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CAPÍTULO DEZOITO

– Conclusão – A Perfeição da Renúncia

Texto

arjuna uvāca
sannyāsasya mahā-bāho
tattvam icchāmi veditum
tyāgasya ca hṛṣīkeśa
pṛthak keśi-niṣūdana

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; sannyāsasya — da renúncia; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; tattvam — a verdade; icchāmi — eu desejo; veditum — compreender; tyāgasya — da renúncia; ca — também; hṛṣīkeśa — ó senhor dos sentidos; pṛthak — diferentemente; keśi-niṣūdana — ó matador do demônio Keśī.

Tradução

Arjuna disse: Ó pessoa de braços poderosos, desejo compreender o propósito da renúncia [tyāga] e da ordem de vida renunciada [sannyāsa], ó matador do demônio Keśī, senhor dos sentidos.

Comentário

Na verdade, o Bhagavad-gītā é formado de dezessete capítulos. O Décimo Oitavo Capítulo é um resumo suplementar dos tópicos anteriormente discutidos. Em todos os capítulos do Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa enfatiza que o serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus é a meta última da vida. No Décimo Oitavo Capítulo, este mesmo ponto é resumido como o método mais confidencial de conhecimento. Nos seis primeiros capítulos, deu-se muita ênfase ao serviço devocional: yoginām api sarveṣām... “De todos os yogīs ou transcendentalistas, aquele que sempre Me vê dentro de si mesmo é o melhor”. Nos seis capítulos seguintes, foram discutidos o serviço devocional puro, sua natureza e atividades. E nestes seis últimos capítulos são descritos o conhecimento, a renúncia, as atividades da natureza material e da natureza transcendental, e o serviço devocional. Chegou-se à conclusão de que todos os atos devem ser executados em conexão com o Senhor Supremo, representado pelas palavras oṁ tat sat, que indicam Viṣṇu, a Pessoa Suprema. A terceira parte do Bhagavad-gītā mostrou que o serviço devocional, e apenas ele, é o propósito último da vida. Estabeleceu-se isto citando passagens de ācāryas anteriores e do Brahma-sūtra, ou Vedānta-sūtra. Alguns impersonalistas acham que possuem o monopólio do conhecimento contido no Vedānta-sūtra, mas na verdade o Vedānta-sūtra serve para que se compreenda o serviço devocional, pois foi o próprio Senhor quem compôs o Vedānta-sūtra, e é Ele quem o conhece na íntegra. Isto foi descrito no Décimo Quinto Capítulo. Em cada escritura, em cada Veda, o objetivo é o serviço devocional. Isto é explicado no Bhagavad-gītā.

Assim como no Segundo Capítulo fez-se uma sinopse de todo o assunto, no Décimo Oitavo Capítulo também se dá o resumo de toda a instrução. Define-se que o propósito da vida é a conquista da posição transcendental que está acima dos três modos da natureza material. Arjuna quer que fiquem esclarecidos os dois diferentes assuntos do Bhagavad-gītā, ou seja, a renúncia (tyāga) e a ordem de vida renunciada (sannyāsa). Assim, ele está perguntando o sentido dessas duas palavras.

Neste verso, são significativas duas palavras utilizadas para se dirigir ao Senhor Supremo — Hṛṣīkeśa e Keśi-niṣūdana. Hṛṣīkeśa é Kṛṣṇa, o mestre de todos os sentidos, que sempre pode nos ajudar a alcançar serenidade mental. Arjuna Lhe pede que resuma tudo de tal modo que ele sempre se mantenha equilibrado. Entretanto, ele tem algumas dúvidas, e dúvidas são sempre comparadas a demônios. Por isso, Ele se dirige a Kṛṣṇa como Keśi-niṣūdana. Keśī foi um demônio terrível, morto pelo Senhor; Arjuna agora espera que Kṛṣṇa mate o demônio da dúvida.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
kāmyānāṁ karmaṇāṁ nyāsaṁ
sannyāsaṁ kavayo viduḥ
sarva-karma-phala-tyāgaṁ
prāhus tyāgaṁ vicakṣaṇāḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus; kāmyānām — com desejo; karmaṇām — de atividades; nyāsam — renúncia; sannyāsam — a ordem de vida renunciada; kavayaḥ — os eruditos; viduḥ — conhecem; sarva — de todas; karma — atividades; phala — de resultados; tyāgam — a renúncia; prāhuḥ — chamam; tyāgam — renúncia; vicakṣaṇāḥ — os experientes.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: A renúncia a atividades que se baseiam no desejo material é o que os grandes eruditos chamam de ordem de vida renunciada [sannyāsa]. E abdicar do resultado de todas as atividades é o que os sábios chamam de renúncia [tyāga].

Comentário

A execução de atividades em troca de resultados deve ser abandonada. Esta é a instrução do Bhagavad-gītā. Mas não se devem abandonar as atividades que conduzem ao conhecimento espiritual avançado. Isto ficará claro nos próximos versos. Na literatura védica há prescrições de muitos métodos com os quais se executa sacrifício com algum propósito específico. Há alguns sacrifícios executados para se obter um bom filho ou a elevação aos planetas superiores, mas devem-se eliminar os sacrifícios motivados pelos desejos. Entretanto, não se deve abandonar o sacrifício que leva à purificação do coração ou ao avanço na ciência espiritual.

Texto

tyājyaṁ doṣa-vad ity eke
karma prāhur manīṣiṇaḥ
yajña-dāna-tapaḥ-karma
na tyājyam iti cāpare

Sinônimos

tyājyam — deve-se abandonar; doṣa-vat — como um mal; iti — assim; eke — um grupo; karma — trabalho; prāhuḥ — dizem; manīṣiṇaḥ — grandes pensadores; yajña — de sacrifício; dāna — caridade; tapaḥ — e penitência; karma — trabalhos; na — nunca; tyājyam — devem ser abandonados; iti — assim; ca — e; apare — outros.

Tradução

Alguns homens instruídos declaram que todas as espécies de atividades fruitivas devem ser abandonadas porque são defeituosas, mas outros sábios argumentam que os atos de sacrifício, caridade e penitência jamais devem ser abandonados.

Comentário

Há muitas atividades na literatura védica que são objetos de controvérsia. Por exemplo, afirma-se que um animal pode ser morto num sacrifício, mas outros sustentam que matar animais é completamente abominável. Embora se recomende na literatura védica que certos animais sejam mortos em sacrifício, não se considera que o animal é morto. O sacrifício serve para dar nova vida ao animal. Algumas vezes, após ser morto no sacrifício, o animal recebe uma nova vida animal, e outras, o animal é imediatamente promovido à forma de vida humana. Mas há diferentes opiniões entre os sábios. Alguns dizem que sempre se deve evitar a matança de animais, e outros recomendam-na quando ela se destina à execução de um sacrifício. Todas essas diferentes opiniões sobre as atividades sacrificatórias passam agora a ser esclarecidas pelo próprio Senhor.

Texto

niścayaṁ śṛṇu me tatra
tyāge bharata-sattama
tyāgo hi puruṣa-vyāghra
tri-vidhaḥ samprakīrtitaḥ

Sinônimos

niścayam — certeza; śṛṇu — ouça; me — de Mim; tatra — então; tyāge — em matéria de renúncia; bharata-sat-tama — ó melhor dos Bhāratas; tyāgaḥ — renúncia; hi — decerto; puruṣa-vyāghra — ó tigre entre os seres humanos; tri-vidhaḥ — de três espécies; samprakīrtitaḥ — declara-se.

Tradução

Ó melhor dos Bhāratas, agora ouça o que tenho a dizer sobre a renúncia. Ó tigre entre os homens, as escrituras afirmam que há três categorias de renúncia.

Comentário

Embora haja várias opiniões sobre a renúncia, aqui a Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, dá Seu parecer, que deve ser considerado como definitivo. Afinal de contas, os Vedas são diferentes leis dadas pelo Senhor. Aqui, o Senhor está presente em pessoa, e Sua palavra deve ser aceita como definitiva. O Senhor diz que o processo de renúncia deve ser considerado em função dos modos da natureza material em que ele é executado.

Texto

yajña-dāna-tapaḥ-karma
na tyājyaṁ kāryam eva tat
yajño dānaṁ tapaś caiva
pāvanāni manīṣiṇām

Sinônimos

yajña — de sacrifício; dāna — caridade; tapaḥ — e penitência; karma — atividade; na — nunca; tyājyam — a ser abandonado; kāryam — deve ser feito; eva — decerto; tat — isso; yajñaḥ — sacrifício; dānam — caridade; tapaḥ — penitência; ca — também; eva — decerto; pāvanāni — purificantes; manīṣiṇām — até para as grandes almas.

Tradução

Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes almas.

Comentário

Os yogīs devem executar atos que ajudem a sociedade humana a progredir. Há muitos processos purificatórios através dos quais o ser humano consegue avançar na vida espiritual. A cerimônia de casamento, por exemplo, é considerada um desses sacrifícios. Chama-se vivāha-yajña. Será que um sannyāsī, que está na ordem de vida renunciada e que rompeu com a família, deve incentivar a cerimônia de casamento? O Senhor diz aqui que nenhum sacrifício que sirva para o bem-estar humano jamais deve ser abandonado. Vivāha-yajña, a cerimônia de casamento, presta-se a regular a mente humana para que ela possa obter a paz necessária para o avanço espiritual. Todos, mesmo aqueles que estão na ordem de vida renunciada, devem incentivar este vivāha-yajña para a maioria dos homens. Os sannyāsīs nunca devem se associar com mulheres, mas isto não significa que alguém que esteja nos níveis inferiores de vida, ou seja, um jovem, não deva aceitar uma esposa na cerimônia de casamento. Todos os sacrifícios prescritos destinam-se a alcançar o Senhor Supremo. Portanto, nos níveis inferiores, eles não devem ser abandonados. Do mesmo modo, a caridade é para a purificação do coração. Se alguém faz caridade às pessoas adequadas, como se descreveu anteriormente, ela será conducente à vida espiritual avançada.

Texto

etāny api tu karmāṇi
saṅgaṁ tyaktvā phalāni ca
kartavyānīti me pārtha
niścitaṁ matam uttamam

Sinônimos

etāni — todas essas; api — decerto; tu — mas; karmāṇi — atividades; saṅgam — associação; tyaktvā — renunciando; phalāni — resultados; ca — também; kartavyāni — devem ser feitas como dever; iti — assim; me — Minha; pārtha — ó filho de Pṛthā; niścitam — definitiva; matam — opinião; uttamam — a melhor.

Tradução

Todas essas atividades devem ser executadas sem apego nem expectativa alguma de resultado. Elas devem ser executadas por uma simples questão de dever, ó filho de Pṛthā. Esta é Minha opinião final.

Comentário

Embora todos os sacrifícios sejam purificantes, ninguém deve contar com os resultados desses atos. Em outras palavras, devemos abandonar todos os sacrifícios que se destinam ao progresso na vida material, mas não podemos interromper os sacrifícios que purificam nossa existência e nos elevam ao plano espiritual. Deve-se estimular tudo o que leva à consciência de Kṛṣṇa. No Śrīmad-Bhāgavatam também se diz que se deve aceitar qualquer atividade que conduza ao serviço devocional ao Senhor. Este é o mais elevado critério de religião. O devoto do Senhor deve aceitar qualquer tipo de trabalho, sacrifício ou caridade que o ajude no desempenho do serviço devocional ao Senhor.

Texto

niyatasya tu sannyāsaḥ
karmaṇo nopapadyate
mohāt tasya parityāgas
tāmasaḥ parikīrtitaḥ

Sinônimos

niyatasya — prescritas; tu — mas; sannyāsaḥ — renúncia; karmaṇaḥ — de atividades; na — nunca; upapadyate — é merecida; mohāt — por causa da ilusão; tasya — delas; parityāgaḥ — renúncia; tāmasaḥ — no modo da ignorância; parikīrtitaḥ — é declarada.

Tradução

Nunca se deve renunciar aos deveres prescritos. Se, devido à ilusão, alguém renuncia a seus deveres prescritos, diz-se que semelhante renúncia está no modo da ignorância.

Comentário

O trabalho que produz satisfação material deve ser abandonado, mas recomendam-se as atividades que nos conduzam às atividades espirituais, tais como cozinhar para o Senhor Supremo e oferecer-Lhe o alimento e depois aceitar este alimento. Diz-se que quem está na ordem de vida renunciada não deve cozinhar para si mesmo. Cozinhar para si é proibido, mas cozinhar para o Senhor Supremo não é proibido. Da mesma forma, o sannyāsī pode executar a cerimônia de casamento para ajudar seu discípulo a avançar em consciência de Kṛṣṇa. Se alguém rejeita essas atividades, é bom que se saiba que está agindo no modo da escuridão.

Texto

duḥkham ity eva yat karma
kāya-kleśa-bhayāt tyajet
sa kṛtvā rājasaṁ tyāgaṁ
naiva tyāga-phalaṁ labhet

Sinônimos

duḥkham — infeliz; iti — assim; eva — decerto; yat — que; karma — trabalho; kāya — para o corpo; kleśa — problema; bhayāt — por medo; tyajet — abandona; saḥ — ele; kṛtvā — após fazer; rājasam — no modo da paixão; tyāgam — renúncia; na — não; eva — decerto; tyāga — de renúncia; phalam — os resultados; labhet — ganha.

Tradução

Todos aqueles que abandonam seus deveres prescritos por serem problemáticos ou por medo do desconforto físico, renunciaram sob a influência do modo da paixão. Tal ato jamais conduz à elevação decorrente da renúncia.

Comentário

Quem está em consciência de Kṛṣṇa não deve deixar de ganhar dinheiro por medo de estar executando atividades fruitivas. Se, trabalhando, ele pode empregar seu dinheiro na consciência de Kṛṣṇa, ou se pelo fato de levantar-se de manhã bem cedo ele pode progredir em consciência transcendental de Kṛṣṇa, ele não deve desistir disso apenas por medo ou por considerar tais atividades problemáticas. Semelhante renúncia está no modo da paixão. O resultado do trabalho na paixão é sempre miserável. Se alguém renuncia a seus atos com este espírito, nunca conseguirá o resultado da renúncia.

Texto

kāryam ity eva yat karma
niyataṁ kriyate ’rjuna
saṅgaṁ tyaktvā phalaṁ caiva
sa tyāgaḥ sāttviko mataḥ

Sinônimos

kāryam — deve ser feito; iti — assim; eva — mesmo; yat — que; karma — trabalho; niyatam — prescrito; kriyate — é executado; arjuna — ó Arjuna; saṅgam — associação; tyaktvā — abandonando; phalam — o resultado; ca — também; eva — decerto; saḥ — essa; tyāgaḥ — renúncia; sāttvikaḥ — no modo da bondade; mataḥ — em Minha opinião.

Tradução

Ó Arjuna, quando alguém executa seu dever prescrito só porque deve ser feito, e renuncia a toda a associação material e a todo o apego ao fruto, diz-se que sua renúncia está no modo da bondade.

Comentário

É com esta mentalidade que se devem executar os deveres prescritos. Deve-se agir sem apego ao resultado; e deve-se desassociar dos modos de seu trabalho. Um homem que trabalha em consciência de Kṛṣṇa numa fábrica, não se associa com o trabalho da fábrica, nem com os trabalhadores da fábrica. Tudo o que ele faz é trabalhar para Kṛṣṇa. E quando entrega o resultado a Kṛṣṇa, ele age transcendentalmente.

Texto

na dveṣṭy akuśalaṁ karma
kuśale nānuṣajjate
tyāgī sattva-samāviṣṭo
medhāvī chinna-saṁśayaḥ

Sinônimos

na — nunca; dveṣṭi — odeia; akuśalam — inauspicioso; karma — trabalho; kuśale — no auspicioso; na — nem; anuṣajjate — se apega; tyāgī — o renunciante; sattva — em bondade; samāviṣṭaḥ — absorto; medhāvī — inteligente; chinna — tendo cortado; saṁśayaḥ — todas as dúvidas.

Tradução

O renunciante inteligente, situado no modo da bondade, que não detesta o trabalho inauspicioso nem se apega ao trabalho auspicioso, não tem nenhuma dúvida sobre o trabalho.

Comentário

Quem está em consciência de Kṛṣṇa ou no modo da bondade não odeia ninguém nem nada que incomode seu corpo. Ele executa seu trabalho no lugar apropriado e no tempo apropriado, sem temer os efeitos penosos de seu dever. Deve-se entender que tal pessoa situada em transcendência é muito inteligente e não tem dúvidas sobre o que faz.

Texto

na hi deha-bhṛtā śakyaṁ
tyaktuṁ karmāṇy aśeṣataḥ
yas tu karma-phala-tyāgī
sa tyāgīty abhidhīyate

Sinônimos

na — nunca; hi — decerto; deha-bhṛtā — pelo corporificado; śakyam — é possível; tyaktum — ser renunciado; karmāṇi — atividades; aśeṣataḥ — completamente; yaḥ — qualquer um que; tu — mas; karma — de trabalho; phala — do resultado; tyāgī — o renunciante; saḥ — ele; tyāgī — o renunciante; iti — assim; abhidhīyate — diz-se.

Tradução

De fato, é impossível para um ser encarnado renunciar a todas as atividades. Mas aquele que renuncia aos frutos da ação, diz-se que ele renunciou de verdade.

Comentário

Diz-se no Bhagavad-gītā que em tempo algum pode alguém abandonar o trabalho. Portanto, aquele que trabalha para Kṛṣṇa e não desfruta os resultados fruitivos, que oferece tudo a Kṛṣṇa, é um verdadeiro renunciante. Há muitos membros da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna que trabalham mui arduamente em seu escritório ou na fábrica ou em algum outro lugar, e tudo o que ganham eles dão para a Sociedade. Essas almas tão elevadas são sannyāsīs de verdade e estão situadas na ordem de vida renunciada. Aqui se esboça claramente como se renuncia aos frutos do trabalho e com que propósito deve-se renunciar aos frutos.

Texto

aniṣṭam iṣṭaṁ miśraṁ ca
tri-vidhaṁ karmaṇaḥ phalam
bhavaty atyāgināṁ pretya
na tu sannyāsināṁ kvacit

Sinônimos

aniṣṭam — que conduz ao inferno; iṣṭam — que conduz ao céu; miśram — misturado; ca — e; tri-vidham — de três espécies; karmaṇaḥ — de trabalho; phalam — o resultado; bhavati — vem; atyāginām — para aqueles que não são renunciados; pretya — depois da morte; na — não; tu — mas; sannyāsinām — para a ordem renunciada; kvacit — em tempo algum.

Tradução

Para quem não é renunciado, as três espécies de frutos da ação — os desejáveis, os indesejáveis e os mistos — germinam após a morte. Mas aqueles que estão na ordem de vida renunciada não experimentam este resultado sob a forma de sofrimento e prazer.

Comentário

Quem está em consciência de Kṛṣṇa, que age com conhecimento de sua relação com Kṛṣṇa, está sempre liberado. Por isso, após a morte ele não precisa desfrutar ou sofrer os resultados de seus atos.

Texto

pañcaitāni mahā-bāho
kāraṇāni nibodha me
sāṅkhye kṛtānte proktāni
siddhaye sarva-karmaṇām

Sinônimos

pañca — cinco; etāni — estas; mahā-bāho — ó pessoa de braços poderosos; kāraṇāni — causas; nibodha — apenas compreenda; me — de Mim; sāṅkhye — no Vedānta; kṛta-ante — na conclusão; proktāni — ditas; siddhaye — para a perfeição; sarva — de todas; karmaṇām — atividades.

Tradução

Ó Arjuna de braços poderosos, segundo o Vedānta existem cinco causas que levam à concretização de todos os atos. Agora aprenda sobre isto comigo.

Comentário

Talvez alguém pergunte que, tendo toda atividade uma reação, como é que o devoto em consciência de Kṛṣṇa não sofre nem desfruta as reações do trabalho? O Senhor cita a filosofia Vedānta para mostrar como isto é possível. Ele diz que há cinco causas para todas as atividades, e para obter êxito nas atividades, é necessário considerar essas cinco causas. Sāṅkhya significa o tronco da árvore do conhecimento, e o Vedānta é o ramo mais alto desta árvore do conhecimento aceito por todos os principais ācāryas. Até mesmo Śaṅkara aceita o Vedānta-sūtra dessa maneira. Portanto, deve-se consultar tal autoridade.

O controle definitivo está a cargo da Superalma. Como se declara no Bhagavad-gītā: sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭaḥ. Ele ocupa todos em certas atividades, fazendo-os lembrar-se de suas ações passadas. E as atividades conscientes de Kṛṣṇa, que são realizadas sob a orientação que Ele dá internamente, não produzem reação, seja nesta vida, seja na vida após a morte.

Texto

adhiṣṭhānaṁ tathā kartā
karaṇaṁ ca pṛthag-vidham
vividhāś ca pṛthak ceṣṭā
daivaṁ caivātra pañcamam

Sinônimos

adhiṣṭhānam — o lugar; tathā — também; kartā — o trabalhador; karaṇam — os instrumentos; ca — e; pṛthak-vidham — de diferentes tipos; vividhāḥ — vários; ca — e; pṛthak — separados; ceṣṭāḥ — os esforços; daivam — o Supremo; ca — também; eva — decerto; atra — aqui; pañcamam — o quinto.

Tradução

O lugar onde ocorre a ação [o corpo], o executor, os vários sentidos, os vários diferentes tipos de esforço e, por fim, a Superalma — estes são os cinco fatores da ação.

Comentário

A palavra adhiṣṭhānam refere-se ao corpo. A alma dentro do corpo age para produzir os resultados da atividade e por isso é conhecida como kartā, “o executor”. O fato de ser a alma o conhecedor e o ator está afirmado no śruti. Eṣa hi draṣṭā sraṣṭā (Praśna Upaniṣad 4.9). O Vedānta-sūtra também confirma isto nos versos jño ’ta eva (2.3.18) e kartā śāstrārthavattvāt (2.3.33). Os instrumentos da ação são os sentidos, e através dos sentidos a alma age de várias maneiras. Para toda e qualquer ação há um esforço diferente. Mas todas as atividades executadas por alguém, dependem da vontade da Superalma, que como amigo está situado dentro do coração. O Senhor Supremo é a supercausa. Nestas circunstâncias, aquele que sob a direção da Superalma situado no coração age em consciência de Kṛṣṇa naturalmente não se prende a nenhuma atividade. Aqueles em completa consciência de Kṛṣṇa acabam não tendo responsabilidade por suas ações. Tudo depende do que dita a vontade suprema, a Superalma, a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

śarīra-vāṅ-manobhir yat
karma prārabhate naraḥ
nyāyyaṁ vā viparītaṁ vā
pañcaite tasya hetavaḥ

Sinônimos

śarīra — pelo corpo; vāk — fala; manobhiḥ — e mente; yat — que; karma — trabalho; prārabhate — começa; naraḥ — a pessoa; nyāyyam — certo; — ou; viparītam — o oposto; — ou; pañca — cinco; ete — todos esses; tasya — suas; hetavaḥ — causas.

Tradução

Qualquer ação certa ou errada que um homem execute através do corpo, da mente ou da fala tem a causa nestes cinco fatores.

Comentário

Neste verso, as palavras “certa” e “errada” são muito significativas. Trabalho correto é o trabalho feito conforme as orientações contidas nas escrituras, e trabalho errado é o trabalho que vai contra os princípios e preceitos das escrituras. Mas em tudo o que se faz, são necessários estes cinco fatores para que haja uma execução completa.

Texto

tatraivaṁ sati kartāram
ātmānaṁ kevalaṁ tu yaḥ
paśyaty akṛta-buddhitvān
na sa paśyati durmatiḥ

Sinônimos

tatra — ali; evam — assim; sati — sendo; kartāram — o trabalhador; ātmānam — a si mesmo; kevalam — somente; tu — mas; yaḥ — qualquer um que; paśyati — vê; akṛta-buddhitvāt — devido à falta de inteligência; na — nunca; saḥ — ele; paśyati — vê; durmatiḥ — tolo.

Tradução

Portanto, aquele que se considera o único executor e não leva em consideração os cinco fatores com certeza não é muito inteligente e não pode perceber as coisas como elas são.

Comentário

Um tolo não consegue compreender que a Superalma está situado como um amigo dentro de seu coração e conduz todos os seus atos. Embora as causas materiais sejam o lugar, o agente, o empreendimento e os sentidos, a causa final é o Supremo, a Personalidade de Deus. Por isso, devemos ver não só as quatro causas materiais, mas também a suprema causa eficiente. Aquele que não percebe a presença do Supremo julga-se o autor.

Texto

yasya nāhaṅkṛto bhāvo
buddhir yasya na lipyate
hatvāpi sa imāḻ lokān
na hanti na nibadhyate

Sinônimos

yasya — alguém cujo; na — nunca; ahaṅkṛtaḥ — de falso ego; bhāvaḥ — natureza; buddhiḥ — inteligência; yasya — aquele cujo; na — nunca; lipyate — se apega; hatvā — matando; api — mesmo; saḥ — ele; imān — este; lokān — mundo; na — nunca; hanti — mata; na — nunca; nibadhyate — se enreda.

Tradução

Aquele que não é motivado pelo falso ego, cuja inteligência não está enredada, embora mate homens neste mundo, não mata. Tampouco fica preso a suas ações.

Comentário

Neste verso, o Senhor informa a Arjuna que o fato de ele não desejar lutar surge do falso ego. Arjuna julgava-se o autor da ação, mas não estava levando em conta a presença interna e externa da sanção suprema. Se o homem não sabe que existe tão notável sanção, por que deveria agir? Mas aquele que conhece os instrumentos de trabalho, que sabe que é ele quem está agindo, mas que o Senhor Supremo é o supremo sancionador, faz tudo com perfeição. Tal pessoa jamais se ilude. A atividade e responsabilidade pessoais surgem do falso ego e da irreligiosidade, ou falta de consciência de Kṛṣṇa. Qualquer um que esteja agindo em consciência de Kṛṣṇa sob a direção da Superalma ou da Suprema Personalidade de Deus, mesmo que mate, não mata. Tampouco é afetado pela reação deste ato de matar. Quando mata sob o comando de um oficial superior, o soldado não se sujeita a julgamento. Mas se um soldado mata por sua própria conta, então ele certamente é julgado por um tribunal de justiça.

Texto

jñānaṁ jñeyaṁ parijñātā
tri-vidhā karma-codanā
karaṇaṁ karma karteti
tri-vidhaḥ karma-saṅgrahaḥ

Sinônimos

jñānam — conhecimento; jñeyam — o objetivo do conhecimento; parijñātā — o conhecedor; tri-vidhā — de três espécies; karma — de trabalho; codanā — o ímpeto; karaṇam — os sentidos; karma — o trabalho; kartā — o fazedor; iti — assim; tri-vidhaḥ — de três espécies; karma — de trabalho; saṅgrahaḥ — a acumulação.

Tradução

O conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor são os três fatores que motivam a ação; os sentidos, o trabalho e o autor são os três constituintes da ação.

Comentário

Há três espécies de ímpeto para o trabalho diário: o conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor. Os instrumentos do trabalho, o próprio trabalho e o trabalhador chamam-se os constituintes do trabalho. Todo trabalho feito por qualquer ser humano tem estes elementos. Antes que a pessoa aja, existe algum ímpeto, que se chama inspiração. Qualquer solução a que se chegue antes que o trabalho seja efetuado é uma forma sutil de trabalho. Então, o trabalho toma a forma de ação. Primeiro, a pessoa tem que passar por três processos psicológicos — pensar, sentir e querer — e isto se chama ímpeto. A inspiração para o trabalho é a mesma, venha ela da escritura ou da instrução do mestre espiritual. Quando existe a inspiração e existe o trabalhador, então acontece a verdadeira atividade com a ajuda dos sentidos, incluindo a mente, que é o centro de todos os sentidos. O somatório de todos os constituintes de uma atividade chama-se a acumulação do trabalho.

Texto

jñānaṁ karma ca kartā ca
tridhaiva guṇa-bhedataḥ
procyate guṇa-saṅkhyāne
yathāvac chṛṇu tāny api

Sinônimos

jñānam — conhecimento; karma — trabalho; ca — também; kartā — trabalhador; ca — também; tridhā — de três espécies; eva — decerto; guṇa-bhedataḥ — em função dos diferentes modos da natureza material; procyate — diz-se; guṇa-saṅkhyāne — em função dos diferentes modos; yathā-vat — como eles são; śṛṇu — ouça; tāni — todos eles; api — também.

Tradução

Conforme os três diferentes modos da natureza material, há três classes de conhecimento, ação e executor da ação. Agora ouça enquanto falo sobre eles.

Comentário

No Décimo Quarto Capítulo, descreveram-se elaboradamente as três divisões dos modos da natureza material. Naquele capítulo, foi dito que o modo da bondade ilumina, o modo da paixão é materialista e o modo da ignorância conduz à preguiça e indolência. Todos os modos da natureza material prendem, eles não são fontes de liberação. Mesmo no modo da bondade, existe o condicionamento. No Décimo Sétimo Capítulo, foram descritas as diferentes espécies de adoração realizadas pelas diferentes categorias de homens influenciados pelos diferentes modos da natureza material. Neste verso, o Senhor diz que deseja falar sobre os diferentes tipos de conhecimento, de trabalhadores e do próprio trabalho, tomando como referência os três modos materiais.

Texto

sarva-bhūteṣu yenaikaṁ
bhāvam avyayam īkṣate
avibhaktaṁ vibhakteṣu
taj jñānaṁ viddhi sāttvikam

Sinônimos

sarva-bhūteṣu — em todas as entidades vivas; yena — pelo qual; ekam — uma só; bhāvam — situação; avyayam — imperecível; īkṣate — a pessoa vê; avibhaktam — indivisa; vibhakteṣu — divididas no inumerável; tat — esse; jñānam — conhecimento; viddhi — saiba; sāttvikam — no modo da bondade.

Tradução

Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas.

Comentário

Aquele que vê uma alma espiritual em cada ser vivo, seja ele um semideus, um ser humano, um animal, um pássaro, um quadrúpede, um ser aquático ou uma planta, possui conhecimento no modo da bondade. Em todas as entidades vivas há uma alma espiritual, embora elas tenham corpos diferentes em função de seu trabalho anterior. Como se descreveu no Sétimo Capítulo, a manifestação da força vital em cada corpo se deve à natureza superior do Senhor Supremo. Logo, ver esta mesma natureza superior, esta força vital, em cada corpo é ver no modo da bondade. Esta energia vital é imperecível, embora os corpos sejam perecíveis. As diferenças são percebidas em função do corpo. Porque na vida condicionada há muitas formas de existência material, parece que a força vital está dividida. Esse conhecimento impessoal é um aspecto da auto-realização.

Texto

pṛthaktvena tu yaj jñānaṁ
nānā-bhāvān pṛthag-vidhān
vetti sarveṣu bhūteṣu
taj jñānaṁ viddhi rājasam

Sinônimos

pṛthaktvena — por causa da divisão; tu — mas; yat — que; jñānam — conhecimento; nānā-bhāvān — múltiplas situações; pṛthak-vidhān — diferentes; vetti — conhece; sarveṣu — em todas; bhūteṣu — as entidades vivas; tat — esse; jñānam — conhecimento; viddhi — deve ser conhecido; rājasam — em função da paixão.

Tradução

O conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão.

Comentário

O conceito de que o corpo material é a entidade viva e de que com a destruição do corpo a consciência também se extingue chama-se conhecimento no modo da paixão. Conforme este conhecimento, os corpos diferem entre si devido ao desenvolvimento dos diferentes tipos de consciência, pois não há alma alguma que por si só manifeste consciência. O próprio corpo é a alma, e não existe uma alma distinta do corpo. Conforme esse conhecimento, a consciência é temporária. Quer dizer, não existem almas individuais, mas sim uma alma onipenetrante, que é plena em conhecimento, e este corpo é uma manifestação temporária da ignorância. E há aqueles que dizem que além deste corpo não existe uma alma especial individual ou suprema. Todas essas concepções são consideradas produtos do modo da paixão.

Texto

yat tu kṛtsna-vad ekasmin
kārye saktam ahaitukam
atattvārtha-vad alpaṁ ca
tat tāmasam udāhṛtam

Sinônimos

yat — aquilo que; tu — mas; kṛtsna-vat — como o máximo; ekasmin — em um; kārye — trabalho; saktam — apegado; ahaitukam — sem causa; atattva-artha-vat — sem conhecimento da realidade; alpam — muito escasso; ca — e; tat — isso; tāmasam — no modo da escuridão; udāhṛtam — diz-se que é.

Tradução

E o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito escasso, diz-se que está no modo da ignorância.

Comentário

O “conhecimento” do homem comum sempre está no modo da escuridão ou ignorância porque na vida condicionada todos os seres vivos nascem no modo da ignorância. Aquele cujo conhecimento não é obtido das autoridades ou dos preceitos das escrituras tem um conhecimento que se limita ao corpo. Ele não está interessado em agir segundo as direções das escrituras. Para ele Deus é o dinheiro, e conhecimento significa satisfazer as necessidades corpóreas. Semelhante conhecimento não tem relação alguma com a Verdade Absoluta. É basicamente igual ao conhecimento dos animais comuns: ter conhecimento de que todos devem comer, dormir, defender-se e acasalar-se. Aqui se descreve que esse conhecimento é um produto do modo da escuridão. Em outras palavras, o conhecimento referente à alma espiritual que está situada além deste corpo chama-se conhecimento no modo da bondade; o conhecimento que por força da lógica mundana e da especulação mental produz muitas teorias e doutrinas é um produto do modo da paixão; e diz-se que está no modo da ignorância o conhecimento que só se refere ao conforto físico.

Texto

niyataṁ saṅga-rahitam
arāga-dveṣataḥ kṛtam
aphala-prepsunā karma
yat tat sāttvikam ucyate

Sinônimos

niyatam — regulada; saṅga-rahitam — sem apego; arāga-dveṣataḥ — sem amor nem ódio; kṛtam — feita; aphala-prepsunā — por alguém sem desejo de resultado fruitivo; karma — ação; yat — que; tat — isso; sāttvikam — no modo da bondade; ucyate — chama-se.

Tradução

A ação que é regulada, e que se executa sem apego, sem amor nem repulsa, e sem desejo de resultados fruitivos, diz-se que está no modo da bondade.

Comentário

Os deveres ocupacionais regulados que as escrituras prescrevem em função das diferentes ordens e divisões da sociedade, executados sem apego nem direitos de propriedade e, portanto, sem nenhum amor nem repulsa, e executados em consciência de Kṛṣṇa para a satisfação do Supremo, sem interesse por desfrute pessoal, chamam-se atos no modo da bondade.

Texto

yat tu kāmepsunā karma
sāhaṅkāreṇa vā punaḥ
kriyate bahulāyāsaṁ
tad rājasam udāhṛtam

Sinônimos

yat — aquilo que; tu — mas; kāma-īpsunā — por alguém com desejos dos resultados fruitivos; karma — trabalho; sa-ahaṅkāreṇa — com ego; — ou; punaḥ — de novo; kriyate — é executado; bahula-āyāsam — com grande trabalho; tat — isso; rājasam — no modo da paixão; udāhṛtam — diz-se que é.

Tradução

Mas a ação executada com grande esforço por alguém que busca satisfazer seus desejos, e efetuada devido a uma sensação de falso ego, chama-se ação no modo da paixão.

Texto

anubandhaṁ kṣayaṁ hiṁsām
anapekṣya ca pauruṣam
mohād ārabhyate karma
yat tat tāmasam ucyate

Sinônimos

anubandham — de cativeiro futuro; kṣayam — destruição; hiṁsām — e sofrimento para os outros; anapekṣya — sem considerar as conseqüências; ca — também; pauruṣam — auto-sancionado; mohāt — pela ilusão; ārabhyate — é iniciado; karma — trabalho; yat — que; tat — isso; tāmasam — no modo da ignorância; ucyate — diz-se que é.

Tradução

A ação executada em ilusão, que não leva em conta os preceitos das escrituras, e em que não há preocupação com cativeiro futuro ou com violência ou sofrimento causados aos outros diz-se que está no modo da ignorância.

Comentário

De tudo o que se faz, tem-se que prestar contas ao Estado ou aos agentes do Senhor Supremo chamados Yamadūtas. O trabalho irresponsável é nocivo, porque destrói os princípios reguladores existentes nos preceitos das escrituras. Muitas vezes baseia-se na violência e aflige as outras entidades vivas. Tal trabalho irresponsável é executado à luz da própria experiência pessoal. Isto se chama ilusão. E todo esse trabalho ilusório é um produto do modo da ignorância.

Texto

mukta-saṅgo ’nahaṁ-vādī
dhṛty-utsāha-samanvitaḥ
siddhy-asiddhyor nirvikāraḥ
kartā sāttvika ucyate

Sinônimos

mukta-saṅgaḥ — liberado de toda a associação material; anaham-vādī — sem falso ego; dhṛti — com determinação; utsāha — e grande entusiasmo; samanvitaḥ — qualificado; siddhi — em perfeição; asiddhyoḥ — e fracasso; nirvikāraḥ — sem mudança; kartā — trabalhador; sāttvikaḥ — no modo da bondade; ucyate — diz-se que é.

Tradução

Aquele que executa seu dever sem entrar em contato com os modos da natureza material, sem falso ego, com grande determinação e entusiasmo, e sem se deixar levar pelo sucesso ou pelo fracasso diz-se que é um trabalhador no modo da bondade.

Comentário

O devoto consciente de Kṛṣṇa é sempre transcendental aos modos da natureza material. Ele não fica na expectativa dos resultados do trabalho que lhe foi confiado, porque está acima do falso ego e do orgulho. Mesmo assim, é sempre entusiasta até o término de cada obra. Ele não se preocupa com as dificuldades a que se submete e está sempre entusiasmado. Não liga a sucesso ou fracasso; é igual tanto no sofrimento quanto na felicidade. Tal trabalhador está situado no modo da bondade.

Texto

rāgī karma-phala-prepsur
lubdho hiṁsātmako ’śuciḥ
harṣa-śokānvitaḥ kartā
rājasaḥ parikīrtitaḥ

Sinônimos

rāgī — muito apegado; karma-phala — ao fruto do trabalho; prepsuḥ — desejando; lubdhaḥ — cobiçoso; hiṁsā-ātmakaḥ — sempre invejoso; aśuciḥ — sujo; harṣa-śoka-anvitaḥ — sujeito a alegria e dor; kartā — tal trabalhador; rājasaḥ — no modo da paixão; parikīrtitaḥ — é declarado.

Tradução

O trabalhador que se apega ao trabalho e aos frutos do trabalho, desejando gozar esses frutos, e que é cobiçoso, sempre invejoso, impuro e que se deixa afetar pela alegria e tristeza, diz-se que está no modo da paixão.

Comentário

O ser humano é muitíssimo apegado a certo tipo de trabalho ou a seu resultado, porque tem excessivo apego ao materialismo ou ao conforto do lar, à esposa e aos filhos. Semelhante pessoa não deseja maior elevação na vida. Tudo o que lhe interessa é estar o mais confortável possível neste mundo material. Em geral, é muito ganancioso e pensa que tudo o que conseguiu é permanente e nunca sairá de suas mãos. Ele inveja os outros e em troca de gozo dos sentidos está disposto a cometer qualquer falcatrua. Por isso, tal homem é impuro, e pouco lhe interessa se seu ganho é limpo ou sujo. Fica muito feliz se seu trabalho tem êxito e fica muito aflito quando seu trabalho não é bem-sucedido. Assim é o trabalhador no modo da paixão.

Texto

ayuktaḥ prākṛtaḥ stabdhaḥ
śaṭho naiṣkṛtiko ’lasaḥ
viṣādī dīrgha-sūtrī ca
kartā tāmasa ucyate

Sinônimos

ayuktaḥ — sem se referir aos preceitos das escrituras; prākṛtaḥ — materia- lista; stabdhaḥ — obstinado; śaṭhaḥ — enganador; naiṣkṛtikaḥ — perito em insultar os outros; alasaḥ — preguiçoso; viṣādī — desanimado; dīrgha-sūtrī — moroso; ca — também; kartā — trabalhador; tāmasaḥ — no modo da ignorância; ucyate — diz-se que é.

Tradução

O trabalhador que sempre está ocupado em trabalho contra os preceitos das escrituras, que é materialista, obstinado, trapaceiro e perito em insultar os outros, e que é preguiçoso, sempre desanimado e irresoluto diz-se que é um trabalhador no modo da ignorância.

Comentário

Os preceitos das escrituras nos ensinam que tipo de trabalho deve ser executado e que espécie de trabalho não deve ser executado. Aqueles que não ligam para estes preceitos ocupam-se em trabalho que não deve ser feito, e em geral são materialistas. Eles trabalham conforme os modos da natureza, e não conforme os preceitos das escrituras. Tais trabalhadores não são muito gentis, e em geral são sempre astutos e peritos em insultar os outros. São muito preguiçosos; mesmo que tenham algum dever, eles não o executam apropriadamente e deixam para fazê-lo mais tarde. Por isso, eles parecem estar desanimados. Eles deixam tudo para amanhã; tudo o que pode ser feito numa hora, eles levam anos e mais anos. Tais trabalhadores estão situados no modo da ignorância.

Texto

buddher bhedaṁ dhṛteś caiva
guṇatas tri-vidhaṁ śṛṇu
procyamānam aśeṣeṇa
pṛthaktvena dhanañ-jaya

Sinônimos

buddheḥ — de inteligência; bhedam — as diferenças; dhṛteḥ — de firmeza; ca — também; eva — decerto; guṇataḥ — pelos modos da natureza material; tri-vidham — de três espécies; śṛṇu — ouça apenas; procyamānam — como foi descrito por Mim; aśeṣeṇa — em minúcias; pṛthaktvena — diferentemente; dhanañjaya — ó conquistador de riquezas.

Tradução

Ó conquistador de riquezas, agora por favor ouça enquanto lhe falo com detalhes sobre as diferentes espécies de entendimento e de determinação, segundo os três modos da natureza material.

Comentário

Agora, depois de explicar o conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor, em três divisões diferentes segundo os modos da natureza material, o Senhor passa a explicar da mesma forma a inteligência e a determinação do trabalhador.

Texto

pravṛttiṁ ca nivṛttiṁ ca
kāryākārye bhayābhaye
bandhaṁ mokṣaṁ ca yā vetti
buddhiḥ sā pārtha sāttvikī

Sinônimos

pravṛttim — o que fazer; ca — também; nivṛttim — o que não fazer; ca — e; kārya — o que deve ser feito; akārye — e o que não deve ser feito; bhaya — medo; abhaye — e destemor; bandham — cativeiro; mokṣam — liberação; ca — e; — aquilo que; vetti — sabe; buddhiḥ — compreensão; — essa; pārtha — ó filho de Pṛthā; sāttvikī — no modo da bondade.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, esta compreensão pela qual se sabe o que deve ser feito e o que não deve ser feito, o que se deve temer e o que não se deve temer, o que prende e o que liberta, está no modo da bondade.

Comentário

Executar ações segundo as direções das escrituras chama-se pravṛtti, ou executar ações que merecem ser realizadas. E ações que não seguem essa orientação não devem ser executadas. Quem não conhece as direções das escrituras se enreda nas ações e reações do trabalho. A compreensão que discrimina por meio da inteligência está no modo da bondade.

Texto

yayā dharmam adharmaṁ ca
kāryaṁ cākāryam eva ca
ayathāvat prajānāti
buddhiḥ sā pārtha rājasī

Sinônimos

yayā — pela qual; dharmam — os princípios da religião; adharmam — irreligião; ca — e; kāryam — o que deve ser feito; ca — também; akāryam — o que não deve ser feito; eva — decerto; ca — também; ayathā-vat — imperfeitamente; prajānāti — conhece; buddhiḥ — inteligência; — esta; pārtha — ó filho de Pṛthā; rājasī — no modo da paixão.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, a compreensão que não distingue entre religião e irreligião, entre a ação que deve ser executada e ação que não deve ser executada, está no modo da paixão.

Texto

adharmaṁ dharmam iti yā
manyate tamasāvṛtā
sarvārthān viparītāṁś ca
buddhiḥ sā pārtha tāmasī

Sinônimos

adharmam — irreligião; dharmam — religião; iti — assim; — a qual; manyate — pensa; tamasā — pela ilusão; āvṛtā — encoberta; sarva-arthān — todas as coisas; viparītān — na direção errada; ca — também; buddhiḥ — inteligência; — esta; pārtha — ó filho de Pṛthā; tāmasī — no modo da ignorância.

Tradução

A compreensão que considera a irreligião como religião e a religião como irreligião, que está sob o encanto da ilusão e da escuridão, e se esforça sempre na direção errada, ó Pārtha, está no modo da ignorância.

Comentário

A inteligência no modo da ignorância sempre trabalha ao contrário do que devia. Aceita religiões que na verdade não são religiões e rejeita a verdadeira religião. Os homens que vivem na ignorância tomam uma grande alma por um homem comum e aceitam um homem comum como uma grande alma. Pensam que a verdade é inverdade, e aceitam inverdade como verdade. Em todas as suas atividades, eles sempre tomam o caminho errado, por isso, sua inteligência está no modo da ignorância.

Texto

dhṛtyā yayā dhārayate
manaḥ-prāṇendriya-kriyāḥ
yogenāvyabhicāriṇyā
dhṛtiḥ sā pārtha sāttvikī

Sinônimos

dhṛtyā — determinação; yayā — pela qual; dhārayate — a pessoa sustenta; manaḥ — da mente; prāṇa — vida; indriya — e sentidos; kriyāḥ — as atividades; yogena — pela prática de yoga; avyabhicāriṇyā — sem nenhuma quebra; dhṛtiḥ — determinação; — esta; pārtha — ó filho de Pṛthā; sāttvikī — no modo da bondade.

Tradução

Ó filho de Pṛthā, a determinação que não cede, que através da prática de yoga ganha muita firmeza, e controla assim as atividades da mente, da vida e dos sentidos, é determinação no modo da bondade.

Comentário

A yoga é um meio para se compreender a Alma Suprema. Aquele que com determinação está bem fixo na Alma Suprema, concentrando a mente, vida e atividades sensórias no Supremo, ocupa-se em consciência de Kṛṣṇa. Este tipo de determinação está no modo da bondade. A palavra avyabhicāriṇyā é muito significativa, pois indica que aqueles que se ocupam em consciência de Kṛṣṇa jamais se deixam levar por alguma outra atividade.

Texto

yayā tu dharma-kāmārthān
dhṛtyā dhārayate ’rjuna
prasaṅgena phalākāṅkṣī
dhṛtiḥ sā pārtha rājasī

Sinônimos

yayā — pela qual; tu — mas; dharma — religiosidade; kāma — gozo dos sentidos; arthān — e desenvolvimento econômico; dhṛtyā — por determinação; dhārayate — a pessoa sustenta; arjuna — ó Arjuna; prasaṅgena — por causa do apego; phala-ākāṅkṣī — desejando resultados fruitivos; dhṛtiḥ — determinação; — esta; pārtha — ó filho de Pṛthā; rājasī — no modo da paixão.

Tradução

Mas a determinação pela qual o homem se atém aos resultados fruitivos da religião, do desenvolvimento econômico e do gozo dos sentidos é da natureza da paixão, ó Arjuna.

Comentário

Qualquer pessoa que esteja sempre desejosa dos resultados fruitivos das atividades religiosas ou econômicas, cujo único interesse é o gozo dos sentidos, e cuja mente, vida e sentidos ocupam-se de maneira semelhante, está no modo da paixão.

Texto

yayā svapnaṁ bhayaṁ śokaṁ
viṣādaṁ madam eva ca
na vimuñcati durmedhā
dhṛtiḥ sā pārtha tāmasī

Sinônimos

yayā — pela qual; svapnam — sonho; bhayam — temor; śokam — lamentação; viṣādam — melancolia; madam — ilusão; eva — decerto; ca — também; na — nunca; vimuñcati — a pessoa desiste; durmedhā — sem inteligência; dhṛtiḥ — determinação; — essa; pārtha — ó filho de Pṛthā; tāmasī — no modo da ignorância.

Tradução

E a determinação que não pode transpor o sonho, o temor, a lamentação, a melancolia e a ilusão — tal determinação ininteligente, ó filho de Pṛthā, está no modo da escuridão.

Comentário

Ninguém deve concluir que no modo da bondade não se sonha. Aqui, “sonho” quer dizer sono excessivo. O sonho sempre está presente, no modo da bondade, paixão ou ignorância; o sonho é uma ocorrência natural. Mas considera-se que a determinação daqueles que não podem deixar de dormir muito, que se orgulham de desfrutar os objetos materiais, que vivem sonhando em assenhorear-se do mundo material, e cuja vida, mente e sentidos têm essa ocupação, está no modo da ignorância.

Texto

sukhaṁ tv idānīṁ tri-vidhaṁ
śṛṇu me bharatarṣabha
abhyāsād ramate yatra
duḥkhāntaṁ ca nigacchati

Sinônimos

sukham — felicidade; tu — mas; idānīm — agora; tri-vidham — de três espécies; śṛṇu — ouça; me — de Mim; bharata-ṛṣabha — ó melhor entre os Bhāratas; abhyāsāt — pela prática; ramate — a pessoa desfruta; yatra — onde; duḥkha — de sofrimento; antam — o fim; ca — também; nigacchati — ganha.

Tradução

Ó melhor dos Bhāratas, agora por favor ouça enquanto falo sobre as três espécies de felicidade em que a alma condicionada desfruta, e pela qual ela às vezes chega ao final de seu sofrimento.

Comentário

A alma condicionada não pára de tentar desfrutar a felicidade material. Assim, ela mastiga o mastigado. Mas às vezes, na busca deste prazer, ela se livra do enredamento material e obtém a associação de uma grande alma. Em outras palavras, a alma condicionada está sempre ocupada em algum tipo de gozo dos sentidos, mas quando ela compreende, através de uma boa associação, que isto é uma mera repetição da mesma coisa e desperta para a sua verdadeira consciência de Kṛṣṇa, ela pode se livrar dessa repetitiva felicidade ilusória.

Texto

yat tad agre viṣam iva
pariṇāme ’mṛtopamam
tat sukhaṁ sāttvikaṁ proktam
ātma-buddhi-prasāda-jam

Sinônimos

yat — que; tat — isso; agre — no começo; viṣam iva — como veneno; pariṇāme — no fim; amṛta — néctar; upamam — comparado a; tat — isso; sukham — felicidade; sāttvikam — no modo da bondade; proktam — se diz; ātma — no eu; buddhi — de inteligência; prasāda-jam — nascida da satisfação.

Tradução

Aquilo que no começo pode parecer veneno, mas que no final é tal qual néctar e que causa o despertar da auto-realização diz-se que é felicidade no modo da bondade.

Comentário

Na busca da auto-realização, o praticante tem que seguir muitas regras e regulações para controlar a mente e os sentidos e para concentrar a mente no eu. Todos esses procedimentos são muito difíceis, amargos como veneno, mas se ele tem êxito em seguir as regulações e chega à posição transcendental, ele começa a beber o verdadeiro néctar e desfruta a vida.

Texto

viṣayendriya-saṁyogād
yat tad agre ’mṛtopamam
pariṇāme viṣam iva
tat sukhaṁ rājasaṁ smṛtam

Sinônimos

viṣaya — dos objetos dos sentidos; indriya — e os sentidos; saṁyogāt — da combinação; yat — que; tat — isso; agre — no começo; amṛta-upamam — exatamente como néctar; pariṇāme — no fim; viṣam iva — como veneno; tat — isso; sukham — felicidade; rājasam — no modo da paixão; smṛtam — considera-se.

Tradução

A felicidade que deriva do contato dos sentidos com seus objetos e que parece néctar no começo mas no final é um veneno diz-se que é da natureza da paixão.

Comentário

Um rapaz se encontra com uma moça, e os sentidos impelem-no a vê-la, a tocá-la e a ter relação sexual com ela. No começo, isto pode ser muito agradável para os sentidos, mas no final, ou passado algum tempo, isto torna-se exatamente como veneno. Eles se separam ou pedem divórcio, e surge a lamentação, a dor, etc. Semelhante felicidade está sempre no modo da paixão. A felicidade derivada duma combinação dos sentidos e dos objetos dos sentidos é sempre uma causa de sofrimento e deve ser evitada a todo o custo.

Texto

yad agre cānubandhe ca
sukhaṁ mohanam ātmanaḥ
nidrālasya-pramādotthaṁ
tat tāmasam udāhṛtam

Sinônimos

yat — aquilo que; agre — no começo; ca — também; anubandhe — no fim; ca — também; sukham — felicidade; mohanam — ilusória; ātmanaḥ — do eu; nidrā — sono; ālasya — preguiça; pramāda — e ilusão; uttham — produzida de; tat — isso; tāmasam — no modo da ignorância; udāhṛtam — diz-se que é.

Tradução

E se diz que a felicidade que é cega para a auto-realização, que é ilusão do começo ao fim, e que surge do sono, da preguiça e da ilusão é da natureza da ignorância.

Comentário

Quem sente prazer na preguiça e no sono na certa está no modo da escuridão, ignorância, e quem não faz idéia de como é que deve e não deve agir também está no modo da ignorância. Para quem está no modo da ignorância, tudo é ilusão. Não existe felicidade nem no começo nem no fim. Para o homem no modo da paixão pode haver no começo alguma espécie de felicidade efêmera que acaba em sofrimento, mas para quem está no modo da ignorância só existe sofrimento tanto no começo quanto no fim.

Texto

na tad asti pṛthivyāṁ vā
divi deveṣu vā punaḥ
sattvaṁ prakṛti-jair muktaṁ
yad ebhiḥ syāt tribhir guṇaiḥ

Sinônimos

na — não; tat — isso; asti — há; pṛthivyām — na terra; — ou; divi — no sistema planetário superior; deveṣu — entre os semideuses; — ou; punaḥ — de novo; sattvam — existência; prakṛti-jaiḥ — nascidos da natureza material; muktam — liberada; yat — que; ebhiḥ — da influência destes; syāt — está; tribhiḥ — três; guṇaiḥ — modos da natureza material.

Tradução

Aqui ou entre os semideuses nos sistemas planetários superiores, não existe ser algum que esteja livre destes três modos nascidos da natureza material.

Comentário

O Senhor resume neste verso a influência total que os três modos da natureza material exercem sobre todo o Universo.

Texto

brāhmaṇa-kṣatriya-viśāṁ
śūdrāṇāṁ ca paran-tapa
karmāṇi pravibhaktāni
svabhāva-prabhavair guṇaiḥ

Sinônimos

brāhmaṇa — dos brāhmaṇas; kṣatriya — os kṣatriyas; viśām — e os vaiśyas; śūdrāṇām — dos śūdras; ca — e; parantapa — ó subjugador dos inimigos; karmāṇi — as atividades; pravibhaktāni — são divididas; svabhāva — sua própria natureza; prabhavaiḥ — nascidas de; guṇaiḥ — pelos modos da natureza material.

Tradução

Os brāhmaṇas, os kṣatriyas, os vaiśyas e os śūdras distinguem-se pelas qualidades que nascem de suas próprias naturezas de acordo com os modos materiais, ó castigador do inimigo.

Texto

śamo damas tapaḥ śaucaṁ
kṣāntir ārjavam eva ca
jñānaṁ vijñānam āstikyaṁ
brahma-karma svabhāva-jam

Sinônimos

śamaḥ — tranqüilidade; damaḥ — autocontrole; tapaḥ — austeridade; śaucam — pureza; kṣāntiḥ — tolerância; ārjavam — honestidade; eva — decerto; ca — e; jñānam — conhecimento; vijñānam — sabedoria; āstikyam — religiosidade; brahma — de um brāhmaṇa; karma — dever; svabhāva-jam — nascido de sua própria natureza.

Tradução

Tranqüilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerância, honestidade, conhecimento, sabedoria e religiosidade — são estas as qualidades naturais com as quais os brāhmaṇas agem.

Texto

śauryaṁ tejo dhṛtir dākṣyaṁ
yuddhe cāpy apalāyanam
dānam īśvara-bhāvaś ca
kṣātraṁ karma svabhāva-jam

Sinônimos

śauryam — heroísmo; tejaḥ — poder; dhṛtiḥ — determinação; dākṣyam — destreza; yuddhe — na batalha; ca — e; api — também; apalāyanam — que não foge; dānam — generosidade; īśvara — de liderança; bhāvaḥ — a natureza; ca — e; kṣātram — de um kṣatriya; karma — o dever; svabhāva-jam — nascido de sua própria natureza.

Tradução

Heroísmo, poder, determinação, destreza, coragem na batalha, generosidade e liderança são as qualidades naturais das atividades dos kṣatriyas.

Texto

kṛṣi-go-rakṣya-vāṇijyaṁ
vaiśya-karma svabhāva-jam
paricaryātmakaṁ karma
śūdrasyāpi svabhāva-jam

Sinônimos

kṛṣi — agricultura; go — das vacas; rakṣya — proteção; vāṇijyam — comércio; vaiśya — de um vaiśya; karma — o dever; svabhāva-jam — nascido de sua própria natureza; paricaryā — serviço; ātmakam — que consiste em; karma — dever; śūdrasya — do śūdra; api — também; svabhāva-jam — nascido de sua própria natureza.

Tradução

A agricultura, a proteção às vacas, e o comércio são as atividades naturais dos vaiśyas, e os śūdras devem executar trabalho e serviço para os outros.

Texto

sve sve karmaṇy abhirataḥ
saṁsiddhiṁ labhate naraḥ
sva-karma-nirataḥ siddhiṁ
yathā vindati tac chṛṇu

Sinônimos

sve sve — cada um o seu; karmaṇi — trabalho; abhirataḥ — seguindo; saṁsiddhim — perfeição; labhate — alcança; naraḥ — um homem; sva-karma — em seu próprio dever; nirataḥ — ocupado; siddhim — perfeição; yathā — como; vindati — alcança; tat — isso; śṛṇu — ouça.

Tradução

Sujeitando-se às qualidades de seu trabalho, cada um pode tornar-se perfeito. Agora, por favor, ouça enquanto falo como é que alguém pode tomar essa atitude.

Texto

yataḥ pravṛttir bhūtānāṁ
yena sarvam idaṁ tatam
sva-karmaṇā tam abhyarcya
siddhiṁ vindati mānavaḥ

Sinônimos

yataḥ — de quem; pravṛttiḥ — a emanação; bhūtānām — de todas as entidades vivas; yena — por quem; sarvam — tudo; idam — isto; tatam — é penetrado; sva-karmaṇā — por seus próprios deveres; tam — a Ele; abhyarcya — adorando; siddhim — perfeição; vindati — consegue; mānavaḥ — um homem.

Tradução

Prestando adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é onipenetrante, o homem pode atingir a perfeição através da execução de seu próprio trabalho.

Comentário

Como se afirmou no Décimo Quinto Capítulo, todos os seres vivos são partes integrantes fragmentárias do Senhor Supremo. Logo, o Senhor Supremo é a origem de todas as entidades vivas. Isto é confirmado no Vedānta-sūtra janmādy asya yataḥ. O Senhor Supremo é portanto o começo da vida de todo ser vivo. E como se afirmou no Sétimo Capítulo do Bhagavad-gītā, o Senhor Supremo, por meio de Suas duas energias, Sua energia externa e Sua energia interna, é onipenetrante. Portanto, deve-se adorar o Senhor Supremo junto com Suas energias. Em geral, os devotos vaiṣṇavas adoram o Senhor Supremo com Sua energia interna. Sua energia externa é um reflexo pervertido da energia interna. A energia externa serve de fundo, mas o Senhor Supremo, através da expansão de Sua porção plenária, o Paramātmā, está em toda a parte. Ele é a Superalma de todos os semideuses, de todos os seres humanos e de todos os animais existentes em toda a parte. Portanto, devemos saber que, como partes integrantes do Senhor Supremo, temos como dever prestar serviço ao Supremo. É nosso dever ocuparmo-nos em serviço devocional ao Senhor em plena consciência de Kṛṣṇa. Este verso recomenda isto.

Todos devem pensar que estão engajados num tipo de atividade específica designada por Hṛṣīkeśa, o senhor dos sentidos. E com o resultado do trabalho em que se ocupa, ele deve adorar a Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa. Se sempre mantiver esse pensamento, em plena consciência de Kṛṣṇa, então, pela graça do Senhor, ele passa a saber de tudo. Esta é a perfeição da vida. No Bhagavad-gītā (12.7), o Senhor diz que teṣām ahaṁ samuddhartā. O próprio Senhor Supremo Se encarrega de liberar tal devoto. Esta é a mais elevada perfeição da vida. Seja qual for a atividade em que ele se ocupe, se prestar serviço ao Senhor Supremo, ele alcançará a perfeição máxima.

Texto

śreyān sva-dharmo viguṇaḥ
para-dharmāt sv-anuṣṭhitāt
svabhāva-niyataṁ karma
kurvan nāpnoti kilbiṣam

Sinônimos

śreyān — melhor; sva-dharmaḥ — sua própria ocupação; viguṇaḥ — executada imperfeitamente; para-dharmāt — do que a ocupação alheia; su-anuṣṭhitāt — executada perfeitamente; svabhāva-niyatam — prescrito conforme a própria natureza; karma — trabalho; kurvan — executando; na — nunca; āpnoti — alcança; kilbiṣam — reações pecaminosas.

Tradução

É melhor alguém dedicar-se à sua própria ocupação, mesmo que a execute imperfeitamente, do que aceitar a ocupação alheia, executando-a com perfeição. Os deveres prescritos conforme a natureza da pessoa nunca são afetados por reações pecaminosas.

Comentário

Nosso dever ocupacional está prescrito no Bhagavad-gītā. Como já se discutiu nos versos anteriores, os deveres do brāhmaṇa, do kṣatriya, do vaiśya e do śūdra são prescritos segundo os modos da natureza em que eles se encaixam especificamente. Ninguém deve imitar as tarefas alheias. Um homem que por natureza se sente atraído à espécie de trabalho próprio dos śūdras não deve alegar artificialmente que é um brāhmaṇa, embora possa ter nascido numa família de brāhmaṇas. Dessa maneira, todos devem trabalhar segundo sua própria natureza; nenhum trabalho executado a serviço do Senhor Supremo é abominável. O dever ocupacional do brāhmaṇa com certeza está no modo da bondade, mas se alguém não está por natureza no modo da bondade, ele não deve imitar o dever ocupacional de um brāhmaṇa.

Existem tantas tarefas abomináveis que cabem a um kṣatriya, ou administrador: o kṣatriya precisa usar de violência contra seus inimigos e às vezes tem que mentir usando de diplomacia. Esta violência e duplicidade fazem parte das atividades políticas, mas o kṣatriya não deve abandonar suas tarefas para tentar executar os deveres de um brāhmaṇa.

Todos devem agir para satisfazer o Senhor Supremo. Por exemplo, Arjuna era um kṣatriya. Ele estava hesitando em combater o grupo oponente. Mas se a luta é em prol de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, a pessoa não precisa ter medo de degradar-se. No campo dos negócios também, às vezes o comerciante tem de dizer muitas mentiras para obter lucro. Se não adotar esse procedimento, não haverá lucro. Às vezes, o comerciante diz: “Oh, meu querido freguês, não estou tirando nenhum lucro de você”, mas é bom saber que sem lucro o comerciante não pode existir. Portanto, deve-se saber que é uma pequena mentira quando um comerciante diz que não está tendo lucro. Mas o comerciante não deve pensar que, como se dedica a uma ocupação em que é compulsório dizer mentiras, ele deve abandonar sua profissão e passar a exercer a profissão de um brāhmaṇa. Não se recomenda isto. Não importa se alguém é kṣatriya, vaiśya ou śūdra, contanto que, com seu trabalho, ele sirva à Suprema Personalidade de Deus. Mesmo os brāhmaṇas, que executam diferentes espécies de sacrifício, às vezes devem matar animais porque há certas cerimônias em que se sacrificam animais. De modo semelhante, se um kṣatriya, ocupado em sua própria profissão mata um inimigo, não comete pecado algum. O Terceiro Capítulo explicou de maneira clara e detalhada esses assuntos; todo homem deve trabalhar em benefício de Yajña, ou Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus. Tudo o que é feito para o gozo dos próprios sentidos é causa de cativeiro. A conclusão é que todos devem ocupar-se conforme o modo específico da natureza que adquiriram e devem aceitar trabalhar apenas para servir à causa suprema do Senhor Supremo.

Texto

saha-jaṁ karma kaunteya
sa-doṣam api na tyajet
sarvārambhā hi doṣeṇa
dhūmenāgnir ivāvṛtāḥ

Sinônimos

saha-jam — nascido simultaneamente; karma — trabalho; kaunteya — ó filho de Kuntī; sa-doṣam — com defeito; api — embora; na — nunca; tyajet — a pessoa deve renunciar; sarva-ārambhāḥ — todos os empenhos; hi — decerto; doṣeṇa — com defeito; dhūmena — com fumaça; agniḥ — fogo; iva — como; āvṛtāḥ — encoberto.

Tradução

Todo empenho é mesclado com algum defeito, assim como o fogo é coberto pela fumaça. Por isso, ninguém deve abandonar o trabalho nascido de sua natureza, ó filho de Kuntī, mesmo que esse trabalho seja cheio de defeitos.

Comentário

Na vida condicionada, todo trabalho está contaminado pelos modos da natureza material. Mesmo que alguém seja um brāhmaṇa, ele terá que executar sacrifícios em que seja necessário matar animais. Igualmente, um kṣatriya, por mais piedoso que seja, tem de combater os inimigos. Ele não pode evitar isso. Do mesmo modo, um comerciante, por mais piedoso que seja, às vezes para continuar fazendo negócios deve esconder seu lucro, ou às vezes precisa negociar no mercado negro. Estas manobras são necessárias; não se podem evitar. De maneira semelhante, se um śūdra está servindo a um patrão ruim, o indivíduo deve cumprir a ordem do patrão, mesmo que tal ato não deva ser executado. Apesar desses inconvenientes, o homem deve continuar a executar seus deveres prescritos, pois eles nascem de sua própria natureza.

Nesta passagem, há um exemplo muito bom. Embora o fogo seja puro, mesmo assim produz fumaça. No entanto, a fumaça não faz o fogo ficar impuro. Embora haja fumaça no fogo, o fogo continua sendo considerado o mais puro de todos os elementos. Se alguém prefere abandonar o trabalho de kṣatriya e adotar a ocupação de brāhmaṇa, não há garantia de que esta ocupação de brāhmaṇa não lhe reserve deveres desagradáveis. Pode-se então concluir que no mundo material ninguém pode estar inteiramente livre da contaminação da natureza material. Dentro deste contexto, o exemplo do fogo e da fumaça é muito apropriado. Quando no inverno tira-se uma pedra do fogo, a fumaça às vezes incomoda os olhos e outras partes do corpo, mas mesmo assim deve-se fazer uso do fogo apesar das condições inconvenientes. Igualmente, ninguém deve abandonar sua ocupação natural porque há certos elementos perturbadores. Ao contrário, desempenhando seu dever ocupacional em consciência de Kṛṣṇa, todos devem estar determinados a servir ao Senhor Supremo. Este é o ponto da perfeição. Quando se executa um tipo específico de ocupação para a satisfação do Senhor Supremo, todos os defeitos que acaso existam nesta ocupação particular são purificados. Quando os resultados do trabalho se purificam, porque estão ligados ao serviço devocional, será alcançada a auto-realização, ou a perfeição de ver o eu dentro de si.

Texto

asakta-buddhiḥ sarvatra
jitātmā vigata-spṛhaḥ
naiṣkarmya-siddhiṁ paramāṁ
sannyāsenādhigacchati

Sinônimos

asakta-buddhiḥ — tendo inteligência desapegada; sarvatra — em toda a parte; jita-ātmā — tendo o controle da mente; vigata-spṛhaḥ — sem desejos materiais; naiṣkarmya-siddhim — a perfeição da não-reação; paramām — suprema; sannyāsena — pela ordem de vida renunciada; adhigacchati — ele atinge.

Tradução

Quem é autocontrolado e desapegado e não se interessa por nenhum prazer material, pode obter através da prática da renúncia, a fase perfeita mais elevada, que é estar livre de reação.

Comentário

A verdadeira renúncia significa que o ser humano deve sempre se considerar parte integrante do Senhor Supremo e por isso saber que não tem o direito de desfrutar os resultados do trabalho. Por ser parte integrante do Senhor Supremo, os resultados de seu trabalho devem ser desfrutados pelo Senhor Supremo. Isto é verdadeira consciência de Kṛṣṇa. Aquele que age em consciência de Kṛṣṇa é um sannyāsī de verdade, alguém na ordem de vida renunciada. Através dessa mentalidade, ele ficará satisfeito porque de fato está agindo para o Supremo. Logo, ele não tem nenhum apego material; ele acostuma-se a sentir prazer apenas na felicidade transcendental derivada do serviço ao Senhor. Supõe-se que o sannyāsī esteja livre das reações de suas atividades passadas, mas quem está em consciência de Kṛṣṇa automaticamente alcança esta perfeição e nem ao menos precisa aceitar a suposta ordem de renúncia. Este estado de espírito chama-se yogārūḍha, ou a fase de perfeição da yoga. Como se confirmou no Terceiro Capítulo, yas tv ātma-ratir eva syāt: quem sente satisfação em seu próprio eu, não teme nenhuma espécie de reação nas atividades que executa.

Texto

siddhiṁ prāpto yathā brahma
tathāpnoti nibodha me
samāsenaiva kaunteya
niṣṭhā jñānasya yā parā

Sinônimos

siddhim — perfeição; prāptaḥ — conseguindo; yathā — como; brahma — o Supremo; tathā — assim; āpnoti — a pessoa alcança; nibodha — tente compreender; me — de Mim; samāsena — resumidamente; eva — decerto; kaunteya — ó filho de Kuntī; niṣṭhā — a etapa; jñānasya — de conhecimento; — que; parā — transcendental.

Tradução

Ó filho de Kuntī, aprenda comigo como é que alguém que conseguiu esta perfeição pode atingir a fase de perfeição suprema, o Brahman, a etapa do conhecimento mais elevado, seguindo o método que agora passo a resumir.

Comentário

O Senhor descreve para Arjuna como se pode alcançar o mais elevado estado de perfeição com o simples desempenho do dever ocupacional, executando este dever para a Suprema Personalidade de Deus. Atingimos a etapa suprema do Brahman com a simples renúncia ao resultado do trabalho, satisfazendo o Senhor Supremo. Este é o processo de auto-realização. A verdadeira perfeição do conhecimento consiste em atingir pura consciência de Kṛṣṇa; descreve-se isto nos versos seguintes.

Texto

buddhyā viśuddhayā yukto
dhṛtyātmānaṁ niyamya ca
śabdādīn viṣayāṁs tyaktvā
rāga-dveṣau vyudasya ca
vivikta-sevī laghv-āśī
yata-vāk-kāya-mānasaḥ
dhyāna-yoga-paro nityaṁ
vairāgyaṁ samupāśritaḥ
ahaṅkāraṁ balaṁ darpaṁ
kāmaṁ krodhaṁ parigraham
vimucya nirmamaḥ śānto
brahma-bhūyāya kalpate

Sinônimos

buddhyā — com a inteligência; viśuddhayā — completamente purificada; yuktaḥ — ocupado; dhṛtyā — por determinação; ātmānam — o eu; niyamya — regulando; ca — também; śabda-ādīn — tal como o som; viṣayān — os objetos dos sentidos; tyaktvā — abandonando; rāga — apego; dveṣau — e ódio; vyudasya — pondo de lado; ca — também; vivikta-sevī — vivendo num lugar solitário; laghu-āśī — comendo pouco; yata — tendo controlado; vāk — fala; kāya — corpo; mānasaḥ — e mente; dhyāna-yoga-paraḥ — absorto em transe; nityam — vinte e quatro horas por dia; vairāgyam — desapego; samupāśritaḥ — tendo-se abrigado em; ahaṅkāram — falso ego; balam — falsa força; darpam — falso orgulho; kāmam — luxúria; krodham — ira; parigraham — e aceitação de coisas materiais; vimucya — sendo livrado de; nirmamaḥ — sem sentido de propriedade; śāntaḥ — pacífico; brahma-bhūyāya — para a auto-realização; kalpate — está qualificado.

Tradução

Tendo uma inteligência que o purifica e controlando a mente com determinação, abandonando os objetos do gozo dos sentidos, estando livre do apego e do ódio, aquele que vive num lugar isolado, que come pouco, que controla seu corpo, mente e o poder da fala, que está sempre em transe e que é desapegado, livre do falso ego, da falsa força, do falso orgulho, da luxúria, da ira e que deixou de aceitar coisas materiais, que está livre da falsa idéia de propriedade e é pacífico — este com certeza elevou-se à posição de auto-realização.

Comentário

Quando tem uma inteligência que o purifica, o homem se estabelece no modo da bondade. Assim, ele passa a controlar a mente e vive em transe. Ele não se apega aos objetos do gozo dos sentidos, e em suas atividades não há apego nem ódio. Tal homem desapegado naturalmente prefere viver num lugar isolado, come apenas o necessário e controla as atividades de seu corpo e de sua mente. Ele não tem falso ego porque não aceita o corpo como sendo ele mesmo. Tampouco deseja tornar o corpo gordo e forte aceitando tantos artigos materiais. Porque não está sob o conceito de vida corpórea, não sente falso orgulho. Ele se satisfaz com aquilo que lhe é oferecido pela graça do Senhor, e nunca fica irado só porque não obtém gozo dos sentidos. Tampouco se esforça por adquirir os objetos dos sentidos. Logo, ao livrar-se totalmente do falso ego, ele se desapega de todas as coisas materiais, e esta etapa de auto-realização é a fase Brahman que se chama fase brahma-bhūta. Ao livrar-se da concepção de vida material, ele se torna pacífico e ninguém consegue agitá-lo. Descreve-se isto no Bhagavad-gītā (2.70):

āpūryamāṇam acala-pratiṣṭhaṁ
samudram āpaḥ praviśanti yadvat
tadvat kāmā yaṁ praviśanti sarve
sa śāntim āpnoti na kāma-kāmī

“Só quem não se perturba com o incessante fluxo de desejos — que são como rios que entram no oceano, que está sempre sendo enchido mas sempre permanece calmo — pode alcançar a paz, e não o homem que luta para satisfazer esses desejos.”

Texto

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

Sinônimos

brahma-bhūtaḥ — sendo uno com o Absoluto; prasanna-ātmā — completamente feliz; na — nunca; śocati — se lamenta; na — nunca; kāṅkṣati — deseja; samaḥ — igualmente disposto; sarveṣu — para com todas; bhūteṣu — as entidades vivas; mat-bhaktim — serviço devocional a Mim; labhate — ganha; parām — transcendental.

Tradução

Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.

Comentário

Para o impersonalista, alcançar a fase brahma-bhūta, tornando-se uno com o Absoluto, é a última palavra. Mas para o personalista, ou devoto puro, ele tem que ir mais além e ocupar-se no serviço devocional puro. Isto significa que quem está ocupado em serviço devocional puro ao Senhor Supremo já está num estado de liberação, chamado brahma-bhūta, unidade com o Absoluto. Quem não é uno com o Supremo, o Absoluto, não pode prestar-Lhe serviço. Na concepção absoluta, não há diferença entre o servo e o amo, todavia, num sentido espiritual superior, tal distinção existe.

No conceito de vida material, quando se trabalha em busca do gozo dos sentidos, há miséria, mas no mundo absoluto, quando alguém se ocupa em serviço devocional puro, não há miséria. O devoto em consciência de Kṛṣṇa não tem nada a se lamentar ou desejar. Como Deus é completo, a entidade viva que está ocupada no serviço de Deus, em consciência de Kṛṣṇa, também se torna completa em si mesma. Ela é como um rio livre de toda a água suja. Porque todo o pensamento do devoto puro está em Kṛṣṇa, ele naturalmente vive feliz. Ele não lamenta nenhuma perda material nem aspira a ganho algum, porque ele está plenamente engajado no serviço ao Senhor. Ele não deseja gozo material porque sabe que toda entidade viva é uma parte fragmentária integrante do Senhor Supremo sendo portanto Seu servo eterno. Ele não vê que no mundo material alguém seja superior e outrem seja inferior; posições inferiores e superiores são efêmeras, e o devoto nada tem a ver com aparecimentos e desaparecimentos efêmeros. Para ele, pedra e ouro têm o mesmo valor. Esta é a fase brahma-bhūta, e o devoto puro mui facilmente alcança essa etapa. Nessa fase da existência, a idéia de tornar-se uno com o Brahman Supremo e aniquilar a própria individualidade torna-se infernal, a idéia de alcançar o reino celestial torna-se uma fantasmagoria, e os sentidos são como uma serpente cujos dentes venenosos estão quebrados. Assim como não precisamos temer uma serpente com dentes quebrados, não tememos os sentidos que estão automaticamente controlados. O mundo é miserável para quem está sob a influência material, mas para o devoto o mundo inteiro está em pé de igualdade com Vaikuṇṭha, ou o céu espiritual. Para o devoto, a maior personalidade deste mundo material não é mais importante que uma formiga. Essa etapa pode ser conseguida pela misericórdia do Senhor Caitanya, que pregou que nesta era todos devem prestar serviço devocional puro.

Texto

bhaktyā mām abhijānāti
yāvān yaś cāsmi tattvataḥ
tato māṁ tattvato jñātvā
viśate tad-anantaram

Sinônimos

bhaktyā — pelo serviço devocional puro; mām — a Mim; abhijānāti — a pessoa pode conhecer; yāvān — tanto quanto; yaḥ ca asmi — como Eu sou; tattvataḥ — em verdade; tataḥ — depois disso; mām — a Mim; tattvataḥ — em verdade; jñātvā — conhecendo; viśate — ela entra; tat-anantaram — depois disso.

Tradução

É unicamente através do serviço devocional que alguém pode compreender-Me como sou, como a Suprema Personalidade de Deus. E quando, mediante tal devoção, ele se absorve em plena consciência de Mim, ele pode entrar no reino de Deus.

Comentário

A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e Suas porções plenárias não podem ser compreendidos por meio da especulação mental nem pelos não-devotos. Se alguém quer compreender a Suprema Personalidade de Deus, ele deve aceitar a orientação de um devoto puro e adotar o serviço devocional imaculado. Caso contrário, a verdade sobre a Suprema Personalidade de Deus nunca se manifestará. Como já se afirmou no Bhagavad-gītā (7.25), nāhaṁ prakāśaḥ sarvasya: Ele não Se revela a qualquer um. Ninguém pode compreender Deus através de simples erudição acadêmica ou da especulação mental. Só alguém que se ocupe de fato em consciência de Kṛṣṇa e no serviço devocional pode compreender o que Kṛṣṇa é. Graus universitários não ajudam muito.

Quem está plenamente familiarizado com a ciência de Kṛṣṇa qualifica-se a entrar no reino espiritual, na morada de Kṛṣṇa. Tornar-se Brahman não significa que se perde a identidade. O serviço devocional não pára, e enquanto existir o serviço devocional, haverá Deus, o devoto e o processo do serviço devocional. Tal conhecimento nunca é revogado, nem mesmo após a liberação. A liberação envolve ficar livre do conceito de vida material; na vida espiritual permanece a mesma distinção e individualidade, mas em pura consciência de Kṛṣṇa. Ninguém deve ficar pensando que a palavra viśate, “entra em Mim”, apóia a teoria monista segundo a qual nos tornamos homogêneos com o Brahman impessoal. Não é assim. Viśate quer dizer que o devoto pode manter sua individualidade ao ingressar na residência do Senhor Supremo e associar-se com Ele, prestando-Lhe serviço. Por exemplo, um pássaro verde entra numa árvore verde não para se tornar uno com a árvore, mas para saborear os frutos da árvore. Os impersonalistas em geral dão o exemplo do rio que corre para o oceano e se funde nele. Isto talvez traga felicidade ao impersonalista, mas como um ser aquático que vive no oceano, o personalista conserva sua individualidade pessoal. Quando mergulhamos bem fundo, encontramos muitas entidades vivas no oceano. Conhecer a superfície do oceano não basta; deve-se ter conhecimento completo dos seres aquáticos que vivem nas profundezas do oceano.

Devido ao seu serviço devocional puro, o devoto pode realmente compreender as qualidades transcendentais e as opulências do Senhor Supremo. Como se declara no Décimo Primeiro Capítulo, somente através do serviço devocional é que se pode compreender. Aqui se confirma a mesma coisa; através do serviço devocional pode-se compreender a Suprema Personalidade de Deus e entrar em Seu reino.

Após atingir a fase brahma-bhūta, em que está livre das concepções materiais, o transcendentalista passa a prestar serviço devocional, ouvindo sobre o Senhor. Quando ele ouve sobre o Senhor Supremo, a fase brahma- bhūta desenvolve-se automaticamente, e a contaminação material — a ganância e a luxúria inerentes ao gozo dos sentidos — desaparece. À medida que a luxúria e os desejos desaparecem do coração do devoto, ele se torna mais apegado a servir o Senhor, e com esse apego ele se livra da contaminação material. Nesse estado de vida, ele é capaz de compreender o Senhor Supremo. Esta afirmação também está no Śrīmad-Bhāgavatam. Depois da liberação, o processo de bhakti, ou serviço transcendental, continua. O Vedānta-sūtra (4.1.12) confirma isto: ā-prāyaṇāt tatrāpi hi dṛṣṭam. Isto significa que após a liberação, o processo do serviço devocional continua. No Śrīmad-Bhāgavatam, a verdadeira liberação devocional é definida como o restabelecimento da entidade viva em sua identidade própria, sua própria posição constitucional. A posição constitucional já foi explicada: cada entidade viva é uma porção fragmentária integrante do Senhor Supremo. Por isso, sua posição constitucional é servir. Após a liberação, este serviço nunca pára. A verdadeira liberação é livrar-se dos conceitos errados sobre a vida.

Texto

sarva-karmāṇy api sadā
kurvāṇo mad-vyapāśrayaḥ
mat-prasādād avāpnoti
śāśvataṁ padam avyayam

Sinônimos

sarva — todas; karmāṇi — atividades; api — embora; sadā — sempre; kurvāṇaḥ — executando; mat-vyapāśrayaḥ — sob Minha proteção; mat-prasādāt — por Minha misericórdia; avāpnoti — a pessoa alcança; śāśvatam — a eterna; padam — morada; avyayam — imperecível.

Tradução

Embora ocupado em todas as espécies de atividades, Meu devoto puro, sob Minha proteção, alcança por Minha graça a morada eterna e imperecível.

Comentário

A palavra mad-vyapāśrayaḥ significa estar sob a proteção do Senhor Supremo. Para se livrar da contaminação material, o devoto puro age sob a direção do Senhor Supremo ou de Seu representante, o mestre espiritual. Não há limitação de tempo para o devoto puro. Vinte e quatro horas por dia, ele sempre está cem por cento ocupado em atividades sob a direção do Senhor Supremo. Para o devoto que adota essa ocupação em consciência de Kṛṣṇa o Senhor é muito, muito bondoso. Apesar de todas as dificuldades, ele acaba alcançando a morada transcendental, ou Kṛṣṇaloka, onde sua entrada está garantida; e quanto a isso não há dúvida. Nessa morada suprema, não há mudanças; tudo é eterno, imperecível e pleno de conhecimento.

Texto

cetasā sarva-karmāṇi
mayi sannyasya mat-paraḥ
buddhi-yogam upāśritya
mac-cittaḥ satataṁ bhava

Sinônimos

cetasā — pela inteligência; sarva-karmāṇi — todas as classes de atividades; mayi — para Mim; sannyasya — abandonando; mat-paraḥ — sob Minha proteção; buddhi-yogam — atividades devocionais; upāśritya — abrigando-se em; mat-cittaḥ — em consciência de Mim; satatam — vinte e quatro horas por dia; bhava — apenas torne-se.

Tradução

Em todas as atividades conte apenas comigo e sempre trabalhe sob Minha proteção. Nesse serviço devocional, seja plenamente consciente de Mim.

Comentário

Quando alguém age em consciência de Kṛṣṇa, ele não age como o dono do mundo. Tal qual um servo, é necessário agir sob a completa direção do Senhor Supremo. O servo não tem independência individual. Ele age apenas sob a ordem do amo. O servo que age em prol do amo supremo não é afetado por lucro ou prejuízo. Ele apenas desempenha fielmente seu dever conforme a ordem do Senhor. Alguém pode argumentar que Arjuna estava agindo sob a direção pessoal de Kṛṣṇa, mas quando Kṛṣṇa não está presente, como deverá agir? Se alguém agir segundo a direção que Kṛṣṇa estabeleceu neste livro, bem como sob a orientação do representante de Kṛṣṇa, então o resultado será o mesmo. Neste verso, a palavra sânscrita mat-paraḥ é muito importante. Ela indica que temos única e exclusivamente na vida a meta de agir em consciência de Kṛṣṇa apenas para satisfazer Kṛṣṇa. E enquanto adotamos essa ocupação, devemos pensar somente em Kṛṣṇa. “Eu fui designado por Kṛṣṇa para desempenhar este dever específico.” Ao agir dessa forma, o devoto naturalmente tem que pensar em Kṛṣṇa. Esta é a perfeita consciência de Kṛṣṇa. Entretanto, convém notar que após fazer algo por capricho não se deve oferecer o resultado ao Senhor Supremo. Esta espécie de atividade não está incluída no serviço devocional executado em consciência de Kṛṣṇa. Deve-se agir segundo a ordem de Kṛṣṇa. Este é um ponto muito importante. O mestre espiritual autêntico transmite esta ordem de Kṛṣṇa através da sucessão discipular. Por isso, a ordem do mestre espiritual precisa ser recebida como o dever primordial da vida. Se alguém aceita um mestre espiritual genuíno e age segundo sua direção, então a perfeição de sua vida em consciência de Kṛṣṇa está garantida.

Texto

mac-cittaḥ sarva-durgāṇi
mat-prasādāt tariṣyasi
atha cet tvam ahaṅkārān
na śroṣyasi vinaṅkṣyasi

Sinônimos

mat — de Mim; cittaḥ — estando em consciência; sarva — todos; durgāṇi — impedimentos; mat-prasādāt — por Minha misericórdia; tariṣyasi — superará; atha — mas; cet — se; tvam — você; ahaṅkārāt — pelo falso ego; na śroṣyasi — não ouvir; vinaṅkṣyasi — estará perdido.

Tradução

Se você se tornar consciente de Mim, irá superar por Minha graça todos os obstáculos da vida condicionada. Entretanto, se não trabalhar com essa consciência, mas agir com falso ego e deixar de Me ouvir, você estará perdido.

Comentário

Quem está em plena consciência de Kṛṣṇa não fica indevidamente ansioso pela execução dos deveres de sua existência. Os tolos não podem compreender esta grande capacidade de ficar livre de toda a ansiedade. Para alguém que age em consciência de Kṛṣṇa, o Senhor Kṛṣṇa Se torna o amigo mais íntimo. Kṛṣṇa sempre Se preocupa com o conforto de Seu amigo, e Se entrega a ele, que está tão devotadamente ocupado, trabalhando vinte e quatro horas por dia para agradar o Senhor. Portanto, ninguém deve se deixar arrastar pelo falso ego manifestado sob a forma do conceito de vida corpórea. Ninguém deve falsamente julgar-se independente das leis da natureza material, ou livre para agir como quiser. Todos já estão sob as estritas leis materiais. Mas logo que age em consciência de Kṛṣṇa, o devoto se liberta e fica livre das perplexidades materiais. Deve-se notar com muito cuidado que quem não é ativo em consciência de Kṛṣṇa está se perdendo no redemoinho material, no oceano de nascimentos e mortes. Na verdade, nenhuma alma condicionada sabe o que deve ser feito e o que não deve ser feito, mas quem age em consciência de Kṛṣṇa está livre para agir porque tudo é inspirado por Kṛṣṇa e confirmado pelo mestre espiritual.

Texto

yad ahaṅkāram āśritya
na yotsya iti manyase
mithyaiṣa vyavasāyas te
prakṛtis tvāṁ niyokṣyati

Sinônimos

yat — se; ahaṅkāram — no falso ego; āśritya — refugiando-se; na yotsye — não lutarei; iti — assim; manyase — você pensa; mithyā eṣaḥ — isto é tudo falso; vyavasāyaḥ — determinação; te — sua; prakṛtiḥ — a natureza material; tvām — a você; niyokṣyati — ocupará.

Tradução

Se você deixar de agir segundo a Minha direção, e não lutar, então, seguirá uma orientação errada. Por sua natureza, você terá que se ocupar no combate.

Comentário

Arjuna era um militar, nascido com a natureza de kṣatriya. Portanto, seu dever natural era lutar. Mas devido ao falso ego, ele temia que, matando seu mestre, avô e amigos, incorreria em reações pecaminosas. Na verdade, ele se considerava dono de suas ações, como se estivesse dirigindo os bons e os maus resultados de tal trabalho. Ele se esqueceu de que a Suprema Personalidade de Deus estava ali presente, instruindo-o a lutar. Este é o esquecimento a que a alma condicionada se sujeita. A Suprema Personalidade determina o que é bom e o que é mau, e o devoto apenas tem que agir em consciência de Kṛṣṇa para alcançar a perfeição da vida. O Senhor Supremo é quem melhor pode comprovar o nosso destino; por isso, o melhor caminho é aceitar a direção do Senhor Supremo e agir. Ninguém deve negligenciar a ordem da Suprema Personalidade de Deus ou a ordem do mestre espiritual, que é o representante de Deus. Ninguém deve hesitar em executar a ordem da Suprema Personalidade de Deus — isto manterá o devoto seguro em todas as circunstâncias.

Texto

svabhāva-jena kaunteya
nibaddhaḥ svena karmaṇā
kartuṁ necchasi yan mohāt
kariṣyasy avaśo ’pi tat

Sinônimos

svabhāva-jena — nascido de sua própria natureza; kaunteya — ó filho de Kuntī; nibaddhaḥ — condicionada; svena — por suas próprias; karmaṇā — atividades; kartum — fazer; na — não; icchasi — gosta de; yat — aquilo que; mohāt — por ilusão; kariṣyasi — fará; avaśaḥ — involuntariamente; api — mesmo; tat — isso.

Tradução

Sob a influência da ilusão, você está agora recusando agir segundo a Minha direção. Porém, compelido pelo trabalho que nasce de sua própria natureza, você acabará fatalmente agindo, ó filho
de Kuntī.

Comentário

Se alguém se recusa a agir sob a direção do Senhor Supremo, ele é então compelido a agir pelos modos em que está situado. Todos estão sob o encanto de uma combinação específica de modos da natureza e estão seguindo esta linha de ação. Mas qualquer um que voluntariamente aceite ficar sob a direção do Senhor Supremo torna-se glorioso.

Texto

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

Sinônimos

īśvaraḥ — o Senhor Supremo; sarva-bhūtānām — de todas as entidades vivas; hṛt-deśe — no local do coração; arjuna — ó Arjuna; tiṣṭhati — reside; bhrāmayan — fazendo viajar; sarva-bhūtāni — todas as entidades vivas; yantra — numa máquina; ārūḍhani — estando colocadas; māyayā — sob o encanto da energia material.

Tradução

O Senhor Supremo está situado nos corações de todos, ó Arjuna, e está dirigindo as andanças de todas as entidades vivas, que estão sentadas num tipo de máquina feita de energia material.

Comentário

Arjuna não era o conhecedor supremo, e sua decisão de lutar ou não lutar restringia-se a seu discernimento limitado. O Senhor Kṛṣṇa ensina que o indivíduo não é tudo o que existe. A Suprema Personalidade de Deus, ou Ele mesmo, Kṛṣṇa, como Superalma localizada, está situado no coração, dirigindo o ser vivo. Após mudar de corpo, a entidade viva se esquece de seus atos passados, mas a Superalma, como aquele que conhece o passado, o presente e o futuro, permanece a testemunha de todas as suas atividades. Por isso, todas as atividades das entidades vivas são dirigidas por esta Superalma. A entidade viva recebe o que merece e aceita um corpo material, que, sob a direção da Superalma, é criado pela natureza material. Logo que é posta num determinado tipo de corpo, a entidade viva tem que agir sob o encanto desta situação corpórea. Quem está num carro que anda em alta velocidade corre mais do que quem está num carro que anda mais lento, embora as entidades vivas, os motoristas, possam ser da mesma natureza. De modo semelhante, por ordem da Alma Suprema, a natureza material constrói uma determinada espécie de corpo para um tipo específico de entidade viva para que ela possa trabalhar conforme seus desejos anteriores. A entidade viva não é independente. Ninguém deve se julgar independente da Suprema Personalidade de Deus. O indivíduo está sempre sob o controle do Senhor. Por isso, é seu dever render-se, e este é o preceito do próximo verso.

Texto

tam eva śaraṇaṁ gaccha
sarva-bhāvena bhārata
tat-prasādāt parāṁ śāntiṁ
sthānaṁ prāpsyasi śāśvatam

Sinônimos

tam — a Ele; eva — decerto; śaraṇam gaccha — renda-se; sarva-bhāvena — em todos os aspectos; bhārata — ó filho de Bharata; tat-prasādāt — por Sua graça; parām — transcendental; śāntim — paz; sthānam — a morada; prāpsyasi — você obterá; śāśvatam — eterna.

Tradução

Ó descendente de Bharata, renda-se completamente a Ele. Por Sua graça, você vai obter paz transcendental e a morada suprema
e eterna.

Comentário

O ser vivo deve, portanto, render-se à Suprema Personalidade de Deus, que está situado nos corações de todos, e isto o aliviará de todas as espécies de misérias encontradas nesta existência material. Com essa rendição, ele não só será liberado de todas as misérias desta vida, mas acabará alcançando o Deus Supremo. O mundo transcendental é descrito na literatura védica (Ṛg Veda 1.22.20) como tad viṣṇoḥ paramaṁ padam. Como toda a criação é o reino de Deus, tudo o que é material é na verdade espiritual, mas paramaṁ padam refere-se especificamente à morada eterna, que é chamada céu espiritual ou Vaikuṇṭha.

No Décimo Quinto Capítulo do Bhagavad-gītā, afirma-se que sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭaḥ: o Senhor está situado nos corações de todos. Logo, a recomendação de que devemos nos render à Superalma situado internamente quer dizer que devemos nos render à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Arjuna já aceitou Kṛṣṇa como o Supremo, chamando-O de paraṁ brahma paraṁ dhāma no Décimo Capítulo. Arjuna aceitou Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus e a morada suprema de todas as entidades vivas não só devido à sua experiência pessoal, mas também devido à evidência fornecida pelas grandes autoridades como Nārada, Asita, Devala e Vyāsa.

Texto

iti te jñānam ākhyātaṁ
guhyād guhya-taraṁ mayā
vimṛśyaitad aśeṣeṇa
yathecchasi tathā kuru

Sinônimos

iti — assim; te — a você; jñānam — conhecimento; ākhyātam — descrito; guhyāt — do que confidencial; guhya-taram — ainda mais confidencial; mayā — por Mim; vimṛśya — deliberando; etat — sobre isto; aśeṣeṇa — completamente; yathā — como; icchasi — você gosta; tathā — isso; kuru — execute.

Tradução

Assim, Eu lhe expliquei o conhecimento ainda mais confidencial. Delibere a fundo sobre isto, e depois faça o que você quiser fazer.

Comentário

O Senhor já explicou a Arjuna o conhecimento acerca do brahma-bhūta. Quem está na condição brahma-bhūta vive feliz; nunca se lamenta, nem deseja nada. Isto se deve ao conhecimento confidencial. Kṛṣṇa também revela o conhecimento acerca da Superalma. Isto também é conhecimento Brahman, conhecimento sobre o Brahman, mas é superior.

Aqui, as palavras yathecchasi tathā kuru — “Você pode agir como lhe aprouver,” — indicam que Deus não interfere na pequena independência da entidade viva. No Bhagavad-gītā, o Senhor explicou sob todos os aspectos como alguém pode elevar sua condição de vida. O melhor conselho transmitido a Arjuna é que ele se renda à Superalma situada dentro de seu coração. Através do discernimento correto, devemos concordar em agir segundo a ordem da Superalma. Isto nos ajudará a ficarmos constantemente em consciência de Kṛṣṇa, o mais elevado estado de perfeição da vida humana. A Personalidade de Deus manda diretamente que Arjuna lute. Render-se à Suprema Personalidade de Deus é do maior interesse para as entidades vivas. Não é para o interesse do Supremo. Antes de nos rendermos, estamos livres para deliberar sobre este assunto com toda a inteligência de que dispomos; este é o melhor método de aceitar a instrução da Suprema Personalidade de Deus. Esta instrução vem também através do mestre espiritual, o representante genuíno de Kṛṣṇa.

Texto

sarva-guhyatamaṁ bhūyaḥ
śṛṇu me paramaṁ vacaḥ
iṣṭo ’si me dṛḍham iti
tato vakṣyāmi te hitam

Sinônimos

sarva-guhya-tamam — o mais confidencial de todos; bhūyaḥ — de novo; śṛṇu — apenas ouça; me — de Mim; paramam — a suprema; vacaḥ — instrução; iṣṭaḥ asi — você é querido; me — para Mim; dṛḍham — muito; iti — assim; tataḥ — portanto; vakṣyāmi — estou falando; te — para seu; hitam — benefício.

Tradução

Porque você é Meu amigo muito querido, estou lhe falando Minha instrução suprema, o mais confidencial de todos os conhecimentos. Ouça enquanto falo isto, pois é para o seu benefício.

Comentário

O Senhor transmitiu a Arjuna conhecimento que é confidencial (conhecimento sobre o Brahman) e ainda mais confidencial (conhecimento acerca da Superalma dentro dos corações de todos), e agora Ele passa a transmitir a parte mais confidencial do conhecimento: tudo o que é necessário é render-se à Suprema Personalidade de Deus. No final do Nono Capítulo, Ele disse que man-manāḥ: “Pense sempre em Mim”. Aqui, repete-se a mesma instrução para enfatizar a essência dos ensinamentos do Bhagavad-gītā. Esta essência não é compreendida pelo homem comum, mas por alguém que é de fato muito querido por Kṛṣṇa, um devoto puro de Kṛṣṇa. Esta é a instrução mais importante de toda a literatura védica. O que Kṛṣṇa está dizendo neste contexto é a parte mais essencial do conhecimento, e isto deve ser posto em prática não só por Arjuna mas por todas as entidades vivas.

Texto

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi satyaṁ te
pratijāne priyo ’si me

Sinônimos

mat-manāḥ — pensando em Mim; bhava — apenas torna-se; mat-bhaktaḥ — Meu devoto; mat-yājī — Meu adorador; mām — a Mim; namaskuru — ofereça suas reverências; mām — a Mim; eva — decerto; eṣyasi — você virá; satyam — verdadeiramente; te — a você; pratijāne — prometo; priyaḥ — querido; asi — é; me — para Mim.

Tradução

Pense sempre em Mim e torne-se Meu devoto. Adore-Me e ofereça-Me homenagens. Agindo assim, você virá a Mim impreterivelmente. Eu lhe prometo isto porque você é Meu amigo muito querido.

Comentário

A parte mais confidencial do conhecimento é que devemos nos tornar devotos puros de Kṛṣṇa e sempre pensar nEle e agir para Ele. Ninguém deve se tornar um meditador convencional. Devemos levar uma vida de tal modo que sempre tenhamos a oportunidade de pensar em Kṛṣṇa. E devemos sempre agir de tal maneira que todas as nossas atividades diárias estejam relacionadas com Kṛṣṇa. Devemos organizar nossa vida de tal maneira que durante todas as vinte e quatro horas fiquemos pensando apenas em Kṛṣṇa. E o Senhor promete que qualquer um que esteja nessa pura consciência de Kṛṣṇa na certa retornará à morada de Kṛṣṇa, onde conviverá com Kṛṣṇa face a face. Esta parte mais confidencial do conhecimento é falada a Arjuna porque ele é um amigo querido de Kṛṣṇa. Todos os que seguem o caminho de Arjuna podem tornar-se amigos queridos de Kṛṣṇa e alcançar a mesma perfeição que Arjuna.

Estas palavras enfatizam que devemos concentrar a mente em Kṛṣṇa — aquela forma com duas mãos que seguram uma flauta, o menino azulado cujo rosto é belo e que tem penas de pavão no cabelo. Há descrições de Kṛṣṇa encontradas no Brahma-saṁhitā e outros textos. Devemos fixar nossas mentes nesta forma original da Divindade, Kṛṣṇa. Não devemos nem mesmo desviar nossa atenção para outras formas do Senhor. O Senhor tem múltiplas formas, tais como Viṣṇu, Nārāyaṇa, Rāma, Varāha, etc., mas o devoto deve concentrar sua mente na forma que se apresentou diante de Arjuna. Concentrar a mente na forma de Kṛṣṇa constitui a parte mais confidencial do conhecimento, e isto é revelado a Arjuna por ele ser o amigo mais querido de Kṛṣṇa.

Texto

sarva-dharmān parityajya
mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja
ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo
mokṣayiṣyāmi mā śucaḥ

Sinônimos

sarva-dharmān — todas as variedades de religião; parityajya — abandonando; mām — a Mim; ekam — somente; śaraṇam — para rendição; vraja — vá; aham — Eu; tvām — a você; sarva — todas; pāpebhyaḥ — de reações pecaminosas; mokṣayiṣyāmi — livrarei; — não; śucaḥ — se preocupe.

Tradução

Abandone todas as variedades de religião e simplesmente renda-se a Mim. Eu o libertarei de todas as reações pecaminosas. Não tema.

Comentário

O Senhor descreveu várias espécies de conhecimento e processos de religião — conhecimento sobre o Brahman Supremo, conhecimento sobre a Superalma, conhecimento sobre os diferentes tipos de ordens e classes de vida social, conhecimento sobre a ordem de vida renunciada, conhecimento do desapego, controle dos sentidos e da mente, meditação, etc. Ele descreveu de várias maneiras os diferentes tipos de religião. Agora, resumindo o Bhagavad-gītā, o Senhor diz que Arjuna deve abandonar todos os processos que lhe foram explicados; ele simplesmente deve render-se a Kṛṣṇa. Esta rendição o salvará de todas as espécies de reações pecaminosas, pois o próprio Senhor promete protegê-lo.

No Sétimo Capítulo, foi dito que somente quem se livrou de todas as reações pecaminosas pode prestar adoração ao Senhor Kṛṣṇa. Assim, alguém pode pensar que enquanto não estiver livre de todas as reações pecaminosas não poderá adotar o processo de rendição. Para dirimir essas dúvidas, afirma-se aqui que mesmo que não esteja livre de todas as reações pecaminosas, pelo simples fato de render-se a Śrī Kṛṣṇa, ele automaticamente se libera. Ninguém precisa fazer um esforço estrênuo para livrar-se das reações pecaminosas. Não devemos hesitar em aceitar Kṛṣṇa como o supremo salvador de todas as entidades vivas. Com fé e amor, devemos render-nos a Ele.

O processo de rendição a Kṛṣṇa é descrito no Hari-bhakti-vilāsa (11.676):

ānukūlyasya saṅkalpaḥ
prātikūlyasya varjanam
rakṣiṣyatīti viśvāso
goptṛtve varaṇaṁ tathā
ātma-nikṣepa-kārpaṇye
ṣaḍ-vidhā śaraṇāgatiḥ

Segundo o processo devocional, o devoto deve simplesmente aceitar aqueles princípios religiosos que em última análise conduzam ao serviço devocional do Senhor. Ele pode executar um dever ocupacional específico conforme sua posição na ordem social, mas se ao executar seu dever ele não passa a desenvolver consciência de Kṛṣṇa, todas as suas atividades serão em vão. Tudo o que não conduz à fase de perfeição em consciência de Kṛṣṇa deve ser evitado. Ele deve ter confiança de que em todas as circunstâncias Kṛṣṇa o protegerá de todas as dificuldades. Não há necessidade de pensar na própria subsistência. Kṛṣṇa cuidará disto. Ele deve sempre julgar-se desamparado e deve considerar Kṛṣṇa a única base para o progresso de sua vida. Logo que alguém se ocupa seriamente no serviço devocional ao Senhor em plena consciência de Kṛṣṇa, ele se livra então de toda a contaminação da natureza material. Há diferentes processos de religião e de purificação através do cultivo de conhecimento, meditação no sistema de yoga mística, etc., mas quem se rende a Kṛṣṇa não precisa executar todos esses métodos. O simples fato de render-se a Kṛṣṇa evitará que se perca tempo. Pode-se então fazer muito progresso rapidamente e ficar livre de todas as reações pecaminosas.

Devemos nos sentir atraídos às belas feições de Kṛṣṇa. Seu nome é Kṛṣṇa porque Ele é todo-atrativo. Quem se sente atraído à bela, onipotente e todo-poderosa forma de Kṛṣṇa é deveras afortunado. Há diferentes classes de transcendentalistas — alguns deles são apegados ao aspecto impessoal do Brahman, outros se sentem atraídos ao aspecto Superalma, etc., mas quem tem atração à forma pessoal da Suprema Personalidade de Deus, e, acima de tudo, quem se sente atraído à Suprema Personalidade de Deus como o próprio Kṛṣṇa é o transcendentalista mais perfeito. Em outras palavras, o serviço devocional a Kṛṣṇa, em plena consciência, é a parte mais confidencial do conhecimento, e esta é a essência de todo o Bhagavad-gītā. Os karma-yogīs, os filósofos empíricos, os místicos e os devotos, são todos chamados transcendentalistas, mas quem é devoto puro é o melhor de todos. As palavras específicas usadas aqui, mā śucaḥ, “Não tema, não hesite, não se preocupe”, são muito significativas. Talvez não entendamos com clareza como é que alguém pode abandonar todas as espécies de processos religiosos e simplesmente render-se a Kṛṣṇa, mas essa é uma preocupação inútil.

Texto

idaṁ te nātapaskāya
nābhaktāya kadācana
na cāśuśrūṣave vācyaṁ
na ca māṁ yo ’bhyasūyati

Sinônimos

idam — este; te — por você; na — nunca; atapaskāya — a alguém que não é austero; na — nunca; abhaktāya — a alguém que não é devoto; kadācana — em nenhum momento; na — nunca; ca — também; aśuśrūṣave — a alguém que não está ocupado em serviço devocional; vācyam — a ser falado; na — nunca; ca — também; mām — a Mim; yaḥ — qualquer um que; abhyasūyati — é invejoso.

Tradução

Este conhecimento confidencial jamais pode ser explicado àqueles que não são austeros, nem devotados, nem se ocupam em serviço devocional, e tampouco a alguém que tenha inveja de Mim.

Comentário

Aqueles que não se submetem às austeridades próprias do processo religioso, que nunca tentaram o serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa, que não deram nenhuma atenção a um devoto puro, e especialmente aqueles que consideram Kṛṣṇa apenas uma personalidade histórica ou que invejam a grandeza de Kṛṣṇa não devem ouvir esta parte muito confidencial do conhecimento. Entretanto, o que às vezes se vê é que mesmo pessoas demoníacas que são invejosas de Kṛṣṇa e que Lhe prestam um tipo de adoração diferente fazem negócio, seguindo uma profissão que consiste em interpretar o Bhagavad-gītā à sua própria maneira. Mas qualquer um que deseje realmente compreender Kṛṣṇa deve evitar tais comentários sobre o Bhagavad-gītā. O verdadeiro propósito do Bhagavad-gītā não é compreensível àqueles que são sensuais. Mesmo quem não é sensual e está seguindo estritamente as disciplinas prescritas na escritura védica, se não for um devoto, também não pode compreender Kṛṣṇa. E mesmo alguém que se faz passar por devoto de Kṛṣṇa mas não está ocupado em atividades conscientes de Kṛṣṇa tampouco pode compreendê-lO. Há muitas pessoas que invejam Kṛṣṇa porque no Bhagavad-gītā Ele explicou que Ele é o Supremo e que nada é superior ou igual a Ele. Há muitas pessoas que têm inveja de Kṛṣṇa. Não se deve comentar sobre o Bhagavad-gītā com estas pessoas pois elas não podem compreender. Não há possibilidade de que as pessoas desprovidas de fé compreendam o Bhagavad-gītā e Kṛṣṇa. Ninguém deve tentar comentar o Bhagavad-gītā, sem compreender Kṛṣṇa sob a autoridade de um devoto puro.

Texto

ya idaṁ paramaṁ guhyaṁ
mad-bhakteṣv abhidhāsyati
bhaktiṁ mayi parāṁ kṛtvā
mām evaiṣyaty asaṁśayaḥ

Sinônimos

yaḥ — qualquer um que; idam — este; paramam — o mais; guhyam — segredo confidencial; mat — de Mim; bhakteṣu — entre os devotos; abhidhāsyati — explica; bhaktim — o serviço devocional; mayi — a Mim; parām — transcendental; kṛtvā — fazendo; mām — a Mim; eva — decerto; eṣyati — vem; asaṁśayaḥ — sem dúvida.

Tradução

Para aquele que explica aos devotos este segredo supremo, o serviço devocional puro está garantido, e no final, ele voltará a Mim.

Comentário

Em geral, é aconselhável que o Bhagavad-gītā seja comentado só entre os devotos, pois aqueles que não são devotos não entenderão nem Kṛṣṇa nem o Bhagavad-gītā. Aqueles que não aceitam Kṛṣṇa como Ele é nem o Bhagavad-gītā como ele é, não devem tentar fornecer explicações caprichosas sobre o Bhagavad-gītā, evitando, então, tornarem-se ofensores. O Bhagavad-gītā deve ser explicado a pessoas que estão dispostas a aceitar Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. É um tema só para os devotos e não para os especuladores filosóficos. Entretanto, qualquer um que tentar sinceramente apresentar o Bhagavad-gītā como ele é avançará em atividades devocionais e levará uma vida num estado devocional puro. Como resultado dessa devoção pura, ele com certeza voltará ao lar, de volta ao Supremo.

Texto

na ca tasmān manuṣyeṣu
kaścin me priya-kṛttamaḥ
bhavitā na ca me tasmād
anyaḥ priya-taro bhuvi

Sinônimos

na — nunca; ca — e; tasmāt — do que ele; manuṣyeṣu — entre os homens; kaścit — ninguém; me — a Mim; priya-kṛt-tamaḥ — mais querido; bhavitā — se tornará; na — nem; ca — e; me — a Mim; tasmāt — do que ele; anyaḥ — outro; priya-taraḥ — mais querido; bhuvi — neste mundo.

Tradução

Não há neste mundo servo que Me seja mais querido do que ele, nem nunca jamais haverá alguém mais querido.

Texto

adhyeṣyate ca ya imaṁ
dharmyaṁ saṁvādam āvayoḥ
jñāna-yajñena tenāham
iṣṭaḥ syām iti me matiḥ

Sinônimos

adhyeṣyate — estudará; ca — também; yaḥ — aquele que; imam — esta; dharmyam — sagrada; saṁvādam — conversação; āvayoḥ — nossa; jñāna — de conhecimento; yajñena — pelo sacrifício; tena — por ele; aham — Eu; iṣṭaḥ — adorado; syām — serei; iti — assim; me — Minha; matiḥ — opinião.

Tradução

E declaro que aquele que estuda esta nossa conversa sagrada adora-Me com sua inteligência.

Texto

śraddhāvān anasūyaś ca
śṛṇuyād api yo naraḥ
so ’pi muktaḥ śubhāḻ lokān
prāpnuyāt puṇya-karmaṇām

Sinônimos

śraddhā-vān — fiel; anasūyaḥ — não invejoso; ca — e; śṛṇuyāt — ouve; api — decerto; yaḥ — quem; naraḥ — um homem; saḥ — ele; api — também; muktaḥ — sendo liberado; śubhān — os auspiciosos; lokān — planetas; prāpnuyāt — alcança; puṇya-karmaṇām — dos piedosos.

Tradução

E aquele que ouve com fé e sem inveja livra-se das reações pecaminosas e alcança os planetas auspiciosos onde residem os seres piedosos.

Comentário

No verso sessenta e sete deste capítulo, o Senhor proibiu explicitamente que se falasse o Gītā para aqueles que têm inveja do Senhor. Em outras palavras, o Bhagavad-gītā é só para os devotos. Mas acontece que às vezes um devoto do Senhor dá palestras públicas, as quais não são freqüentadas apenas pelos devotos. Por que essas pessoas dão essas palestras? Explica-se aqui que embora nem todos sejam devotos, mesmo assim há muitas pessoas que não invejam Kṛṣṇa. Elas acreditam que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Se essas pessoas ouvem um devoto autêntico falar sobre o Senhor, o resultado é que elas imediatamente se livram de todas as reações pecaminosas e depois disso atingem o sistema planetário onde residem todas as pessoas virtuosas. Por isso, pelo simples fato de ouvir o Bhagavad-gītā, mesmo aquele que não tenta ser um devoto puro obtém o resultado reservado a quem executa atividades virtuosas. Assim, o devoto puro do Senhor dá a todos uma oportunidade de se livrarem de todas as reações pecaminosas e de se converterem em devotos do Senhor.

De um modo geral, aqueles que estão livres de reações pecaminosas, aqueles que são virtuosos, adotam mui facilmente a consciência de Kṛṣṇa. Aqui, a palavra puṇya-karmaṇām é muito significativa. Ela se refere à execução de grandes sacrifícios, tais como o aśvamedha-yajña, mencionado na literatura védica. Aqueles que têm a virtude de executar serviço devocional, mas não são puros, podem atingir o sistema planetário da estrela polar, ou Dhruvaloka, onde Dhruva Mahārāja preside. Ele é um grande devoto do Senhor e tem um planeta especial, que é chamado de Estrela Polar.

Texto

kaccid etac chrutaṁ pārtha
tvayaikāgreṇa cetasā
kaccid ajñāna-sammohaḥ
praṇaṣṭas te dhanañ-jaya

Sinônimos

kaccit — se; etat — isto; śrutam — ouvido; pārtha — ó filho de Pṛthā; tvayā — por você; eka-agreṇa — com plena atenção; cetasā — pela mente; kaccit — se; ajñāna — da ignorância; sammohaḥ — a ilusão; praṇaṣṭaḥ — dissipada; te — de você; dhanañjaya — ó conquistador de riquezas (Arjuna).

Tradução

Ó filho de Pṛthā, ó conquistador de riquezas, será que você ouviu isto com a mente atenta? E acaso sua ignorância e ilusões já se dissiparam?

Comentário

O Senhor estava agindo como mestre espiritual de Arjuna. Por isso, era Seu dever perguntar a Arjuna se ele havia captado a verdadeira mensagem contida no Bhagavad-gītā. Caso contrário, o Senhor estava disposto a voltar a explicar qualquer ponto, ou todo o Bhagavad-gītā se necessário. De fato, qualquer um que ouve o Bhagavad-gītā transmitido por um mestre espiritual genuíno como Kṛṣṇa ou Seu representante perceberá que toda a sua ignorância se extingue. O Bhagavad-gītā não é um livro comum escrito por um poeta ou um autor de ficção; ele foi falado pela Suprema Personalidade de Deus. Todos que tiverem a imensa fortuna de ouvir estes ensinamentos de Kṛṣṇa ou de Seu representante espiritual genuíno com certeza serão liberados e sairão da escuridão da ignorância.

Texto

arjuna uvāca
naṣṭo mohaḥ smṛtir labdhā
tvat-prasādān mayācyuta
sthito ’smi gata-sandehaḥ
kariṣye vacanaṁ tava

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; naṣṭaḥ — dissipada; mohaḥ — ilusão; smṛtiḥ — memória; labdhā — recuperada; tvat-prasādāt — por Sua misericórdia; mayā — por mim; acyuta — ó infalível Kṛṣṇa; sthitaḥ — situado; asmi — estou; gata — removidas; sandehaḥ — todas as dúvidas; kariṣye — executarei; vacanam — ordem; tava — Sua.

Tradução

Arjuna disse: Meu querido Kṛṣṇa, ó pessoa infalível, agora minha ilusão se foi. Por Sua misericórdia, recuperei minha memória. Agora me sinto firme e não tenho dúvidas e estou preparado para agir segundo Suas instruções.

Comentário

Em sua posição constitucional, a entidade viva, representada por Arjuna, tem que agir conforme a ordem do Senhor Supremo. Ela precisa desenvolver autodisciplina. Śrī Caitanya Mahāprabhu diz que a verdadeira posição do ser vivo é prestar serviço ao Senhor Supremo eternamente. Esquecendo-se deste princípio, ele se condiciona à natureza material, mas servindo ao Senhor Supremo ele se torna o servo puro de Deus. Em sua posição constitucional, a entidade viva é um servo; ela tem que servir ou à māyā ilusória ou ao Senhor Supremo. Se presta serviço ao Senhor Supremo, ela está em sua condição normal, mas se preferir servir à energia ilusória e externa, então com certeza estará no cativeiro. Em ilusão, a entidade viva está servindo neste mundo material. Embora atada à sua luxúria e desejos, ela se julga o senhor do mundo. Isto se chama ilusão. Quando a pessoa se libera, sua ilusão acaba, e ela se rende voluntariamente ao Supremo para agir conforme os desejos dEle. A maior ilusão, a maior armadilha de māyā para apanhar a entidade viva, é propor que ela seja Deus. A entidade viva pensa que deixou de ser uma alma condicionada, que agora ela é Deus. Ela é tão sem inteligência que não pensa que, se fosse mesmo Deus, como poderia então estar com dúvidas? Ela não pondera isto. Portanto, esta é a última armadilha da ilusão. Na verdade, ficar livre da energia ilusória é entender Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e concordar em agir segundo Sua ordem.

Neste verso, a palavra moha é muito importante. Moha refere-se àquilo que se opõe ao conhecimento. De fato, o verdadeiro conhecimento é a compreensão de que cada ser vivo é um servo eterno do Senhor, mas em vez de aceitar esta posição, a entidade viva pensa que não é servo, mas que é o dono deste mundo material, pois ela quer assenhorear-se da natureza material. Esta é a sua ilusão. Esta ilusão pode ser eliminada pela misericórdia do Senhor ou pela misericórdia do devoto puro. Quando esta ilusão acaba, ela passa a agir em consciência de Kṛṣṇa.

Consciência de Kṛṣṇa é agir segundo a ordem de Kṛṣṇa. A alma condicionada, iludida pela energia material externa, não sabe que o Senhor Supremo é o senhor que é pleno em conhecimento e proprietário de tudo. Tudo o que Ele deseja Ele pode conceder a Seus devotos; Ele é amigo de todos e está especialmente inclinado a satisfazer Seu devoto. Ele é o controlador desta natureza material e de todas as entidades vivas. Ele é também o controlador do tempo inesgotável e é pleno em todas as opulências e todas as potências. A Suprema Personalidade de Deus pode até mesmo Se entregar ao devoto. Aquele que não O conhece está sob o encanto da ilusão e não se torna um devoto, tornando-se assim um servo de māyā. Arjuna, entretanto, após ouvir a Suprema Personalidade de Deus falar o Bhagavad-gītā, livrou-se de toda a ilusão. Ele pôde compreender que Kṛṣṇa era não só seu amigo, mas a Suprema Personalidade de Deus. E ele realmente compreendeu Kṛṣṇa. Logo, estudar o Bhagavad-gītā é passar a desenvolver verdadeira compreensão sobre Kṛṣṇa. Quando se está em pleno conhecimento, é natural a rendição a Kṛṣṇa. Ao compreender que o plano de Kṛṣṇa consistia em impedir que a população aumentasse desnecessariamente, Arjuna concordou em lutar segundo o desejo de Kṛṣṇa. Ele pegou suas armas de volta — suas flechas e arco — para lutar sob a ordem da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

sañjaya uvāca
ity ahaṁ vāsudevasya
pārthasya ca mahātmanaḥ
saṁvādam imam aśrauṣam
adbhutaṁ roma-harṣaṇam

Sinônimos

sañjayaḥ uvāca — Sañjaya disse; iti — assim; aham — eu; vāsudevasya — de Kṛṣṇa; pārthasya — e Arjuna; ca — também; mahā-ātmanaḥ — da grande alma; saṁvādam — discussão; imam — esta; aśrauṣam — ouvi; adbhutam — maravilhosa; roma-harṣaṇam — que faz arrepiar os pêlos.

Tradução

Sañjaya disse: Assim foi que ouvi a conversa entre duas grandes almas, Kṛṣṇa e Arjuna. E tão maravilhosa é esta mensagem que os pêlos de meu corpo estão arrepiados.

Comentário

No começo do Bhagavad-gītā, Dhṛtarāṣṭra perguntou a seu secretário Sañjaya: “Que aconteceu no Campo de Batalha de Kurukṣetra?” O episódio inteiro foi revelado ao coração de Sañjaya pela graça de seu mestre espiritual, Vyāsa. Ele então explicou o tema discutido no campo de batalha. O diálogo foi maravilhoso pois tal conversa importante entre duas grandes almas nunca havia acontecido antes e jamais voltaria a acontecer. Foi maravilhoso porque a Suprema Personalidade de Deus estava falando acerca de Si mesmo e de Suas energias, à entidade viva representada por Arjuna, que era um grande devoto do Senhor. Se seguimos os passos de Arjuna para compreendermos Kṛṣṇa, então teremos uma vida feliz e bem-sucedida. Sañjaya teve esta percepção, e à medida que desenvolvia semelhante compreensão, ele relatava a conversa a Dhṛtarāṣṭra. Agora se conclui que onde quer que estejam Kṛṣṇa e Arjuna haverá a vitória.

Texto

vyāsa-prasādāc chrutavān
etad guhyam ahaṁ param
yogaṁ yogeśvarāt kṛṣṇāt
sākṣāt kathayataḥ svayam

Sinônimos

vyāsa-prasādāt — pela misericórdia de Vyāsadeva; śrutavān — ouvi; etat — este; guhyam — confidencial; aham — eu; param — o supremo; yogam — misticismo; yoga-īśvarāt — do senhor de todo o misticismo; kṛṣṇāt — de Kṛṣṇa; sākṣāt — diretamente; kathayataḥ — falando; svayam — pessoalmente.

Tradução

Pela misericórdia de Vyāsa, eu ouvi estas palavras mais confidenciais diretamente do senhor de todo o misticismo, Kṛṣṇa, quando falava pessoalmente com Arjuna.

Comentário

Vyāsa era o mestre espiritual de Sañjaya, e Sañjaya admite que foi pela misericórdia de Vyāsa que ele pôde compreender a Suprema Personalidade de Deus. Isto significa que não é diretamente que se deve entender Kṛṣṇa, mas por intermédio do mestre espiritual. O mestre espiritual é o meio transparente, embora na verdade a experiência continue sendo direta. Este é o mistério da sucessão discipular. Quando o mestre espiritual é genuíno, o discípulo, tal qual Arjuna, pode ouvir o Bhagavad-gītā diretamente. Há muitos místicos e yogīs em todo o mundo, mas Kṛṣṇa é o senhor de todos os sistemas de yoga. A instrução de Kṛṣṇa está declarada explicitamente no Bhagavad-gītā — render-se a Kṛṣṇa. Quem toma essa atitude é o maior dos yogīs. Confirma-se isto no último verso do Sexto Capítulo. Yoginām api sarveṣām.

Nārada é discípulo direto de Kṛṣṇa e o mestre espiritual de Vyāsa. Por isso, Vyāsa é tão autêntico como Arjuna porque está na sucessão discipular, e Sañjaya é discípulo direto de Vyāsa. Por isso, pela graça de Vyāsa, os sentidos de Sañjaya foram purificados, e ele pôde ver e ouvir Kṛṣṇa diretamente. Quem ouve Kṛṣṇa diretamente pode entender este conhecimento confidencial. Quem não se dirige à sucessão discipular não pode ouvir Kṛṣṇa; portanto, seu conhecimento sempre é imperfeito, pelo menos quando se tem como meta compreender o Bhagavad-gītā.

No Bhagavad-gītā, explicam-se todos os sistemas de yoga — karma- yoga, jñāna-yoga e bhakti-yoga. Kṛṣṇa é o mestre de todo esse misticismo. Entretanto, é bom que se saiba que, assim como Arjuna foi afortunado o bastante para compreender Kṛṣṇa diretamente, pela graça de Vyāsa, Sañjaya também conseguiu ouvir Kṛṣṇa diretamente. Na verdade, não há diferença entre ouvir Kṛṣṇa diretamente e ouvir diretamente um mestre espiritual autêntico como Vyāsa falar a respeito de Kṛṣṇa. O mestre espiritual é também um representante de Vyāsadeva. Portanto, segundo o sistema védico, no aniversário do mestre espiritual os discípulos organizam a cerimônia chamada Vyāsa-pūjā.

Texto

rājan saṁsmṛtya saṁsmṛtya
saṁvādam imam adbhutam
keśavārjunayoḥ puṇyaṁ
hṛṣyāmi ca muhur muhuḥ

Sinônimos

rājan — ó rei; saṁsmṛtya — lembrando; saṁsmṛtya — lembrando; saṁvādam — mensagem; imam — esta; adbhutam — maravilhosa; keśava — do Senhor Kṛṣṇa; arjunayoḥ — e Arjuna; puṇyam — piedoso; hṛṣyāmi — estou sentindo prazer; ca — também; muhuḥ muhuḥ — repetidas vezes.

Tradução

Ó rei, toda vez que recordo este diálogo magnífico e sagrado entre Kṛṣṇa e Arjuna, sinto prazer e me emociono a cada momento.

Comentário

Compreender o Bhagavad-gītā é um fenômeno tão transcendental que qualquer um que se torne versado nos tópicos comentados por Arjuna e Kṛṣṇa se torna virtuoso e não consegue se esquecer dessa conversa. Esta posição transcendental é vida espiritual. Em outras palavras, quem ouve o Gītā ser transmitido pela fonte correta, ou seja, diretamente por Kṛṣṇa, atinge plena consciência de Kṛṣṇa. O resultado da consciência de Kṛṣṇa é que o devoto se ilumina cada vez mais, e desfruta a vida com emoção, não só por algum tempo, mas a cada momento.

Texto

tac ca saṁsmṛtya saṁsmṛtya
rūpam aty-adbhutaṁ hareḥ
vismayo me mahān rājan
hṛṣyāmi ca punaḥ punaḥ

Sinônimos

tat — isso; ca — também; saṁsmṛtya — recordando; saṁsmṛtya — recordando; rūpam — forma; ati — muito; adbhutam — maravilhosa; hareḥ — do Senhor Kṛṣṇa; vismayaḥ — admiração; me — minha; mahān — grande; rājan — ó rei; hṛṣyāmi — estou desfrutando; ca — também; punaḥ punaḥ — repetidas vezes.

Tradução

Ó rei, ao lembrar a maravilhosa forma do Senhor Kṛṣṇa, sinto uma admiração cada vez maior e me regozijo repetidas vezes.

Comentário

Parece que Sañjaya também, pela graça de Vyāsa, pôde ver a forma universal que Kṛṣṇa manifestou a Arjuna. Afirma-se, é claro, que o Senhor Kṛṣṇa nunca havia manifestado essa forma antes. Ela foi mostrada somente a Arjuna, no entanto alguns devotos gloriosos também puderam ver a forma universal que Kṛṣṇa manifestou a Arjuna, e Vyāsa foi um deles. Ele é um dos grandes devotos do Senhor, e é considerado uma poderosa encarnação de Kṛṣṇa. Vyāsa revelou isto a seu discípulo Sañjaya, que ao lembrar daquela maravilhosa forma que Kṛṣṇa mostrara a Arjuna, desfrutava-a repetidas vezes.

Texto

yatra yogeśvaraḥ kṛṣṇo
yatra pārtho dhanur-dharaḥ
tatra śrīr vijayo bhūtir
dhruvā nītir matir mama

Sinônimos

yatra — onde; yoga-īśvaraḥ — o senhor do misticismo; kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; yatra — onde; pārthaḥ — o filho de Pṛthā; dhanuḥ-dharaḥ — o portador do arco e flecha; tatra — ali; śrīḥ — opulência; vijayaḥ — vitória; bhūtiḥ — poder excepcional; dhruvā — certo; nītiḥ — moralidade; matiḥ mama — minha opinião.

Tradução

Onde quer que esteja Kṛṣṇa, o senhor de todos os místicos, e onde quer que esteja Arjuna, o arqueiro supremo, com certeza também haverá opulência, vitória, poder extraordinário e moralidade. Esta é a minha opinião.

Comentário

O Bhagavad-gītā começa com uma pergunta formulada por Dhṛtarāṣṭra. Ele confiava na vitória de seus filhos, auxiliados por grandes guerreiros como Bhīṣma, Droṇa e Karṇa. Estava esperançoso de que a vitória estaria a seu lado. Porém, depois de descrever a cena no campo de batalha, Sañjaya disse ao rei: “Estás pensando em vitória, mas na minha opinião, onde Kṛṣṇa e Arjuna estiverem presentes, haverá toda a boa fortuna”. Ele confirmou diretamente que Dhṛtarāṣṭra não podia esperar que a vitória estivesse do seu lado. A vitória na certa ficaria do lado de Arjuna porque Kṛṣṇa estava ali presente. O fato de Kṛṣṇa aceitar o cargo de quadrigário de Arjuna foi a manifestação de uma outra opulência. Kṛṣṇa é pleno de todas as opulências, e a renúncia é uma delas. Há muitos exemplos dessa renúncia, pois Kṛṣṇa também é o senhor da renúncia.

Na verdade, a luta foi travada entre Duryodhana e Yudhiṣṭhira. Arjuna estava lutando em prol de seu irmão mais velho, Yudhiṣṭhira. Porque Kṛṣṇa e Arjuna estavam do lado de Yudhiṣṭhira, a vitória de Yudhiṣṭhira era certa. A batalha definiria quem governaria o mundo, e Sañjaya predisse que o poder seria transferido para Yudhiṣṭhira. Também se prediz aqui que Yudhiṣṭhira, após obter a vitória nesta batalha, prosperaria cada vez mais, não só porque ele era justo e piedoso, mas também porque era um moralista estrito. Durante sua vida, ele nunca disse uma mentira.

Há muitas pessoas menos inteligentes que aceitam o Bhagavad-gītā como uma simples conversa entre dois amigos num campo de batalha. Mas uma espécie de livro assim não pode ser uma escritura. Alguns podem alegar que Kṛṣṇa incitou Arjuna a lutar, e isso é imoral, mas a realidade da situação está claramente afirmada: o Bhagavad-gītā é a suprema instrução sobre o que é moralidade. O Nono Capítulo, verso trinta e quatro, declara a suprema instrução sobre moralidade: man-manā bhava mad-bhaktaḥ. É necessário tornar-se um devoto de Kṛṣṇa, e a essência de toda a religião é render-se a Kṛṣṇa (sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja). As instruções do Bhagavad-gītā constituem o supremo processo de religião e de moralidade. Todos os outros processos podem ser purificantes e podem levar a este processo, mas a última instrução do Gītā é a palavra máxima em toda a moralidade e religião: render-se a Kṛṣṇa. Este é o veredicto do Décimo Oitavo Capítulo.

Através do Bhagavad-gītā, podemos compreender que perceber o eu através da especulação filosófica e através da meditação é apenas um processo, mas render-se completamente a Kṛṣṇa é a perfeição mais elevada. Esta é a essência dos ensinamentos do Bhagavad-gītā. O caminho dos princípios reguladores segundo as ordens da vida social e os diferentes métodos de religião talvez seja um caminho confidencial de conhecimento. Mas embora os rituais religiosos sejam confidenciais, a meditação e o cultivo de conhecimento são ainda mais confidenciais. E render-se a Kṛṣṇa em serviço devocional em plena consciência de Kṛṣṇa é a instrução mais confidencial. Esta é a essência do Décimo Oitavo Capítulo.

Outro aspecto do Bhagavad-gītā é que a verdade efetiva é a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. A Verdade Absoluta é compreendida sob três aspectos — o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e, enfim, a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Conhecimento perfeito acerca da Verdade Absoluta quer dizer conhecimento perfeito acerca de Kṛṣṇa. Se alguém compreende Kṛṣṇa, então todos os departamentos do conhecimento estão incluídos nesta compreensão. Kṛṣṇa é transcendental, pois Ele sempre está situado em Sua eterna potência interna. As entidades vivas manifestam-se de Sua energia e dividem-se em duas classes, eternamente condicionadas e eternamente liberadas. Essas entidades vivas são inumeráveis, e são consideradas partes fundamentais de Kṛṣṇa. A energia material manifesta-se em vinte e quatro divisões. A criação é efetuada pelo tempo eterno, e é produzida e dissolvida pela energia externa. Esta manifestação do mundo cósmico se torna visível e invisível repetidas vezes.

No Bhagavad-gītā, comentam-se cinco assuntos principais: a Suprema Personalidade de Deus, a natureza material, as entidades vivas, o tempo eterno e todas as espécies de atividades. Tudo depende da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Todas as concepções sobre a Verdade Absoluta — Brahman impessoal, Paramātmā localizado e qualquer outra concepção transcendental — estão incluídas na compreensão acerca da Suprema Personalidade de Deus. Embora superficialmente a Suprema Personalidade de Deus, a entidade viva, a natureza material e o tempo pareçam ser diferentes, nada é diferente do Supremo. Mas o Supremo é sempre diferente de tudo. A filosofia do Senhor Caitanya menciona inconcebivelmente “igualdade e diferença simultâneas”. Este sistema de filosofia constitui conhecimento perfeito acerca da Verdade Absoluta.

Em sua posição original, a entidade viva é espírito puro. Ela é exatamente como uma partícula atômica do Espírito Supremo. Assim, o Senhor Kṛṣṇa pode ser comparado ao Sol, e as entidades vivas, ao brilho solar. Porque são energia marginal de Kṛṣṇa, as entidades vivas têm a tendência de estar em contato com a energia material ou com a energia espiritual. Em outras palavras, a entidade viva está situada entre as duas energias do Senhor, e como ela pertence à energia superior do Senhor, ela tem uma partícula de independência. Pelo uso correto dessa independência, ela aceita ficar sob a ordem direta de Kṛṣṇa. Assim, ela atinge sua posição normal na potência de onde todo o prazer deriva.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Décimo Oitavo Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata da Conclusão — a Perfeição da Renúncia.