-realização por meio do caminho do conhecimento, por meio da prática do sistema óctuplo ou por meio da bhakti-yoga. Em cada um destes processos, deve-se passar a entender a posição constitucional da entidade viva, sua relação com Deus e as atividades pelas quais ela pode restabelecer o vínculo perdido e alcançar a fase mais elevada de perfeição, a consciência de Kṛṣṇa. Seguindo qualquer um dos três métodos mencionados acima, a pessoa pode ter a certeza de que mais cedo ou mais tarde acabará alcançando a meta suprema. Isto foi afirmado pelo Senhor no Segundo Capítulo: mesmo um pequeno esforço no caminho transcendental oferece grande esperança de liberação. Destes três métodos, o caminho da bhakti-yoga é especialmente conveniente para esta era porque é o método mais direto de alguém entender Deus. Para assegurar-se ainda mais, Arjuna está pedindo ao Senhor Kṛṣṇa que confirme Sua declaração anterior. Talvez alguém seja sincero em aceitar o caminho da auto-realização, mas o processo do cultivo de conhecimento e a prática do sistema óctuplo de yoga de um modo geral são muito difíceis para esta era. Portanto, apesar do esforço constante, pode-se fracassar por vária razões. Primeiramente, talvez a pessoa não leve muito a sério o seguir o processo. Trilhar o caminho transcendental é como declarar guerra à energia ilusória. Em conseqüência, sempre que a pessoa tentar escapar das garras da energia ilusória, esta armará várias armadilhas para tentar derrotar o praticante. A alma condicionada já é seduzida pelos modos da energia material, e sempre há a possibilidade de que ela volte a se deixar seduzir, mesmo ao executar disciplinas transcendentais. Isto se chama yogāc calita-mānasaḥ: desviar-se do caminho transcendental. Arjuna está curioso de saber o que é que se reserva para aquele que se desvia do caminho da auto-realização.

Texto

kaccin nobhaya-vibhraṣṭaś
chinnābhram iva naśyati
apratiṣṭho mahā-bāho
vimūḍho brahmaṇaḥ pathi

Sinônimos

kaccit — se; na — não; ubhaya — ambos; vibhraṣṭaḥ — desviado de; chinna — destroçada; abhram — nuvem; iva — como; naśyati — perece; apratiṣṭhaḥ — sem nenhuma posição; mahā-bāho — ó Kṛṣṇa de braços poderosos; vimūḍhaḥ — confundido; brahmaṇaḥ — da transcendência; pathi — no caminho.

Tradução

Ó Kṛṣṇa de braços poderosos, será que tal homem, que se afasta do caminho da transcendência, desvia-se também do sucesso espiritual e material, e sucumbe como uma nuvem destroçada, sem posição em esfera alguma?

Comentário

Para progredir, existem dois caminhos. Aqueles que são materialistas não se interessam pela transcendência; portanto, eles estão mais interessados em progresso material por meio do desenvolvimento econômico, ou em promoção aos planetas superiores por meio de obras apropriadas. Quando adota o caminho da transcendência, a pessoa deve cessar todas as atividades materiais e sacrificar todas as formas da aparente felicidade material. Se o aspirante a transcendentalista fracassa, então, tem-se a impressão de que ele sofre duas perdas; em outras palavras, ele não pode gozar de felicidade material nem de sucesso espiritual. Ele não tem posição; ele é como uma nuvem destroçada. No céu, às vezes uma nuvem pequena se desvia e junta-se a uma grande. Mas se ela não consegue juntar-se a uma grande, então, é soprada pelo vento e flutua ao léu no vasto firmamento. O brahmaṇaḥ pathi é o caminho da percepção transcendental, onde a pessoa passa a conhecer-se como essencialmente espiritual, parte integrante do Senhor Supremo, que Se manifesta como Brahman, Paramātmā e Bhagavān. O Senhor Śrī Kṛṣṇa é a mais completa manifestação da Suprema Verdade Absoluta, e portanto alguém que esteja rendido à Pessoa Suprema é um transcendentalista bem-sucedido. Para alcançar esta meta da vida através do processo em que se passa a compreender Brahman e Paramātmā são precisos muitos e muitos nascimentos (bahūnāṁ janmanām ante). Portanto, o caminho superlativo da percepção transcendental é bhakti-yoga, ou consciência de Kṛṣṇa, o método direto.

Texto

etan me saṁśayaṁ kṛṣṇa
chettum arhasy aśeṣataḥ
tvad-anyaḥ saṁśayasyāsya
chettā na hy upapadyate

Sinônimos

etat — esta é; me — minha; saṁśayam — dúvida; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; chettum — suprimir; arhasi — Você é solicitado; aśeṣataḥ — completamente; tvat — do que Você; anyaḥ — outro; saṁśayasya — da dúvida; asya — desta; chettā — removedor; na — nunca; hi — decerto; upapadyate — pode-se encontrar.

Tradução

Esta é a minha dúvida, ó Kṛṣṇa, e eu Lhe peço que a dissipe por completo. Com exceção de Você, não há ninguém que possa destruir esta dúvida.

Comentário

Kṛṣṇa é o perfeito conhecedor do passado, presente e futuro. No princípio do Bhagavad-gītā, o Senhor disse que todas as entidades vivas existiam individualmente no passado, existem agora no presente e continuarão mantendo identidade individual no futuro, mesmo após libertarem-se do enredamento material. Logo, Ele já esclarecera qual o futuro da entidade viva individual. Mas Arjuna quer saber do futuro do transcendentalista malogrado. Ninguém é igual ou superior a Kṛṣṇa, e na certa os supostos grandes sábios e filósofos que estão à mercê da natureza material não podem igualar-se a Ele. Portanto, o veredicto de Kṛṣṇa esclarecerá completa e definitivamente todas as dúvidas, porque Ele conhece com perfeição o passado, o presente e o futuro — mas ninguém O conhece. Somente Kṛṣṇa e os devotos conscientes de Kṛṣṇa podem conhecer as coisas como de fato elas são.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
pārtha naiveha nāmutra
vināśas tasya vidyate
na hi kalyāṇa-kṛt kaścid
durgatiṁ tāta gacchati

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; pārtha — ó filho de Pṛthā; na eva — nunca é assim; iha — neste mundo material; na — nunca; amutra — na próxima vida; vināśaḥ — destruição; tasya — dele; vidyate — existe; na — nunca; hi — decerto; kalyāṇa-kṛt — alguém que se ocupa em atividades auspiciosas; kaścit — alguém; durgatim — à degradação; tāta — Meu amigo; gacchati — vai.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Filho de Pṛthā, um transcendentalista ocupado em atividades auspiciosas não se depara com a destruição nem neste mundo nem no mundo espiritual; quem faz o bem, Meu amigo, jamais é vencido pelo mal.

Comentário

No Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.17), Śrī Nārada Muni dá a seguinte instrução a Vyāsadeva:

tyaktvā sva-dharmaṁ caraṇāmbujaṁ harer
bhajann apakvo ’tha patet tato yadi
yatra kva vābhadram abhūd amuṣya kiṁ
ko vārtha āpto ’bhajatāṁ sva-dharmataḥ

“Se alguém abandona todas as perspectivas materiais e se refugia por completo na Suprema Personalidade de Deus, ele não sofrerá nenhum tipo de perda ou degradação. Por outro lado, embora se ocupe plenamente em seus deveres ocupacionais, o não-devoto pode acabar não ganhando nada.” Há muitas atividades, tanto aquelas relatadas nas escrituras quanto as costumeiras, que propiciam um bom desempenho material. Supõe-se que um transcendentalista abandone todas as atividades materiais e prefira o progresso na vida espiritual, na consciência de Kṛṣṇa. Talvez argumente-se que através da consciência de Kṛṣṇa, o devoto desenvolvendo-a por completo, possa conseguir a perfeição mais elevada, mas se ele não atinge esta etapa de perfeição, então, perde tanto material quanto espiritualmente. Consta nas escrituras que todos têm que sofrer a reação decorrente do fato de não executarem os deveres prescritos; portanto, alguém que deixe de executar adequadamente as atividades transcendentais sujeita-se a estas reações. O Bhāgavatam garante que o transcendentalista malsucedido não precisa preocupar-se. Embora ele possa se sujeitar à reação por não executar perfeitamente os deveres prescritos, mesmo assim, ele não sai perdendo, porque a auspiciosa consciência de Kṛṣṇa nunca é esquecida, e alguém envolvido nesta ocupação, continuará a executá-la, mesmo que na próxima vida tenha um nascimento inferior. Por outro lado, quem simplesmente segue à risca os deveres prescritos não alcança necessariamente resultados auspiciosos se lhe está faltando consciência de Kṛṣṇa.

O significado pode ser entendido da seguinte maneira: pode-se dividir a humanidade em duas seções, a saber, as pessoas reguladas e as
não-reguladas. Aqueles que só se ocupam em gozos sensoriais animalescos, sem conhecimento sobre sua próxima vida ou sobre a salvação espiritual, pertencem à seção não-regulada. E aqueles que seguem princípios, conhecendo os deveres prescritos nas escrituras, incluem-se na seção regulada. A seção não-regulada, tanto civilizada quanto incivilizada, instruída e não-instruída, forte e fraca, está cheia de propensões animalescas. Suas atividades nunca são auspiciosas, porque, enquanto gozam das propensões animais, ou seja, comer, dormir, defender-se e acasalar-se, estas pessoas permanecem perpetuamente na existência material, que é sempre miserável. Por outro lado, aqueles que são regulados pelos preceitos das escrituras e que assim aos poucos elevam-se à consciência de Kṛṣṇa, com certeza progridem na vida.

Aqueles que seguem o caminho da prosperidade podem dividir-se em três seções, que são: (1) os seguidores das regras e regulações das escrituras que estão gozando prosperidade material; (2) aqueles que estão tentando encontrar a maneira de liberar-se definitivamente da existência material; e (3) aqueles que são devotos em consciência de Kṛṣṇa. Continuando, aqueles que seguem as regras e regulações das escrituras em troca de felicidade material podem ser divididos em duas classes: os que são trabalhadores fruitivos e os que não desejam desfrutar de gozo dos sentidos. Aqueles que estão buscando resultados fruitivos que lhes propiciem gozo dos sentidos, podem elevar-se a um padrão de vida mais elevado — podendo até ser admitidos nos planetas superiores — mas mesmo assim, porque não estão livres da existência material, não seguem o caminho verdadeiramente auspicioso. As únicas atividades auspiciosas são as que nos levam à liberação. Nenhuma atividade que não vise à auto-realização última ou não nos libere do conceito de vida corpórea material não é nada auspiciosa. A atividade em consciência de Kṛṣṇa é a única atividade auspiciosa, e qualquer um que voluntariamente aceite todos os incômodos físicos para progredir no caminho da consciência de Kṛṣṇa pode chamar-se um transcendentalista perfeito que se submete a rigorosas austeridades. E porque o sistema óctuplo de yoga presta-se a que se compreenda definitivamente a consciência de Kṛṣṇa, essa prática também é auspiciosa, e alguém que esteja se empenhando a fundo nesse empreendimento não precisa temer a degradação.

Texto

prāpya puṇya-kṛtāṁ lokān
uṣitvā śāśvatīḥ samāḥ
śucīnāṁ śrīmatāṁ gehe
yoga-bhraṣṭo ’bhijāyate

Sinônimos

prāpya — depois de alcançar; puṇya-kṛtām — daqueles que executaram atividades piedosas; lokān — planetas; uṣitvā — depois de residir; śāśvatīḥ — muitos; samāḥ — anos; śucīnām — dos piedosos; śrī-matām — dos prósperos; gehe — na casa; yoga-bhraṣṭaḥ — aquele que caiu do caminho da auto-realização; abhijāyate — nasce.

Tradução

Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades vivas piedosas, o yogī malogrado nasce numa família de pessoas virtuosas ou numa família aristocrata e rica.

Comentário

Os yogīs malsucedidos dividem-se em duas classes: numa estão aqueles que caem após pouquíssimo progresso, e na outra, aqueles que caem após longa prática de yoga. O yogī que cai após um curto período de prática vai para os planetas superiores, aos quais as entidades vivas piedosas têm acesso. Depois de uma vida prolongada, ele é mandado de volta a este planeta, para nascer na família de um brāhmaṇa vaiṣṇava virtuoso ou de comerciantes aristocratas.

O verdadeiro propósito da prática de yoga é conseguir a perfeição máxima, a consciência de Kṛṣṇa, como se explica no último verso deste capítulo. Mas, aqueles que não perseveram até este ponto e que falham devido às seduções materiais têm, pela graça do Senhor, permissão de desenvolver suas propensões materiais. E depois disso, eles recebem a oportunidade de viver vidas prósperas em famílias virtuosas ou aristocráticas. Aqueles que nascem em tais famílias podem tirar proveito das condições favoráveis e tentar elevar-se à plena consciência de Kṛṣṇa.

Texto

atha vā yoginām eva
kule bhavati dhīmatām
etad dhi durlabha-taraṁ
loke janma yad īdṛśam

Sinônimos

atha — ou; yoginām — de transcendentalistas eruditos; eva — decerto; kule — na família; bhavati — nasce; dhī-matām — daqueles que são dotados de grande sabedoria; etat — este; hi — decerto; durlabha-taram — muito raro; loke — neste mundo; janma — nascimento; yat — aquele que; īdṛśam — assim.

Tradução

Ou [se fracassa após longa prática de yoga] ele nasce numa família de transcendentalistas que com certeza têm muita sabedoria. É claro que semelhante nascimento é raro neste mundo.

Comentário

Nesta passagem, louva-se o nascimento numa família de yogīs ou transcendentalistas — aqueles de alta sabedoria — porque a criança nascida em tal família recebe ímpeto espiritual desde o começo de sua vida. Isto se dá especialmente no caso das famílias de ācāryas ou gosvāmīs. Por tradição e treinamento, essas famílias são muito eruditas e devotadas, e por isso seus membros tornam-se mestres espirituais. Na Índia, há muitas dessas famílias de ācāryas, mas eles acabaram se degenerando devido à educação e ao treinamento insuficientes. Pela graça do Senhor, ainda há famílias em cujo seio vivem transcendentalistas, geração após geração. Decerto é muito afortunado nascer em tais famílias. Felizmente, tanto nosso mestre espiritual, Oṁ Viṣṇupāda Śrī Śrīmad Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja, quanto nossa humilde pessoa tivemos a oportunidade de nascer em tais famílias, pela graça do Senhor, e desde o começo de nossas vidas fomos treinados no serviço devocional ao Senhor. Mais tarde, nós nos encontramos por ordem do sistema transcendental.

Texto

tatra taṁ buddhi-saṁyogaṁ
labhate paurva-dehikam
yatate ca tato bhūyaḥ
saṁsiddhau kuru-nandana

Sinônimos

tatra — então; tam — esse; buddhi-saṁyogam — reviver de consciência; labhate — ganha; paurva-dehikam — do corpo anterior; yatate — ele se esforça; ca — também; tataḥ — depois disso; bhūyaḥ — novamente; saṁsiddhau — para a perfeição; kuru-nandana — ó filho de Kuru.

Tradução

Obtendo tal nascimento, ele revive a consciência divina de sua vida anterior e tenta progredir ainda mais para alcançar o êxito completo, ó filho de Kuru.

Comentário

SIGNIFICADO O rei Bharata, que em seu terceiro nascimento apareceu na família de um brāhmaṇa bondoso, é um exemplo de alguém que obteve nascimento adequado para reviver a consciência transcendental anterior. O rei Bharata era o imperador do mundo, e desde sua época este planeta tem sido conhecido entre os semideuses como Bhārata-varṣa. Outrora, fora conhecido como Ilāvṛta-varṣa. O imperador, quando ainda jovem, retirou-se em busca da perfeição espiritual, mas não conseguiu alcançar o sucesso. Em sua vida seguinte, ele nasceu na família de um brāhmaṇa bondoso e foi conhecido como Jaḍa Bharata porque sempre ficava afastado e não conversava com ninguém. E mais tarde o rei Rahūgaṇa descobriu-o como o maior transcendentalista. Analisando sua vida, compreende-se que os esforços transcendentais, ou a prática de yoga, nunca são inúteis. Pela graça do Senhor, o transcendentalista recebe repetidas oportunidades para conseguir a completa perfeição em consciência de Kṛṣṇa.

Texto

pūrvābhyāsena tenaiva
hriyate hy avaśo ’pi saḥ
jijñāsur api yogasya
śabda-brahmātivartate

Sinônimos

pūrva — anterior; abhyāsena — pela prática; tena — por esta; eva — decerto; hriyate — é atraído; hi — com certeza; avaśaḥ — automaticamente; api — também; saḥ — ele; jijñāsuḥ — desejando saber; api — mesmo; yogasya — sobre yoga; śabda-brahma — princípios ritualísticos das escrituras; ativartate — transcende.

Tradução

Em virtude da consciência divina de sua vida anterior, ele automaticamente se sente atraído aos princípios ióguicos — mesmo sem buscá-los. Tal transcendentalista inquisitivo está sempre acima dos princípios ritualísticos das escrituras.

Comentário

Os yogīs avançados não sentem muita atração pelos rituais das escrituras, mas são automaticamente atraídos aos princípios da yoga, que podem elevá-los à completa consciência de Kṛṣṇa, a perfeição máxima da yoga. O Śrīmad-Bhāgavatam (3.33.7) explica da seguinte maneira esse desinteresse que os transcendentalistas adiantados sentem pelos rituais védicos:

aho bata śva-paco ’to garīyān
yaj-jihvāgre vartate nāma tubhyam
tepus tapas te juhuvuḥ sasnur āryā
brahmānūcur nāma gṛṇanti ye te

“Ó meu Senhor! As pessoas que cantam os santos nomes de Vossa Onipotência são muitíssimo avançadas na vida espiritual, mesmo que tenham nascido em famílias de comedores de cães. Essas pessoas sem dúvida executaram todos os tipos de austeridades e sacrifícios, banharam-se em todos os lugares sagrados e concluíram todos os estudos das escrituras.”

Um exemplo famoso que confirma isso foi apresentado pelo Senhor Caitanya, que aceitou µhākura Haridāsa como um de Seus discípulos mais importantes. Embora tivesse nascido em família muçulmana, µhākura Haridāsa foi elevado ao posto de nāmācārya pelo Senhor Caitanya devido ao fato de que ele seguia rigidamente o seguinte princípio: cantar todos os dias trezentos mil santos nomes do Senhor — Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare, Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. E porque cantava constantemente o santo nome do Senhor, compreende-se que em sua vida anterior ele deve ter-se submetido a todos os métodos ritualísticos dos Vedas, conhecidos como śabda-brahma. A não ser que se esteja purificado, não é possível adotar os princípios da consciência de Kṛṣṇa ou ocupar-se no canto do santo nome do Senhor, Hare Kṛṣṇa.

Texto

prayatnād yatamānas tu
yogī saṁśuddha-kilbiṣaḥ
aneka-janma-saṁsiddhas
tato yāti parāṁ gatim

Sinônimos

prayatnāt — pela prática rígida; yatamānaḥ — que se esforça; tu — e; yogī — tal transcendentalista; saṁśuddha — lavado; kilbiṣaḥ — de todos os seus pecados; aneka — após muitos e muitos; janma — nascimentos; saṁsiddhaḥ — tendo alcançado a perfeição; tataḥ — então; yāti — atinge; parām — o mais elevado; gatim — destino.

Tradução

E quando com esforço sincero o yogī ocupa-se em continuar progredindo, limpando-se de todas as contaminações, alcançando a perfeição pela prática em muitos e muitos nascimentos, ele aí atinge a meta suprema.

Comentário

Aquele que nasce numa determinada família virtuosa, aristocrática ou sagrada, fica ciente de sua condição favorável à execução da prática de yoga. Com determinação, portanto, recomeça sua tarefa inacabada, e então purifica-se por completo de todas as contaminações materiais. Quando finalmente livra-se de todas as contaminações, ele alcança a perfeição suprema — a consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é a fase perfeita na qual se está livre de todas as contaminações. Isto é confirmado no Bhagavad-gītā (7.28):

yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpaṁ
janānāṁ puṇya-karmaṇām
te dvandva-moha-nirmuktā
bhajante māṁ dṛḍha-vratāḥ

“Após executar atividades piedosas durante muitos e muitos nascimentos, tendo-se livrado por completo de todas as contaminações e de todas as dualidades ilusórias, a pessoa ocupa-se no serviço transcendental amoroso do Senhor.”

Texto

tapasvibhyo ’dhiko yogī
jñānibhyo ’pi mato ’dhikaḥ
karmibhyaś cādhiko yogī
tasmād yogī bhavārjuna

Sinônimos

tapasvibhyaḥ — aos ascetas; adhikaḥ — superior; yogī — o yogī; jñānibhyaḥ — aos sábios; api — também; mataḥ — considerado; adhikaḥ — superior; karmibhyaḥ — aos trabalhadores fruitivos; ca — também; adhikaḥ — superior; yogī — o yogī; tasmāt — portanto; yogī — um transcendentalista; bhava — apenas torne-se; arjuna — ó Arjuna.

Tradução

O yogī é maior do que o asceta, maior do que o empirista e maior do que o trabalhador fruitivo. Portanto, ó Arjuna, em todas as circunstâncias, seja um yogī.

Comentário

Quando falamos de yoga, referimo-nos ao processo pelo qual ligamos nossa consciência à Suprema Verdade Absoluta. Conforme o método específico adotado, vários praticantes dão a esse processo nomes diferentes. Quando no processo unitivo predominam as atividades fruitivas, ele chama-se karma-yoga; quando é predominantemente empírico, o processo chama- se jñāna-yoga; e quando predomina uma relação devocional com o Senhor Supremo, chama-se bhakti-yoga. Bhakti-yoga, ou consciência de Kṛṣṇa, é a perfeição última de todas as yogas, como se explicará no próximo verso. Nesta passagem, o Senhor confirma a superioridade da yoga, mas Ele não mencionou que ela é melhor do que bhakti-yoga. Bhakti-yoga é conhecimento espiritual pleno, e portanto nada pode excedê-la. O ascetismo sem autoconhecimento é imperfeito. O conhecimento empírico sem rendição ao Senhor Supremo também é imperfeito. E trabalho fruitivo sem consciência de Kṛṣṇa é perda de tempo. Portanto, a forma de execução de yoga de maior louvor mencionada aqui é a bhakti-yoga, e isto se explica de maneira mais clara no próximo verso.

Texto

yoginām api sarveṣāṁ
mad-gatenāntar-ātmanā
śraddhāvān bhajate yo māṁ
sa me yukta-tamo mataḥ

Sinônimos

yoginām — dos yogīs; api — também; sarveṣām — todas as espécies de; mat-gatena — refugiando-se em Mim, pensando sempre em Mim; antaḥ-ātmanā — dentro de si mesmo; śraddhā-vān — com fé total; bhajate — presta transcendental serviço amoroso; yaḥ — aquele que; mām — para Mim (o Senhor Supremo); saḥ — ele; me — por Mim; yukta-tamaḥ — o maior yogī; mataḥ — é considerado.

Tradução

E de todos os yogīs, aquele que tem muita fé e sempre se refugia em Mim, pensa em Mim dentro de si mesmo e Me presta serviço transcendental amoroso — é o mais intimamente unido a Mim em yoga e é o mais elevado de todos. Esta é a Minha opinião.

Comentário

Aqui, a palavra bhajate é significativa. Bhajate tem sua raiz no verbo bhaj, que se usa quando se quer expressar necessidade de serviço. A palavra “adoração” não pode ser usada na mesma acepção de bhaj. Adoração quer dizer venerar ou mostrar respeito e honra a quem é digno. Mas serviço com amor e fé é especialmente dedicado à Suprema Personalidade de Deus. Pode-se deixar de adorar um homem respeitável ou um semideus e então ser chamado de descortês, mas ninguém pode eximir-se de servir o Senhor Supremo e escapar a uma completa condenação. Todo ser vivo é parte integrante da Suprema Personalidade de Deus, e assim, por sua própria constituição, todo ser vivo é designado a servir o Senhor Supremo. Deixando de fazer isso, ele cai. O Bhāgavatam (11.5.3) dá a seguinte confirmação disto:

ya eṣāṁ puruṣaṁ sākṣād
ātma-prabhavam īśvaram
na bhajanty avajānanti
sthānād bhraṣṭāḥ patanty adhaḥ

“Quem não prestar serviço e negligenciar seu dever para com o Senhor primordial, que é a fonte de todas as entidades vivas, decerto cairá de sua posição constitucional.”

Neste verso também se usa a palavra bhajanti. Portanto, o termo bhajanti é usado apenas em relação ao Senhor Supremo, ao passo que a palavra “adoração” pode-se aplicar a semideuses ou a qualquer outra entidade viva comum. A palavra avajānanti, usada neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam, também se encontra no Bhagavad-gītā. Avajānanti māṁ mūḍhāḥ: “Somente os tolos e patifes zombam da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa”. Esses tolos põem-se a escrever comentários sobre o Bhagavad-gītā sem uma atitude de serviço ao Senhor. Por conseguinte, não podem distinguir apropriadamente entre a palavra bhajanti e a palavra “adoração”.

Todas as espécies de práticas de yoga culminam em bhakti-yoga. Todas as outras yogas não passam de meios para chegar ao ponto de bhakti em bhakti-yoga. Yoga na verdade significa bhakti-yoga; todas as outras yogas são avanços rumo ao mesmo destino: bhakti-yoga. Do início da karma-yoga até o fim da bhakti-yoga é longo o caminho da auto-realização. Karma-yoga, sem resultados fruitivos, é o começo deste caminho. Quando em karma-yoga há o aumento de conhecimento e renúncia, passa-se à etapa de jñāna-yoga. Quando o jñāna-yogī intensifica sua meditação na Superalma através de processos físicos variados, e sua mente está nEle, atinge-se a fase de aṣṭāṅga-yoga. E ao ultrapassar a aṣṭāṅga-yoga e estabelecer-se na Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, o yogī fixa-se em bhakti-yoga, a culminação. De fato, bhakti-yoga é a meta última, mas para analisar bhakti-yoga em pormenores, devem-se compreender estas outras yogas. O yogī que é progressista está, portanto, no verdadeiro caminho da boa fortuna eterna. Aquele que se mantém num determinado ponto e não continua a progredir é designado por este nome específico: karma-yogī, jñāna-yogī ou dhyāna-yogī, rāja-yogī, haṭha-yogī, etc. Se alguém tem a imensa fortuna de chegar ao ponto de bhakti-yoga, deve-se entender que ele suplantou todas as outras yogas. Portanto, tornar-se consciente de Kṛṣṇa é a fase mais elevada de yoga, assim como, quando falamos dos Himalaias, referimo-nos às montanhas mais altas do mundo, cuja culminação é o Monte Everest, o pico mais elevado.

É devido à boa fortuna, que alguém adota o caminho da bhakti-yoga e chega à consciência de Kṛṣṇa para seguir a orientação védica e tornar-se bem situado. O yogī ideal concentra sua atenção em Kṛṣṇa, que é chamado Śyāmasundara, cuja cor é tão bela como uma nuvem, cujo rosto de lótus é tão brilhante como o Sol, em cuja roupa brilham jóias e cujo corpo tem guirlandas de flores. Seu brilho reluzente, que é chamado brahmajyoti, ilumina a todos os lados. Ele encarna sob diferentes formas, tais como Rāma, Nṛsiṁha, Varāha e Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e desce como um ser humano, como o filho de mãe Yaśodā, e é conhecido como Kṛṣṇa, Govinda e Vāsudeva. Ele é o filho, marido, amigo e amo perfeitos, e Ele é pleno de todas as opulências e qualidades transcendentais. Se alguém permanece deveras consciente destes aspectos do Senhor, ele é chamado o yogī mais elevado.

Esta etapa de perfeição máxima em yoga só pode ser alcançada através de bhakti-yoga, como se confirma em toda a literatura védica:

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Somente àquelas grandes almas que têm fé irrestrita tanto no Senhor quanto no mestre espiritual, é que todos os significados do conhecimento védico são automaticamente revelados.” (Śvetāśvatara Upaniṣad 6.23)

Bhaktir asya bhajanaṁ tad ihāmutropādhi-nairāsyenāmuṣmin manaḥ-kalpanam, etad eva naiṣkarmyam. “Bhakti significa serviço devocional ao Senhor, serviço que é livre do desejo de lucro material, quer nesta vida, quer na próxima. Desprovida dessas inclinações, a pessoa deve absorver toda a sua mente no Supremo. Este é o propósito de naiṣkarmya.” (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.15)

Estes são alguns dos meios para a execução de bhakti, ou consciência de Kṛṣṇa, a mais elevada fase de perfeição do sistema de yoga.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Sexto Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata de Dhyāna-yoga.